Black Bass Fest 2023: a Festa DIY da Pointlist em Évora
Black Bass Fest 2023: a Festa DIY da Pointlist em Évora
Black Bass Fest 2023: a Festa DIY da Pointlist em Évora
Desde 2014 que a Pointlist, agência e produtora eborense, organiza o Black Bass. Reúnem as pérolas em bruto do seu catálogo de artistas, mas não só – é uma espécie de reunião de família com música independente portuguesa (e de fora), dois dias concertos que não deixam esquecer a magia da ética Do It Yourself. Para além das duas noites em Évora, o Black Bass contou com um dia de festival em Portalegre.
Sexta-feira, 17 de novembro
O primeiro dia serviu como aquecimento no espaço icónico da SHE (Sociedade Harmonia Eborense), na Praça do Giraldo. Uma hora antes de começarem os concertos, já uma longa fila se formava para entrar na sala, acompanhada de um burburinho de entusiasmo – não surpreende, tendo em conta que um dos concertos da noite era um de três da tour de regresso dos 800 Gondomar, banda de culto de Rio Tinto conhecida pelas suas atuações irreverentes.
O coletivo MEIA/FÉ, oriundo de Lisboa, deu início ao festival da única forma apropriada: com o máximo de feedback de guitarras possível. Como muitos dos artistas do cartaz, o grupo tem tocado em alguns espaços e festivais importantes, como a Galeria Zé dos Bois ou o festival MIL, sobre o qual escrevi uma reportagem que podem ler aqui. Com tripés abandonados pelo chão, contagiaram-nos com a sua energia, dobrados sobre os instrumentos enquanto berravam sobre o mundano. No fim do concerto, saíram do palco para se juntarem ao mosh pit. Dito e cumprido, não vão “passar a vida a anhar”, comprovado pelos palcos que têm pisado (nomeadamente uma primeira parte para Slauson Malone).
MEIA/FÉ
Seguiu-se o muito aguardado trio 800 Gondomar, banda da casa da Pointlist. É complicado escrever de uma perspetiva imparcial sobre atuações dos 800 Gondomar. A magnitude deste concerto manifestou-se de forma profundamente emocional, e qualquer um que tenha estado presente num dos três concertos de regresso do grupo (Zé dos Bois, Black Bass e CCOP) saberá como é difícil pôr em palavras uma atuação tão crua, mística e catártica. Alô, Fred e Rui começaram a tocar à uma da manhã, ateando um fogo dentro do público que desatou a cantar e mexer com tudo o que tinha. Entre muito mosh e crowdsurfing, houve espaço para respirar durante “Preguiça”, quando entre todo o suor e cansaço da sala a abarrotar se perderam roupas em nome da amizade. Rui saiu da bateria, despiu-se completamente, e juntou-se humildemente ao público, que a este ponto já não era espetador, mas sim uma única entidade com a banda. Todos sabiam as letras (afinal, isto é uma festa da Pointlist) e sentiram um amor único nesta atuação quase holística dos rapazes – tornados adultos – de Rio Tinto.
800 Gondomar
Sábado, 18 de novembro
A quatro minutos da SHE, decorreu mais um dia de festival no salão da SOIR-JAA (Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António Aguiar). Pelas 17h, a tempo da primeira atuação, o salão já se encontrava cheio, assim como a sua entrada na rua. Para além dos concertos, durante a tarde Cristina Viana fez tatuagens aos espetadores do Black Bass – nenhuma novidade para quem já foi a eventos da Pointlist. No que toca a restauração, houve catering vegan FUNCHO, vindos do Norte para nos alimentar com comida de festival repensada de forma deliciosa.
Nascidos recentemente na cidade invicta, Os Overdoses abriram o palco da SOIR-JAA com riffs de rock old school hipnotizantes. Sem baixo, juntaram duas guitarras melódicas ao sintetizador, em crescendos que aqueceram o público para a noite que se aproximava. Infelizmente, depararam-se com problemas técnicos que impediram o uso da caixa de ritmos, mas em verdadeiro espírito Black Bass, o músico Ricardo Ramos de The Dirty Coal Train, presente como espetador, sentou-se à bateria para ajudar, assegurando a realização do concerto.
Viajando para uma estética e sonoridade punk, subiram ao palco os espanhóis Enamorados. Fizeram o chão do salão tremer com músicas fáceis e energéticas, tocadas com perícia. A ouvir os riffs viciantes do grupo, encontravam-se no público os músicos que tocaram uns minutos antes, assim como no dia anterior e os que ainda iriam tocar, reforçando a sensação de comunidade.
Enamorados
Após pausa para jantar, regressamos para ouvir um pouco da tradição do stoner rock nortenho, representado pelos Travo. A banda bracarense tocava no sítio certo, um festival que nas suas primeiras edições se chamara “Évora Psych Fest”. As guitarras transbordavam a herança de um rock psicadélico, com a utilização de pedais wah e linhas de baixo hipnóticas. Entre compassos compostos e mais riffs orelhudos, recomeçaram o motor do festival.
Como sempre, os Unsafe Space Garden agradaram quem já os conhecia e surpreenderam, da melhor forma possível, quem os viu pela primeira vez. Perguntaram “where the hell is the ground?” enquanto desafiavam as expectativas do público eborense com melodias siderais em sintetizadores e guitarras, gritos e outros elementos inesperados. Juntaram a esta desorganização minuciosa os seus habituais cartazes afetivos, a combinar com as suas atitudes que têm vindo a conquistar cada vez mais apreciadores. Teatrais, mas não performativos, investiram a sua atenção em roupa e adereços que contribuem para estética divertida que envolve os seus concertos.
Unsafe Space Garden
Com uma teatralidade contrastante e mais Rocky Horror, os americanos Lord Friday the 13th (na fotografia de capa) tomaram o palco, e fizeram do salão da SOIR JAA a sua casa. Os americanos liderados pelos jovens irmãos Felix (voz) e Sloan (guitarra) apresentaram as suas canções curtas e energéticas, situadas algures no espetro de glam e queer punk. Sorridentes por estarem em Portugal pela primeira vez (na sua primeira tour europeia, graças à promotora Ya Ya Yeah), foram um dos destaques desta edição do Black Bass. Deram um concerto inegavelmente divertido e surpreendente – quem vai a Évora à espera de descobrir um grupo queer punk do Texas?
De regresso ao mundo do indie português, seguiram-se os Cave Story. O grupo das Caldas de Rainha, que já integra o circuito do rock nacional há alguns anos, tocou principalmente músicas do seu mais recente álbum Wide Wall, Tree Tall (2023), mas deixou espaço para clássicos dos discos anteriores. Deslumbraram um público atento com o seu indie rock non-chalant, já maturado. Infelizmente, o set acabou por ser um pouco curto, com atrasos acumulados entre as atuações anteriores.
Sem desperdiçarem mais tempo, os Hetta prepararam-se para tocar. Apesar de serem quase 2 da manhã, a sala estava cheia. A banda de hardcore do Montijo tem sido tema de conversa, e o entusiasmo nos seus concertos demonstra-o. Bastaram algumas das suas músicas curtas para deixar o público ao rubro, com um ciclo de invasões de palco sucessivas resultantes em crowdsurfing para um mosh pit incansável. Foi mais um concerto inesquecível que ficará para a história do Black Bass.
Hetta
Já perto do fim da noite, restavam apenas os concertos de dois trios da Pointlist: da velha-guarda, os Sunflowers, e da nova, os MДQUIИД.. Logo no início do seu set, Sunflowers tocaram o clássico “Zombie”, prometendo um excelente concerto. Ajudaram a lutar contra o cansaço, dando-nos um pouco de vários dos seus discos intercalados por interlúdios com uma voz de computador humorística, enquadrados na temática do seu mais recente A Strange Feeling of Existential Angst (2023), um disco de baterias mecânicas, teclados melódicos e baixos centrais. Poderá ter sido apenas uma miragem, mas a certo ponto do concerto foi avistado um homem a dançar em cima do balcão do bar, no fundo do salão.
Tudo pode acontecer no Black Bass, e tudo aconteceu quando MДQUIИД. encheu mais uma vez o salão da SOIR-JAA com o seu calor e energia, da mesma forma que o fizeram na edição anterior do festival. Foram a cereja-kraut no topo do bolo de rock. Deixaram o público eborense a dançar os seus ritmos mecânicos fascinantes, e levaram mais uma vez a invasões de palco. Para crowdsurfing? Não. Apenas para dançar, numa noite que parece não ter fim à vista.
MДQUIИД
Mas tudo tem um fim. Ficamos com as memórias dos dois dias de Black Bass, onde a Pointlist nos acolheu em Évora para nos fazer sentir em casa. Ofereceu alguns dos melhores atos que temos visto ao vivo ao longo deste ano, assim como outras surpresas, nacionais e internacionais, que não desiludiram. Marcaram mais uma vez o seu lugar no panorama independente português e ibérico, e deixaram-nos a sonhar com o que poderão trazer em 2024, ano do seu 10º aniversário. Para o ano há mais festa.
Texto: Afonso Mateus
Fotografia: Gonçalo Nogueira