
O Salgado Faz Anos… FEST: quando a celebração é uma catarse coletiva (ou como dar tudo até não podermos dar mais)
O Salgado Faz Anos… FEST: quando a celebração é uma catarse coletiva (ou como dar tudo até não podermos dar mais)

O Salgado Faz Anos… FEST: quando a celebração é uma catarse coletiva (ou como dar tudo até não podermos dar mais)
No último sábado (25 de janeiro) realizou-se a 12.ª edição de um dos eventos mais acarinhados e idiossincráticos da cena nacional: o aniversário de Luís Salgado, programador do Maus Hábitos que ano após ano escolhe comemorar a efeméride da forma mais idílica possível – muita música, convívio e animação, proporcionando assim uma noite alucinante que, no fundo, é a festa de todos nós, espécie de celebração comunitária banhada em euforia irreverente.
Num cartaz que reuniu um total de desassete concertos em três palcos diferentes (e ainda um na própria Rua Passos Manuel), o festival vive-se como uma sequência frenética de “episódios” que se unem para formar uma colagem sonora de memórias, pelo que uma descrição demasiado pormenorizada das atuações acaba por não fazer jus ao espírito do evento. Optemos, então, por destacar momentos efémeros de beleza eterna, como a bonita atuação de Mazela, projeto que venceu o Festival Termómetro no ano passado e que nesta noite iniciou a maratona de concertos na sala principal com uma tocante sessão de indie folk ternurento e luminoso. Foi, aliás, sob a luz de um único candeeiro que lentamente abraçámos o charme poético de uma sonoridade tão doce e aconchegante como notoriamente frágil, que parece atingir a luz ao revelar a vulnerabilidade emocional que a fomenta. Contemplativo e profundamente belo, este concerto mostrou que a visão artística de Maria Roque é das mais genuinamente promissoras no atual panorama nacional.
Mazela
Muito bem esteve igualmente Evaya, ainda em fase de promoção ao mais recente Abaixo das Raízes Deste Jardim, e que aqui assinou uma prestação bem conseguida – talvez a melhor que já vimos dela -, alternando de forma coesa entre a “portugalidade“ de uma Ana Lua Caiano e a eletrónica possante mas etérea de Björk, erguendo uma paisagem sonora onde o dançável espalha brisas sedutoras de delicadeza atmosférica. Bastante mais “segura” e confiante que a atuação anterior que tínhamos testemunhado (na Socorro, em maio do ano passado), Evaya conseguiu aquecer-nos gradualmente o coração nesta noite fria.
Pelo meio houve ainda Ilusão Gótica no Vivarium Stockhausen – o palco localizado na zona de exposições que acaba por ser o “refúgio” intimista num fest que, a certa altura, se torna algo caótico com toda a gente que o habita. E foi precisamente neste ambiente mais “sossegado” que o trio formado pelos elementos dos Conferência Inferno se lançou mais uma vez à exploração sem barreiras, motivada apenas pelo sabor de um momento irrepetível. Desta vez, possivelmente influenciados pelo ambiente que os rodeava, optaram por uma onda mais dançável mas conscientemente experimental, com uma forte presença de baixos e guitarras, num registo “cool” e vibrante que ainda assim respirava ares esotéricos. O resultado acabou por ser bastante interessante, mas talvez menos cativante do que outras apresentações que já vimos deles, sobretudo pela ausência das habituais projeções que teriam feito desta sessão uma experiência bem mais rica e envolvente.
Triunfal foi a passagem de MONCHMONCH no seu último concerto em Portugal antes de voltar para São Paulo. O derradeiro capítulo, pelo menos durante algum tempo, de um ano preenchido com atuações explosivas e ferozes que fizeram dele um dos nomes mais excitantes a “assombrar “ qualquer palco nacional. E o melhor é que esta passagem pelo Maus – uma das várias salas que acolheram o seu rasgo de energia indelével ao longo do último ano – voltou a ser sinónimo de libertação punkish celebrada em clima de união reconfortante. Uma atuação onde tanto se insultou Jeff Bezos como se pediu respeito pelo outro enquanto se curtia o som – “sem machucar”, porque “isso não é punk”, afirmou o nosso anfitrião; a verdade é que Monch é mesmo isso, um manifesto de diversão endiabrada mas inclusiva, festa do povo vivida com suor e amor no limiar da selvajaria eufórica. Foi enérgico, foi bonito, e estes momentos de alegria que com ele passamos vão deixar saudades. Regressa em breve, Monch, we love you.
Basicamente ao mesmo tempo, houve uma surpresa na sala principal – a “Ideia de Merda” que aparecia nos flyers – e que acabou por ser uma atuação intimista dos Linda Martini, aqui a interpretar os temas do novíssimo Passa -Montanhas, exatamente uma semana antes de o apresentarem no Hard Club. Porque também é disso que vive o festival e o Maus Hábitos em geral – da possibilidade de ver artistas consagrados a regressar temporariamente às suas raízes “underground”. Daí termos no cartaz nomes como este, ou os X-Wife a tocar na íntegra o mítico Feeding the Machine (lançado curiosamente em janeiro, há 21 anos), mas também uma banda emergente como os Idle Hand a destilar sludge/doom potentíssimo, que até incluiu uma bela cover do clássico “Procreation (of the Wicked)” dos Celtic Frost, ou o concerto de estreia dos OFFTIDES – proposta garage/punk que soou bem prometedora.
OFFTIDES
Montra de novidades e oportunidade de reinvenção para artistas veteranos, tudo isto num ambiente em que se reencontram amigos e se conhecem novas caras. Por muito intensa, e até cansativa para o corpo, que a festa seja, vale sempre a pena no final. Entre conversas, entre as memórias de um concerto especial, há sempre algo que nos agarra e nos faz voltar.
Texto: Jorge Alves
Fotografias: Joana Sousa