Manu Chao
Viva Tu

| Outubro 9, 2024 11:38 pm

Dezassete anos após o lançamento do seu último álbum, La Radiolina, Manu Chao surpreendeu o público com um novo álbum inesperado,  Viva Tu, que, poucos dias após o seu lançamento a 20 de setembro, já tinha esgotado o stock em algumas lojas da cidade do Porto. Tal prova que, mesmo após tanto tempo de ausência, o público de qualquer parte do mundo está sempre atento à sua atividade, mesmo sendo ele difícil de encontrar. Manu Chao não costuma ser um nome visível nos cartazes dos festivais de verão, já que opta sempre por pequenos eventos, como foi o caso do festival AgitÁgueda, a 16 de julho. O músico é também conhecido por exigir preços justos para os bilhetes, comida e bebida nos festivais, recusando-se a tocar caso isso signifique compactuar com o capitalismo ou caso não concorde com as causas defendidas pelos festivais.

Manu Chao sempre foi conhecido por ser um músico ativista, cantando sobre direitos humanos, igualdade, diversidade e fraternidade entre os povos. A fraternidade entre os povos é, mais uma vez, um tema muito presente neste novo disco, visível logo na primeira canção do álbum. Viva Tu abre com “Vecinos En El Mar“, onde se faz referência a todos e quaisquer refugiados que fogem dos seus países de origem por causa da guerra, da fome e do frio. Retrata, ao som de uma guitarra nostálgica, os pensamentos dos refugiados, que vêm o mar imenso como o caminho para restaurar a liberdade perdida, ao mesmo tempo que sonham com o dia em que retornarão ao lugar onde nasceram. Esta canção é, mais uma vez, um manifesto contra todas as guerras.Em álbuns anteriores, como Clandestino (1998), as canções de Manu Chao transportam-nos para vários lugares, como, por exemplo, França, Cuba, Nicaraguá, e México. Para demonstrar a diversidade linguística dos vários povos, Manu Chao opta sempre por criar faixas em várias línguas, sendo as principais o espanhol, o francês, o inglês, e, em alguns casos, o italiano e o português. Em Viva Tu, as músicas continuam a trazer-nos para a realidade dos países da América Latina, mas, desta vez, incluindo novos países, como o Brasil – tal como se vê em “São Paulo Motoboy“, cantada em português. “São Paulo Motoboy” é um exemplo muito característico do olhar atento de Manu Chao, que procura retratar a dificuldades dos que conduzem motas para entregar bens a casa das pessoas, a quem basta carregar no botão de uma aplicação para ter o que precisam. O “Motoboy” deve enfrentar a chuva, o asfalto molhado, o trânsito e o calor infernais, o joelho que dói depois de cair da mota, e, sobretudo, deve apressar-se para entregar as coisas. No fim, ainda se espera que saia disparado e “fuja no ar”, “carregando injustiça nas costas”. No fundo, é esperado que esta pessoa passe por todas as dificuldades possíveis na estrada e fora dela, mas que desapareça depressa da vida do cliente. O seu sofrimento facilmente se torna, então, mais uma história por contar. Este tema é mais um retrato dos tempos modernos, que procuram desumanizar as pessoas, criar distâncias, reduzir a empatia e promover o individualismo.

O retrato da vida de um Motoboy em São Paulo está intimamente relacionado com a canção “River Why“, em que se afirma que aquilo que vivemos atualmente não é o progresso nem o sucesso em que todos somos forçados a acreditar, mas sim um suicídio coletivo. Acompanhado por uma guitarra melódica tão característica dos seus temas, Manu Chao questiona-se:

“Is there a bridge over the river, why?
Is there some hope under the river dry?
I’m gonna do it for another try
Is there a bridge over the river, why?”

Haverá esperança nos dias de hoje? Será possível conciliar realidades diferentes, erguendo pontes em vez de muros? Apesar de nada ser claro, Manu Chao continua a procurar o seu rio, isto é, o seu caminho na vida, não se deixando assustar pela escuridão da realidade:

“I’m looking for
My river wise
I’m looking for
And through your eyes”

Apesar de todas as injustiças dos dias de hoje, há, como sempre, lugar para a alegria e para a esperança no trabalho de Manu Chao. Por exemplo, a música que dá o nome a este disco, “Viva Tu“, fala precisamente sobre reconhecer a alegria que as pessoas que o rodeiam lhe trazem. Além disso, até se pode ir mais longe e dizer que este disco é sobre toda a gente, sem exceção, imortalizando os vizinhos de baixo e de cima, a senhora que vende bilhetes no metro de uma cidade e, ainda, todos os ouvintes. Portanto, é seguro dizer que os temas de Manu Chao vivem da presença de gente, só fazendo sentido se houver alguém que ouça, cante e dance.

Manu Chao

© Moises Saman / Magnum Photo

Embora os ritmos latinos dos álbuns de Manu Chao convidem à dança, um dos temas que mais incita à balada é “Tu te vas“, uma vez que é mais lento e mais sentimental, combinando o francês e o espanhol para falar de perda e do final de uma relação. É um tema que vive muito de metáforas, falando sobre a distância necessária para a cura, sobre ver por todo o lado o sorriso da pessoa de quem se separou, e, acima de todo, sobre o facto de viver sem ela ser o mesmo que “viver morrendo”. Imediatamente a seguir a “Tu te vas”, vem “Coração no Mar“, em que a frase “Eu vou levar, eu vou levar e jogar meu coração no mar” simboliza o desprendimento que o músico sente em relação à própria vida e também o sofrimento que uma sensibilidade apurada pode trazer.

Em suma, Viva Tu é um álbum que nos ensina a fazer do sofrimento e da injustiça uma dança, tal como fazem os povos latino-americanos com géneros como o samba, a salsa, o reggaeton, o merengue, a bossa nova e, ainda, o vallenato vorta venas. Marcante como toda a música de Manu Chao, este álbum leva-nos a redescobrir um universo próprio do qual já tínhamos saudades, reconfortando-nos com as suas histórias de justiça, direitos humanos e, claro, alegria e esperança.

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