Desperate Journalist
No Hero

| Dezembro 16, 2024 8:21 pm

No dia 27 de setembro de 2024, foi lançado No Hero, o quinto álbum de estúdio da banda post-punk inglesa Desperate Journalist. A banda foi formada no norte de Londres em 2012, por iniciativa do baixista Simon Drowner e do guitarrista Rob Hardy, sendo também integrantes a vocalista Jo Bevan e a baterista Caroline Helbert (também conhecida por “Caz”). Até à data, Caroline Helbert nunca antes tocara bateria, tendo aprendido sozinha o instrumento à medida que a banda foi criando o seu repertório.

Os membros de Desperate Journalist uniram-se pela vontade de experimentar novas sonoridades e instrumentos e pelo fascínio que sentiam pela banda de culto The Cure. Inclusive, o nome do grupo advém de uma referência a uma atuação rara do tema “Grinding Halt”, na John Peel Session de 16 de maio de 1979. Em resposta a uma crítica negativa do jornalista musical Paul Morley a Three Imaginary Boys, o seu álbum de estreia, os The Cure deram o nome de Desperate Journalist in Ongoing Meaningful Review Situation à sua performance na rádio. Portanto, de uma crítica negativa surgiu uma performance única e, da performance, surgiu a inspiração para o ínicio de uma nova banda.

Desperate Journalist

De facto, em No Hero são evidentes as influências musicais dos The Cure e dos anos 80, principalmente devido à presença do sintetizador – segundo Jo Bevan, o processo criativo por detrás do novo álbum focou-se essencialmente num novo sintetizador comprado por Rob Hardy, tendo o grupo passado grande parte do seu tempo a tentar aprender como extrair dele o melhor som possível. Além disso, as influências dos The Cure também se notam ao nível das letras e ideias que as melodias pretendem transmitir – nomeadamente, a tristeza, a solidão e a insegurança. Apesar das letras transmitirem sentimentos negativos, as melodias muitas vezes contrastam com o tom reflexivo das letras, criando um intermédio entre luz e sombra. O resultado é uma mistura de pop com “algo estranho e diferente”, como diz a vocalista.

O álbum abre com a canção “Adah” e com a frase Evil all its sin is still alive. Apesar de estarmos perante uma reflexão sombria, esta não nos deixa ficar parados, obrigando-nos, pelo contrário, a dançar e a focar a nossa concentração nas melodias poderosas da voz de Jo Bevan. Em segundo lugar, a canção que dá nome ao álbum, “No Hero”, continua com os ritmos alegres e rápidos e as melodias na guitarra inesquecíveis, ilustrando a força das emoções relacionadas com a morte. “No Hero” diz-nos que o céu nada sabe sobre o peso do caixão dos mortos, que o passado pode ser facilmente queimado e esquecido, porque, no fundo, os heróis não existem – pouco sobra dos seres humanos a não ser uma ideia superficial daquilo que alguma vez foram:

“On a sky which knows nothing
Of the weight of your coffin
A God who comes knocking
Burnt hair and forgotten

The purpose of burning
A tide for the turning
And the smoke and the glass
Of the dismеmbered past
No hero
No hеro, just a shell”

No terceiro tema do álbum, “Afraid”, o ritmo abranda um pouco em relação a “No Hero”, sendo que a bateria lembra uma pulsação. “Afraid” fala sobre a procura pela solidão (“All these people around me/Better push them away”), sobre a dificuldade em expressar o amor e em encontrar alguém que ame sem qualquer tipo de julgamento. Esta é uma canção romântica que finaliza numa nota muito positiva e, segundo Jo Bevan, elogiosa, por mostrar que a banda não coloca obstáculos à autenticidade: We are not afraid to be ugly, so ugly”.

Uma das canções que mais representa os anos 80 e que mais faz uso dos sintetizadores é “Comfort”, criando um ambiente que faz lembrar uma pista de dança. Enquanto que “Afraid” fala sobre amor, “Comfort” fala sobre um coração partido, sobre o facto de uma pessoa não ser apenas as suas memórias e, sobretudo, sobre o facto de se poder sempre retirar algum (pouco) conforto do pouco que fazemos. Estas ideias continuam a ser trabalhadas e reforçadas em “Silent”, canção que traz consigo um ambiente psicadélico e melancólico, com ênfase nos efeitos de distorção da voz e nos solos de guitarra que retratam a desolação.

À medida que se ouve “No Hero”, caminha-se progressivamente para um ambiente mais angustiante – em “Underwater”, os ritmos sincopados na bateria, a bassline simples e dramática e as melodias circulares dos sintetizadores lembram uma experiência subaquática imersiva. A frase New pathways” é repetida várias vezes, mostrando que os Desperate Journalist tentam sempre superar-se, não havendo barreiras para a experimentação e criação de novos sons. As noções de pathways e da água elemento renovador também são exploradas no tema “7”, que descreve uma viagem espiritual pela cultura nativo-americana. O número 7 faz referência às sete curvas do Shenandoah River, no Estado da Virginia (EUA) e ao tempo que a banda passou neste lugar.  Já no fim do álbum, “Unsympathetic Parts 1 & 2” retoma uma vez mais ideias musicais presentes em “Underwater” e “7”, já que o elemento que mais se destaca no tema continua a ser o baixo. O baixo, aliado à voz, cria uma atmosfera que se assemelha à de um sonho, pondo em destaque o desespero perante uma carreira que não correu como previsto e a angústia provocada pela incapacidade de alcançar a fama. No fundo, a segunda parte do tema demonstra que nada escapa ao esquecimento e que qualquer sonho se pode perder na imensidão do espaço e transformar-se num pesadelo.

“Eyelashes of Melva
A fifth of a bottle just to tell her
‘Cause when you’re on the stage, you really look your age
Cigarette, alka-seltzer
Career to the back of the place
He claws at your dress, your face
‘Cause no matter who you are, you’ll never be a star
They can’t easily replace
Unsympathetic
So I’ve got this dead girl
Neck broken, centre of my world
And when you’re all away
I listen to her say
“What a cage for such a bird”
Unsympathetic”

Em “You Say You’re Lonely” mantém-se a ideia de um ambiente que convida ao sonho devido à sonoridade do sintetizador e aos ritmos do baixo. Apesar dos ritmos serem rápidos e a parte instrumental do refrão querer demonstrar força e resiliência, a voz confere um tom de lamento que serve de contraste, dizendo não haver nada a fazer a não ser aguentar a dor. Este contraste é, portanto, mais uma evidência de que os instrumentais de No Hero escondem mensagens sombrias em instrumentais alegres.

O álbum conclui com “Consolation Prize”, uma reflexão sobre a distância entre o passado e o presente, sobre, como, apesar de tudo, as dores do passado influenciam as dores do presente, sobre o sentido da vida, sobre a idealização da imortalidade e, sobretudo, sobre como estamos sempre à espera de algo que compense todo o mal porque passámos – estamos sempre à espera do nosso prémio de consolação.

No Hero é, portanto, um álbum que tanto reflete sobre o passado como usa sonoridades do passado para enfatizar ou contradizer por completo as suas letras. A experiência de ouvir No Hero torna-se cada vez mais interessante, aumentando gradualmente com a intensidade das reflexões presentes nas letras. É, sobretudo, um álbum onde cada instrumento é indispensável para criar um mundo em que nada é o que parece – será este, afinal, uma redefinição de um álbum pop, ou de um álbum post-punk? Não sabemos. Apenas se pode concluir que é um estilo próprio.

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