Space 1.8 | Warp | setembro de 2021
Estamos perante um dos prodígios escondidos da cena jazz de Londres. Nala Sinephro é uma jovem compositora, produtora e instrumentista de origem caribenha-belga, sediada em Londres. Fascinada com o efeito das frequências e das propriedades que abrangem o som, decide então conceber Space 1.8 entre 2018 e 2019, quando tinha apenas 22 anos, após um período conturbado de uma grave doença.
Rapidamente se tornou um dos novos rostos da editora Warp Records, que tem no seu catálogo de excelência nomes como Stereolab, Aphex Twin, Brian Eno, Yves Tumor ou Flying Lotus. Aos poucos ganhou o seu espaço no panorama artístico da efervescente cidade londrina, através das suas esplêndidas performances, e do seu programa mensal eclético na NTS Radio.
O seu álbum de estreia, constituído por oito temas, é uma espécie de planetário pessoal, em que a constelação maior é a sua delicadeza e sensibilidade, reminiscente do seu estado meditativo, sublime na arte de unir a harpa com os sintetizadores modulares de uma forma única e expansiva.
A faixa de abertura, “Space 1”, é um retiro espiritual que surge calmamente com o encantador dedilhar das cordas da harpa, que se preenche com uma amálgama de sons vindos da natureza, sendo lentamente engolida pelo profundo silêncio. O piano de Lyle Barton e o restante virtuoso ensemble convidado por Nala Sinephro assumem assim o controlo em “Space 2” e na curta libertação enérgica e alucinante de “Space 3”, executada pelo baterista Eddie Hick (Sons of Kemet). O furacão do saxofone tenor de Nubya Garcia em “Space 4” vem adicionar uma camada densa de sentimentos e emoções fortes, que transporta toda a banda para um estado de absoluto êxtase. O eco da voz produzido pelos sintetizadores em “Space 5” evocam uma eletrónica ambiente e espacial ao estilo de Brian Eno, enquanto as turbulências e frequências sonhadoras de “Space 7” são a exploração meditativa e curativa de uma medicina musical ainda desconhecida…
A barafunda instrumental caótica e confusa de “Space 6” faz todo o sentido nesta viagem quase surrealista, onde o som é puro movimento e a sua fisicalidade é expelida livremente pelos músicos, de forma a expressar que o jazz é essa busca incessante por novos desafios.
Na reta final surge “Space 8”, uma faixa com duração de 18 minutos, nutrida de uma exploração minimalista, contemplativa e vanguardista, e ao mesmo tempo revitalizante e ancestral, como o mítico Vernal Equinox de Jon Hassell e a sua chamada “música do quarto mundo”. Os risos escutados nos últimos segundos são o óbvio resultado de um trabalho distinto e primoroso que sem dúvida augura um futuro promissor.
São evidentes as referências, influências e inspirações de Nala Sinephro com figuras de renome ligadas ao meio do spiritual jazz, principalmente de Alice Coltrane, Dorothy Ashby e Pharoah Sanders. Ao pegar neste legado, conseguiu transformar e criar uma obra-prima que deverá certamente ser lembrada ao longo do tempo, ao reunir alguns dos melhores músicos atuais do cenário londrino. É indubitável que o aclamado Promises de Floating Points, do octogenário Pharoah Sanders e da London Symphony Orchestra seja um dos discos do ano, enquanto acabara de nascer uma nova estrela na galáxia do jazz. Texto redigido por Eduardo Coelho