Galgo + Claiana na Socorro: a música que se dança pode ser uma arma de mudança
Galgo + Claiana na Socorro: a música que se dança pode ser uma arma de mudança
Galgo + Claiana na Socorro: a música que se dança pode ser uma arma de mudança
Mais uma matiné da Saliva Diva na Socorro, um ano depois de tudo ter começado (sim, a primeira foi já em junho do ano passado, como o tempo voa) e desta vez novamente a uma segunda, depois de na semana anterior Sophia Chablau e os Marquise terem “invadido” a cave da loja para uma bela tarde de quarta-feira. Galgo
No menu para este aquecimento de pré-verão encontravam-se os Galgo e Claiana, e foi precisamente com o último que a festa se iniciou – e que festa estupenda foi esta, vibrante celebração de ritmos cabo-verdianos que fez o povo dançar em clima de euforia suada. Aqui em formato trio, com Luís Dixie Masquete no baixo e Francisca Sousa nas programações, Claiana espalhou a riqueza rítmica do seu país de uma forma tão pulsante e evocativa que parecia mesmo que tínhamos sido subitamente transportados para um baile cabo-verdiano, numa homenagem extraordinariamente palpável que carregava, com paixão e orgulho, os sabores de uma terra musicalmente vital.
Mas ainda mais revigorante do que este festão soalheiro foi testemunhar a reação de uma audiência – bem variada, por sinal, pois era possível identificar pessoas habitualmente ligadas a outros universos musicais – completamente contagiada, que dançava e cantava num dos mais comoventes climas de união que a música neste espaço já ofereceu. Não havia ódio, não havia discriminação, apenas se respirava paz e amor numa utopia irresistivelmente ritmada. Enfim, dizer que isso foi especial seria um eufemismo, pois mais do que um concerto, o que aqui tivemos foi um apelo sonoro à harmonia entre povos, num manifesto que soou incisivo sem alguma vez precisar de palavras. E no mesmo dia em que se recordou o horrendo ataque fatal sofrido por Alcindo Monteiro, nascido em Cabo Verde, às mãos de um grupo de extrema-direita 29 anos antes, esta celebração urge ser vista não só como um momento de diversão, mas como um aviso urgente: a utopia que dentro desta sala se viveu tem de ser a realidade do mundo exterior, e todos devemos lutar para que o preconceito extremado não derrame mais sangue. Idealista? Não tem de ser.
E depois de uma breve pausa para apanhar ar e pôr a conversa em dia, subiram ao palco os Galgo (na fotografia de capa), banda lisboeta que este ano editou pela Saliva Diva a novidade Denso. Aqui o registo já entrou para o campo do rock de tons eletrónicos, mas revelou-se igualmente enérgico e pujante – aliás, a música como fonte de catarse dançável acabou por ser a temática da matiné, o que resultou particularmente bem num dia quente como este. E se até podíamos afirmar que o primeiro concerto encaixava melhor no final, a verdade é que com os Galgo a energia em nenhum momento se dissipou. Navegando por um indie dance abraçado ao math rock, em certos momentos quase a fazer pensar nuns Memória de Peixe mais ritmicamente imprevisíveis a serem reinterpretados pelos The Stone Roses, proporcionaram uma jarda tão vigorosa quanto atmosférica, rockalhada que também convida a um pezinho de dança com a mesma força com que sugere um headbanging.
Apresentam músicas que por vezes parecem jams estruturadas mas onde a espontaneidade se mantém preservada, como se cada execução fosse um processo renovado de autodescoberta, uma escultura sonora construída por uma banda rock a sonhar com clubbings psicadélicos. Num concerto bem sólido e seguro, onde se sentia um ambiente cativante no ar, terminaram em modo de selvageria apoteótica a piscar o olho ao noise, no que escolhemos descrever como o clímax de uma viagem musicalmente densa (como já verbaliza o mais recente disco, no fundo) mas super refrescante. Claramente em forma, os Galgo afirmaram-se aqui como uma das mais interessantes e intrigantes bandas do underground atual. Agora é acompanhá-los nesta sua aventura…
Texto: Jorge Alves
Fotografia: Daniel Catarino