Travis
L.A. Times

| Julho 30, 2024 12:39 am

Os Travis são uma banda escocesa, formada em 1991 por um grupo de estudantes de Glasgow. São conhecidos pelo rock introspetivo, melancólico e romântico e, ainda, pelo britpop dos anos 90. Os Travis são um grupo formado por Fran Healy (vocalista e segunda guitarra), Andy Dunlop (primeira guitarra, piano, banjo, backing vocals), Dougie Payne (baixo) e por Neil Primrose (bateria e percussão). Desde 1996, ano de estreia do seu primeiro álbum (All I Want To Do Is Rock), que a formação da banda se mantém inquebrável. Vinte e oito anos depois do lançamento de All I Want to Do Is Rock, Fran Healy reconhece que o seu novo álbum, L.A. Times, é o trabalho mais pessoal desde o lançamento do álbum de 1999, The Man Who. Em The Man Who, são inesquecíveis temas como “Writing To Reach You“, “Driftwood” e o hit “Why Does It Always Rain On Me?“, que fala sobre a culpa e sobre a impossibilidade de encontrar paz, mesmo que à nossa volta pareça estar tudo bem:

“Why does it always rain on me?Is it because I lied when I was seventeen?Why does it always rain on me?Even when the sun is shinning I can’t avoid the lightning”

L.A. Times destaca-se uma vez mais pela voz e presença de Fran Healy que, apesar de viver em Venice, Los Angeles, de ter o cabelo pintado de cor-de-laranja fluorescente, brincos e roupas pretas, não se considera de maneira nenhuma uma rockstar. Em entrevista ao Los Angeles Times, admite rejeitar esse rótulo, por acreditar “que só os narcisistas se vêm dessa maneira e que apenas escreve música para se expressar”. Isto é evidente nas suas letras e nos instrumentais da banda, em que a honestidade e autenticidade sempre prevalecem.

Fran Healy, com 51 anos completados no passado dia 23 de julho, manifesta a sua natureza introvertida e humilde em tudo o que faz: por exemplo, a capa de L.A. Times sugere que os Travis, apesar de serem uma banda inesperadamente bem sucedida, não deixam de ser seres humanos frágeis, pequenos em comparação com a enorme cidade de Los Angeles. De facto, são as fragilidades e momentos desafiantes na vida de Fran Healy aquilo que dá forma à música dos Travis – as canções do novo álbum são marcadas pela perda de um amigo próximo, Ringam Ledwidge (a quem L.A. Times é dedicado), pelo fim do casamento de 23 anos com Nora Kryst e, ainda, pela mudança da banda da Escócia para os Estados Unidos. Precisamente, o tema da mudança está presente no álbum logo desde o início. A primeira canção, “Bus“, é, tal como o videoclip sugere, sobre tentar escapar para lugares e dias melhores e sobre a forma como o ideal nos é vendido através da publicidade. Fran Healy contempla o oceano através de um placard no meio do deserto, pensando que, dados os eventos da sua vida, também ele gostava de velejar para o desconhecido e desaparecer. Pensar em desaparecer fá-lo contemplar a morte e a passagem do tempo, sempre demasiado rápida, questionando-se sobre para onde vamos depois da morte (e sobre o porquê de termos sequer de ir embora):

“I wanna know what everybody wants to knowOh, won’t you tell me what everybody wants to know?

I thought it was just usWaiting on this busWaiting on a gust of wind to blow us awayAway to better days, away to better days

(…)

Staring at the future from a window on my mind’s eyeTime moving faster than a bullet to the blue skyMonday, Tuesday, suddenly it’s Sunday

I wanna know where everybody’s gonna goOh, won’t you tell me where everybody’s got to go?”

Enquanto “Bus” define o tema principal do álbum e se debate com questões existenciais, a segunda canção, “Raze the Bar” é sobre a última noite de dois amigos num bar, refletindo sobre os momentos felizes de uma vida breve. Fala sobre as rotinas familiares (“It’s just another night on a one way street“), mas também sobre os caminhos diferentes e únicos que todos os amigos acabam por seguir.  Sobretudo, é uma canção sobre aceitação, fazendo-nos acreditar que, por muito grandes que sejam as mudanças externas, é impossível mudar a essência de quem somos. Além disso, mesmo que, por força da vida, nos tenhamos de despedir e seguir o nosso caminho, é sempre possível celebrar com esperança os momentos em conjunto:

“We are, we are who we are, who we areThey couldn’t change us even if they triedWe are, we are who we are, who we arePour me one more before we raze the bar

So here’s to a new dayTo hell with the pastHere’s to the futureAs long as it lastsRaise your glassRaise your glass

It’s cold outsideAnd the wind blows throughEverybody’s gone except for me and youI love you JackI love you tooIt’s been a long night, guess it’s time we flew

Uma canção que contrasta em termos instrumentais e temáticos com os ritmos alegres de “Bus” e de “Raze the Bar” é “Live It All Again”. Desta vez, o tema principal da música não é a morte nem a celebração de momentos com amigos, mas sim o final do casamento com Nora Kryst. A tristeza que sente é ilustrada pela guitarra acústica e pelos ritmos lentos, mas, uma vez mais, a letra transmite esperança, aceitação e nenhum tipo de arrependimento. Isto é, mesmo após o final de uma relação, é possível continuar a amar (“But we’ll live/ And we’ll die/ And we won’t know why/ In spite of all the pleasure/ In spite of all the pain/ If I could turn the clock back / I would live it all again“). A canção que talvez mais fique no ouvido devido às melodias no piano é “Gaslight“, a primeira música escrita após o álbum de 2020, 10 Songs. “Gaslight” é a palavra mais procurada na internet no mundo, consistindo numa manipulação psicológica em que os factos são distorcidos para que a pessoa manipulada acredite que a sua perceção da realidade está errada e que o problema é seu. “Gaslight” foi escrita precisamente para retratar o nosso tempo, em que nossa perceção da realidade é constantemente manipulada por chefes, professores, líderes, amigos e políticos. Segundo Fran Healy, “o gaslight é uma forma de controlo, que visa quebrar a confiança em nós mesmos, que nos faz questionar a realidade e sentir que estamos a enlouquecer”. “Gaslight” é sobre uma vítima de manipulação, sobre a perda da sua sanidade mental e do medo de voltar a ser controlado –  “Oh, I’ll be doing fine until you shine/ Gaslight /Always on my mind / until you shine/ Gaslight“.

Uma das canções mais emotivas de L.A. Times é “Alive”, escrita especialmente para Ringam Ledwidge, uma vítima de cancro. Em vez de ser uma canção triste ou amargurada, é mais uma celebração da vida, que nos ensina a não tomar nada como garantido e agradecer o que temos. É uma forma de vencer a dor da perda, agradecendo a vida do amigo em vez de lamentar a sua morte: “We are alive/
And thank God there was an angel, not a devil by your side”. “Alive” mostra-nos, também, que, perante a morte de alguém próximo, todas as preocupações da vida se tornam supérfluas. Além disso, o arrependimento por ações passadas é inútil e, sobretudo, uma perda de tempo.

Travis

Na segunda parte do álbum, canções como “Naked In New York City”, “The River” e “L.A. Times” demonstram, uma vez mais, o tema da viagem, da mudança de cenário, de Glasgow para os EUA. Em “Naked in New York City”, Fran Healy demonstra que, mesmo que seja uma cidade imponente e o faça sofrer sozinho e em silêncio, Nova Iorque agora faz parte de si. É mais uma parte de si para aceitar. Em “The River”, expressa a necessidade de viajar, mudar, fazer o que gostamos afastando o sofrimento (como a fome, a sede, a falta de sono, a tristeza), ao mesmo tempo que evidencia a importância de seguir os nossos sonhos sem medo de falhar – “How will we learn from our mistakes if we never let them show?“. “The River”, neste sentido, funciona quase como uma oração, sendo o rio uma metáfora para o caminho que seguem as nossas vidas. O álbum fecha com a canção sua homónima, composta por instrumental e spoken word. Sendo L.A. Times um álbum com tantas mensagens de esperança, é curioso que termine com uma canção que cruza as fronteiras do hip hop e que retrata o lado negro de Los Angeles, sem qualquer tipo de atenuação: descreve o sofrimento provocado pela pobreza, pela hipocrisia dos milionários e pela sua negação perante as alterações climáticas e o aquecimento global, e, ainda, pela cultura americana, que entorpece os sentidos e leva a crer que está tudo bem.

No seu todo, o álbum é um gesto terapêutico para suportar a vida e a sua complexidade. É um gesto de aceitação em relação ao turbilhão da vida e às pessoas que nos deixam. É como se as notas de otimismo das canções fossem uma cura para suportar, também, a vida numa cidade que está longe de corresponder às expectativas. Para destacar ainda mais as ideias acima descritas, L.A. Times conta também com versões stripped das canções, isto é, versões em que o instrumental é mais simples para colocar a voz em evidência. É, sem dúvida, mais um álbum que ressuscita o talento dos Travis e que nos faz pensar que, apesar de tudo por que passou Fran Healy, o tempo não é real.

Fotografia: Christina House

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