Sierra Ferrell
Trail of Flowers

| Abril 8, 2024 11:39 pm

No dia 22 de março de 2024 foi lançado o tão esperado novo álbum de Sierra Ferrell, Trail of Flowers, que nos leva numa viagem musical até às raízes e influências musicais da cantora. A escolha do título revela o conteúdo do álbum e também os próprios hábitos da compositora, que afirma que as flores são um indicador da sua presença num lugar: quando coloca flores no cabelo, estas caem e deixam um rasto atrás de si.

A própria música que Sierra cria é precisamente o rasto de flores que ela deixa para que o mundo se lembre dela quando já cá não estiver. Aliás, esta preocupação existencial parece estar sempre presente nos seus trabalhos, especialmente no tema que lançou a sua carreira musical, “In Dreams:

“But that river will flow onEven after we’re all long goneThat river will flow onTake me with you now before I’m one”

As origens

Sierra Ferrell cresceu em Charleston, West Virginia, numa família pobre e composta pelos seus irmãos e pela sua mãe solteira. Afirmou em várias entrevistas que estas circunstâncias fizeram com que tivesse de crescer depressa, tendo sido a música e a própria natureza os principais mecanismos para suportar a adversidade. Apesar de tocar vários instrumentos, como guitarra e clarinete, sempre considerou a sua voz o seu principal instrumento, pois, como a própria afirma, “se houver um apocalipse e todos os instrumentos forem destruídos, a  minha voz estará sempre à minha disposição”. De facto, o timbre da sua voz, combinado com as escolhas de instrumentos originais e típicos de estilos musicais como o Jazz, o Ragtime, o Country e o Bluegrass, é o que torna a sua música autêntica e diferenciada. Com apenas 35 anos, é como se a música e a voz de Sierra nos transportassem para uma vida passada, mais tradicional e evocativa de um estilo de vida mais simples.

É exatamente isso que Trail of Flowers tenta transmitir. No seu primeiro álbum, Long Time Coming, Ferrell tentou retratar uma típica experiência americana, capturando sentimentos de perda, amor, e resiliência, que acabam por transcender fronteiras de países e gerações. O seu segundo álbum também contém estes elementos, mas, desta vez, é mais evidente o tema da viagem musical até às raízes do bluegrass e ao estilo de vida dos primeiros colonos americanos. Como diz Sierra Ferrell, “o objetivo foi criar algo que fizesse com que as pessoas sentissem uma nostalgia do passado, mas também entusiasmo com o futuro da música”.

 

O Passado e o Presente em Trail of Flowers

Há, de facto, elementos de passado e presente em Trail of Flowers: logo a música de abertura, “American Dreaming”, evoca a vida do músico moderno, que tem, muitas vezes, de participar em longas tours, sacrificando o seu tempo e conforto psicológico para ganhar dinheiro. Embora defensora da simplicidade e da contemplação da natureza, até Sierra Ferrell é obrigada a trabalhar para o capitalismo e a fazer quilómetros na estrada, andando de motel em motel. “American Dreaming” é, então, sobre a falta de descanso e sobre o desconforto decorrente de estar sempre fora, longe de casa e dos seus amigos:

“I’m losin’ touch with all my friends
The ones who remind me who I am
If I could just get back home to pick up where we left off
I’d take better care of myself
I’d stop drinkin’ from the bottom shelf
But my old wheels keep spinnin’ and I cannot make them stop”

A segunda música, a épica “Fox Hunt”, conhecida pelos evocativos solos de violino, também reúne em si elementos de passado e presente: o passado está retratado no ato de caçar como garante da sobrevivência, e o presente na incredulidade perante o facto de tudo estar disponível em qualquer altura num supermercado. “Fox Hunt” é, portanto, uma ode à simplicidade perdida, já que a disponibilidade excessiva das coisas nos leva a perder contacto com o ritmo da natureza. Inclusive, este comentário vem em linha com as declarações que Sierra Ferrell deu à revista Rolling Stone, quando questionada acerca da sua necessidade de desconexão: Trail of Flowers é, na verdade, um mecanismo criado para que os ouvintes desliguem do mundo real, pois, atualmente, temos acesso a demasiada informação e estamos em contacto com demasiadas pessoas ao mesmo tempo, o que tem efeitos negativos na saúde mental. Uma outra canção que discute estes aspetos é “Rosemary, que contém uma história sobre um homicídio, sendo marcada pelos acordes menores e pelas variações de tempo na guitarra. Estes elementos musicais, que indicam a turbulência dos tempos modernos, vêm também mostrar que nada dura para sempre num mundo cruel como o nosso. Sierra Ferrell afirma que essa canção a leva para os seus primeiros tempos na música, isto é, para os tempos em que se quis desligar da vida que tinha inicialmente: efetivamente, deixou a sua mãe e a sua casa em Charleston para trás para se fazer às viagens de comboio e às roadtrips, em busca de uma nova identidade e novas influências. A própria afirma que, nesse tempo, toda a música que ouvia nas ruas tinha sempre um tom menor.

Quando ouvimos Sierra Ferrell, ficamos com a ideia de que também podemos ser nós quem cria as nossas próprias raízes. Isto é, não precisamos de nos limitar apenas às raízes que herdamos de nascença. Apesar de ter nascido em Charleston, as raízes musicais de Sierra Ferrell também remontam ao tempo que passou em Nova Orleães, de onde recebeu as suas influências Blues. Assim, em Trail of Flowers, na música “Chittlin’ Cookin’ Time In Cheatham County”, observamos uma balada inspirada numa canção de 1930 composta por Fiddlin’ Arthur Smith, com as harmónicas e os violinos a ocupar um papel de destaque. Nesta canção, reflete-se acerca das injustiças do tempo da escravatura, onde os escravos tinham de aprender a cozinhar as partes menos nobres da carne, que eram deixadas para o fim e lhes eram sempre destinadas. É, portanto, uma canção que procura lembrar este passado sombrio, na esperança de que não se volte a repetir.

 

A Música como Remédio

Apesar de, até agora, os temas das canções de Ferrell poderem parecer pesados e tristes, em Trail of Flowers também existem momentos alegres, de perdão, e até mesmo de humor. A canção “I Could Drive You Crazy” é a mais alegre do álbum: faz-nos querer cantar ao mesmo tempo e reconforta-nos, pois, apesar de podermos não ser bons em muita coisa, seremos sempre capazes de levar alguém à loucura.

Neste álbum, há duas canções de amor que se destacam das demais: “Dollar Bill Bar” e “Wish You Well”. “Dollar Bill Bar” é sobre uma mulher que vai a um bar com um homem em quem está interessada, usando formas indiretas e poéticas para o avisar de que está cansada de falsas promessas:

“We were spinning ‘round so silly drunk
Green was just like rippling leaves
In a forest full of promises
Hundred thousand broken-down dreams

Guys like you are a dime a dozen
You should count your lucky stars
Honey, if I had a dollar for every single sailor’s heart
I could break a hundred down at the Dollar Bill Bar

So don’t look too close at the dollar bills down at the Dollar Bill Bar
You may see my name is written there
Then you know I’ve been here before
You may think that you are special, think that you got what it takes
But I’m standing here to tell you, that was your very first mistake”

Além da canção de amor “Dollar Bill Bar”, temos “Wish You Well”. Apesar de não ser exatamente alegre, “Wish You Well” demonstra uma vez mais a resiliência característica das canções de Sierra Ferrell: embora nada a pudesse preparar para a tristeza que lhe foi infligida e apesar de nunca ouvir aquilo que deseja, não quer o mal de quem a magoou.

Assim, os temas de Sierra Ferrell destacam-se das demais canções de amor, em que muitas vezes são expressos desejos de vingança e amargura em relação à pessoa que ofende. Em vez disso, Trail of Flowers é sobre curar-se, sobre aprender a livrar-se do que a impede de progredir e sobre esquecer e perdoar os amantes que não servem. É como se fosse um remédio que Sierra usa para si e para os outros.

O álbum está disponível no Spotify e nas plataformas de streaming habituais.

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