
Wave Gotik Treffen 2025. Um, dois, três, lá fomos nós outra vez
Wave Gotik Treffen 2025. Um, dois, três, lá fomos nós outra vez

Wave Gotik Treffen 2025. Um, dois, três, lá fomos nós outra vez
E, pelo terceiro ano consecutivo, a Threshold Magazine marcou presença no maior festival gótico do mundo, o Wave Gotik Treffen (WGT), realizado anualmente em Leipzig, Alemanha, desde 1992. Embora não esperássemos regressar tão cedo a esta fantástica cidade da antiga RDA, o apelo de um fim de semana inteiro dedicado à celebração da cultura gótica, entre milhares de pessoas vindas de propósito dos quatro cantos do mundo, acabou por nos convencer a fazer mais este investimento e, uma vez mais, estar presente. E não nos arrependemos nem por um segundo. Foram cinco dias intensos e memoráveis, que agora partilhamos convosco nas próximas linhas.
Ao contrário dos anos anteriores, desta vez decidimos viajar um dia mais cedo, quinta-feira, portanto. Infelizmente, não existem ligações diretas entre Portugal e Leipzig, o que obriga a um dia inteiro passado dentro de aviões e comboios, saindo cedo e chegando tarde, o que representa um dia perdido. Ainda por cima, a sexta-feira é quando se realiza o piquenique vitoriano, um dos mais emblemáticos eventos do festival, e nós não queríamos perdê-lo por nada. A decisão de ir na véspera acabou por trazer vantagens. Além de mais um dia em Leipzig, o que é sempre boa ideia, permitiu-nos iniciar o festival mais frescos e com mais energia e, mais importante, cumprir um velho desejo: participar na festa de aquecimento para o festival que a Jen Hoffert-Karas organiza anualmente. Para quem não conhece, a Jen é uma gótica norte-americana que há vários anos se apaixonou pelo ambiente subcultural de Leipzig e decidiu mudar-se para aquela cidade e partilhar a vida com o marido alemão Holger Karas, figura pioneira da cena subcultural e gótica alemã. Tem, ainda, a particularidade de ser a organizadora das Gothic Identity Lectures, um dos eventos do programa cultural do WGT. As suas festas de warm up para o festival, que ocorrem em casa do casal num âmbito privado, são célebres, e há muito que acalentávamos o desejo de poder marcar presença. Aconteceu, finalmente, este ano.
A casa do casal anfitrião fica bem perto do centro da cidade, num bairro bem tranquilo, e tem um pátio muito agradável que, neste dia, foi transformado numa espécie de mistura de Biergarten com barbecue americano. Os muitos convivas que marcavam presença trouxeram bebida e comida variada e a mistura de nacionalidades tão diversas como americanos, croatas, franceses, holandeses, alemães e portugueses deu um colorido muito interessante àquela Torre de Babel temporária em que o inglês funcionou como ponte de comunicação. Grande parte dos convivas ali presentes iriam dinamizar as palestras góticas deste ano, mas também havia ali apenas amigos, que se encontram uma vez por ano durante o festival, e alguns “penetras”, vindos a reboque de algum dos convidados, mas que ninguém conhecia propriamente. A parte gastronómica foi composta de um misto de comida processada industrialmente e alguns pratos confecionados de forma caseira. Nós, como bons portugueses, levámos duas garrafas de vinho (que imediatamente foram nacionalizadas pelo anfitrião, remetendo-nos para o vinho francês e espanhol que corria nos copos naquela altura) e uns enchidos bem típicos e representativos da nossa bela gastronomia, acompanhados de um bom queijo português. Não é preciso dizer que, assim que os enchidos portugueses caíram em cima da grelha, o aroma que se espalhou pelo pátio inebriou os presentes e despertou a curiosidade para saber que iguarias eram aquelas que ali estavam a ganhar cor. Um dos franceses, mais expedito que os restantes convidados, reconheceu, de imediato, as potencialidades dos enchidos que crepitavam em cima das brasas e não mais saiu de perto do grelhador. Portugal – 1, Resto do Mundo – 0.
A festa foi, realmente, um momento especial e valeu a pena termos ido de véspera e poder participar neste evento privado. Como bónus, ainda tivemos a possibilidade de visitar a casa dos anfitriões, ambos artistas ligados à fotografia, e apreciar as fantásticas imagens que preenchem as paredes de casa e ouvir da boca do seu autor a história por detrás de cada uma das fotografias, enquanto um dos convivas cosia, indiferente à nossa presença, um botão que tinha saltado do seu colete. Surreal! Entretanto, o cansaço de um dia inteiro de viagem apoderou-se de nós e enviou-nos para o hotel, de forma a recuperar para os quatro dias intensos de festival que viriam aí, e de que a seguir vos daremos conta.
Sexta-feira, dia 6 de junho
A manhã acordou birrenta. O céu pintou-se de chumbo e decidiu esconder o sol, ao contrário da véspera, que se tinha pautado por um belo dia de primavera nórdica. Depois de um bom pequeno-almoço, dirigimo-nos ao AGRA, o antigo parque de exposições industriais e agrícolas do tempo da RDA, e que funciona como o centro nevrálgico do WGT. Fomos levantar as nossas credencias de imprensa, que nos permitiriam aceder aos diversos eventos do festival. Entrámos no Tram, o principal e mais eficiente meio de transporte público durante o festival, e pudemos, desde logo, observar largas centenas de festivaleiros que chegavam naquele momento à cidade carregados de malas e sacos em direção aos seus alojamentos. O WGT convoca anualmente cerca de 25 mil festivaleiros, embora alguém nos tenha dito que no último ano houve uma quebra considerável para cerca de 18 mil participantes, o que justificou que o cartaz musical desta edição tenha descido das habituais 220-230 bandas para cerca de 160. Para dizer a verdade, não nos apercebemos que o ano passado tivesse havido um decréscimo tão significativo em relação ao ano anterior, e a perceção deste ano é que o festival mobilizou muitos milhares de festivaleiros, pelo que a eventual quebra de espetadores terá sido um acontecimento pontual.
Após termos recolhido as nossas credenciais, dirigimo-nos para a entrada do AGRA para apanhar o Tram de regresso ao centro. Quando estávamos a chegar à paragem (faltava apenas atravessar a estrada) um dilúvio bíblico caiu durante 10 minutos, ameaçando estragar o dia. Felizmente, quando a água começou a cair estávamos junto a uma creperia cujo tejadilho nos serviu de abrigo. Menos sorte tiveram outros festivaleiros a quem nem o guarda-chuva valeu. Olhando para o céu, dir-se-ia que aquela chuva cairia durante o resto do dia. A primeira reação foi pensar que o piquenique vitoriano, agendado para essa tarde para o Clara-Zetkin Park, um belíssimo parque na cidade, já era história, pois com tanta água ninguém se atreveria a ir para aquele lamaçal. Mas, afinal, aquele dilúvio foi só uma partidinha do temperamental clima alemão, pois assim que a chuva parou, o sol irrompeu por entre as nuvens e voltou a trazer o dia para junho, resgatando-o do novembro de onde parecia ter estado naqueles dez minutos. Na verdade, o resto do dia foi um belíssimo dia de primavera.
Depois de um belo almoço numa das esplanadas do centro, chegou o momento de pôr pernas ao caminho e ir até ao Clara-Zetkin. Não fizemos a viagem sozinhos, mas sim acompanhando vários grupos de outros festivaleiros que também se dirigiam para um dos eventos que mais gente convoca durante o WGT. O piquenique vitoriano começou há muitos anos de forma informal e rapidamente se transformou em motivo de atração. Atualmente, grande parte daquelas figuras absolutamente extraordinárias que podemos observar no piquenique participam apenas neste evento, olvidando todo o restante programa do WGT. É fácil verificar isso, pois vê-se muito pouca gente com as inconfundíveis pulseiras do festival, que provam que aquela pessoa adquiriu o bilhete e que permitem a entrada nos eventos. Não obstante, o piquenique é um momento extraordinário que mistura góticos com não góticos, subculturais com não subculturais, devotos da cultura alternativa com meros curiosos. O ambiente é, de facto, fantástico e, embora reconhecendo uma enorme carnavelização do evento, que muito desagrada aos mais puristas da subcultura, não deixa de ser mérito das pessoas o muito empenho e investimento financeiro que fazem nalgumas das indumentárias que levam um ano inteiro a preparar para aquela tarde. A discussão entre a autenticidade deste evento ou falta dela é tão antiga quanto o piquenique vitoriano, mas o facto é que ele continua ano após ano a atrair muitas pessoas que nada têm que ver com as culturas alternativas, mas que, naquele dia, entram no espírito e participam também na festa.
Ali bem perto do parque do piquenique, encontramos o Täubchenthal, uma maravilhosa estrutura cultural onde ocorrem normalmente os concertos com bandas mais ligadas à vertente rock e pós-punk do festival. Para essa tarde decidimos assentar ali arraiais e assistir ao concerto de The Sweet Kill, o primeiro que deram na Europa, e que nos brindaram com um espetáculo bem enérgico e que convocou as largas centenas de festivaleiros para junto do palco. Já não ficámos para ver And Also The Trees, outra das bandas que ali iria atuar, pois vamos poder vê-los no Extramuralhas, em Leiria, em agosto. Ainda houve tempo para dar um salto até ao Felsenkeller, outra das salas de espetáculo deste WGT, para voltar a ver Rue Oberkampf numa sala cheia até não poder mais com muitos interessados em ver estes alemães. Excelente concerto, como sempre, à semelhança do que já víramos no Monitor há pouco mais de dois anos.
Rue Oberkampf
A próxima paragem foi na outra ponta da cidade, o absolutamente incomparável Eventpalast, o palácio dos eventos de Leipzig, que disponibiliza duas salas, uma delas provavelmente o mais bonito de todos os espaços para concertos em Leipzig.
O primeiro dia do festival no Eventpalast foi dedicado ao neofolk, embora tenham surgido algumas discussões em relação a algumas das bandas participantes poderem ou não ser integradas neste subgénero da cena. Uma delas prendeu-se com In Gowan Ring, o hippie americano tardio que anda há anos a encantar o mundo com a sua guitarra melancólica e a sua voz fascinante. Infelizmente, já não conseguimos apanhar este concerto, mas a opinião dos presentes, e a longa fila de compradores junto do merchandise da banda, indiciaram que o concerto convenceu. Pelo que nos pareceu, B’eirth (ou B’ee, como também é chamado) continua tão fresco como quando o vimos e ouvimos em Sintra há já quase 25 anos.
Death in Rome era uma das bandas que mais queríamos ver este ano. O projeto é todo ele uma comédia. Começa pelo nome, óbvia paródia à banda Death in June e também a Rome, duas das mais faladas bandas do neofolk. O logotipo é uma imitação descarada do logo de DIJ, substituindo a caveira pelo rosto de Marilyn Monroe e o 6 por um 7. Depois temos a banda, que não quer divulgar quem são os seus membros, razão pela qual tocam de cara tapada. E depois temos as músicas, muitas delas versões de grandes hits pop dos anos 80, 90 e 2000 que são transformados em música com uma toada neofolk. O facto é que a coisa funciona, e a banda, que se apresentou como sendo originária da Antártida (mais uma paródia), conseguiu encher a sala e pôr os muitos presentes a cantar versões de monumentos musicais como “Love Will Tear us Apart” (Joy Division) a par com lamechices de George Michael (“Careless Whispers”) ou Lana del Rey (“Summertime Sadness”), por exemplo. E o mais curioso é que as letras eram bem conhecidas, e não nos parece que fosse pelas versões do grupo, mas sim pelos originais. Gostámos imenso deste concerto. Death in Rome é uma banda genial.
Outro dos projetos que há muito desejávamos ver, mas que falhámos sempre, foram os italianos Ianva. Desta vez não escaparam. E que concertaço deram! Estes genoveses, formados por nove músicos com origens tão diferentes como o gótico, black metal e a música clássica, deram um fabuloso concerto, desfilando várias músicas da sua discografia, com especial enfoque nos álbuns La Mano di Gloria e Disobbedisco!, com a trompete inconfundível do tema “Il Bello Della Sfida”, do álbum La Mano Di Gloria, de 2021, a pôr toda a gente em sentido. A cumplicidade entre estes músicos é grande e a banda funciona como uma máquina muito bem oleada, que deve muita dessa eficácia à forte formação musical que se percebe terem os seus músicos. Muito mais do que neofolk, esta é uma banda que mistura a chanson com o folk, dark cabaret e umas influências militaristas. Uma misturada que sai muito bem. Só foi pena a banca do merchandise não aceitar cartão multibanco, o que nos impediu de adquirir a sua discografia. Teria valido a pena. Fica para a próxima.
A última banda da noite foram os suecos Kite, duo de EBM e synthpop que conseguiram ainda encontrar uma réstia de forças junto dos muitos festivaleiros que estavam no AGRA para abanarem os corpos e levantarem alguma poeira no enorme pavilhão de exposições agora transformado em sala de espetáculos. Foi um concerto parecido com o que deram em agosto passado em Leiria, com a diferença de que aqui tinham mais gente.
Depois de tão extenuante dia, chegou o momento de recolher, pois os 20 km andados a pé e as muitas viagens do dia já tinham feito estragos, e os pés pediam descanso, pelo que as after parties tiveram de esperar por melhores dias.
Sábado, dia 7 de junho
O segundo dia amanheceu bem diferente do anterior. O sol mostrou-se bem-disposto logo de manhãzinha e assim prometia permanecer durante o restante dia, algo que, no entanto, não se viria a confirmar, como a chuva da tarde veio demonstrar. Para este dia tínhamos agendado várias coisas e não foi fácil gerir tão preenchida agenda.
O dia começou com um pequeno-almoço no Lukas, a mais famosa cadeia de pastelarias de Leipzig, onde tivemos a oportunidade de degustar um dos bolos típicos de Leipzig, cujo nome não retivemos, e que conhece uma edição especial para o WGT em forma de caixão. A iguaria é deliciosa e o sentido de humor ajuda a torná-la ainda mais apetitosa. Quem é que inventou a ideia de que os alemães são todos uns insonsos sem humor?
O primeiro evento que decidimos ir ver foi a já famosa corrida gótica, que se realiza sempre no sábado do fim de semana do WGT. Algumas dezenas de góticos, devidamente equipados com roupa e calçado de corrida e umas t-shirts identificativas da Gothic Run (embora de edições de anos anteriores) juntaram-se numa das principais igrejas da cidade e, pelas 10:30, arrancaram para a sua corrida anual que percorre várias ruas de Leipzig. “Mens sane in copore sano”, já diziam os latinos, e os góticos, ao contrário do que se possa pensar, prezam muito pela sua saúde.
O resto da manhã foi passada a deambular pelas ruas da cidade, que neste dia estava cheia como um ovo. Para além dos muitos milhares de festivaleiros e curiosos que vêm de propósito para o festival, este ano houve ainda que contar com as muitas dezenas de milhar de pessoas que estavam na cidade para celebrar a festa anual do burgo, que coincidiu com o fim de semana do WGT. Como se os cerca de 25.000 festivaleiros do Treffen já não bastassem, houve ainda que contar com mais cerca de 300.000 visitantes das festas da cidade (pelo menos foi esse o número avançado). Facilmente se percebe que Leipzig estava repleta de gente, o que foi certamente muito bom para a hotelaria e restauração, mas não tão bom para quem apenas queria andar ali pelas ruas a desfrutar do ambiente do festival gótico. O facto é que em cada praça ou praceta, rua ou esquina, havia um palco onde uma qualquer banda filarmónica ou grupo de jovens aspirantes a cantoras atuavam e tocavam música tradicional saxónica ou versões de coisas tão estranhas como Spice Girls, por exemplo. Pessoalmente, preferimos que a festa da cidade não coincida com o WGT.
O facto de esta festa se realizar nesta altura mobilizou todos os espaços existentes na cidade para instalar palcos e equipamentos para a festa urbana. Talvez isso explique que eventos como o Dark Affair, uma feira de comércio gótico com música ao vivo que se realiza habitualmente a par com o WGT, este ano não se tenha realizado, pois o espaço onde normalmente ela se instala estava ocupado com uma roda gigante para a festa da cidade. Da mesma forma, a impressionante praça chamada de Augustusplatz, uma das maiores e mais importantes da cidade ali bem em frente à Ópera, também foi totalmente dedicada à festa de Leipzig, o que obrigou o já tradicional desfile de carros funerários a ter de mudar a sua partida para outro local. Foi pena, pois gostaríamos de ter visto, uma outra vez, este evento que se vai tornando, de ano para ano, cada vez mais um marco do WGT.
O almoço ainda decorreu na cidade, onde existe maior oferta, pois os espaços dos concertos limitam-se a oferecer as tradicionais salsichas alemãs no pão ou hambúrgueres. Logo a seguir ao repasto no Ratskeller, uma bonita cervejaria no centro da cidade, onde a cerveja e o tradicional joelho de porco no forno são aconselháveis, mas não os espargos brancos, que devem ser evitados a todo o custo, dirigimo-nos, de imediato, para o AGRA, onde tínhamos agendado passar o dia de sábado.
O AGRA é um mundo à parte. É ali que funciona o comando operacional do festival. É também lá que se situa o campismo, que acolhe algumas centenas largas de festivaleiros. E é igualmente lá que está o maior centro comercial gótico do mundo, onde as principais marcas e lojas da subcultura saem do mundo digital e fixam arraiais durante os dias do festival. Ali pode-se encontrar literalmente tudo o que esteja relacionado com à cultura gótica, desde roupa (muita), calçado, acessórios, fazer uma tatuagem, comprar livros, candelabros, estatuetas, perfumes góticos e, claro, encontrar aqueles discos de vinil ou aquele CD que há muito se procura, mas que nunca se consegue encontrar. Existem apenas duas condições que são exigidas aos visitantes deste incrível espaço: ter tempo e paciência para explorar tudo, o que pressupõe que se dedique mais do que uma visita para esse efeito; e que se tenha uma carteira bem recheada ou um cartão de crédito ou multibanco bem resistentes e que aguentem a muita atividade que vão experienciar.
Os concertos da tarde dividiram-se entre o AGRA e o Parkschloss, um gigantesco edifício ali bem perto do centro de exposições, bem no meio de um parque verde esplendoroso e que funcionou durante muitos anos como um dos salões de baile de Leipzig (nesta cidade parecia haver o gosto pela dança, tendo em conta os vários salões de baile que existem em Leipzig).
O AGRA propunha uma tarde de intensa atividade física, muito apropriada para os aficionados do EBM, oferecendo concertos de bandas como S.I.T.D., Funker Vogt, Pouppée Fabrikk e os gigantes Combichrist. E foi ver a malta a dançar até não poder mais, especialmente os aficionados do Cybergoth, que passaram horas a repetir os mesmos movimentos numa coreografia bem ensaiada e treinada, mas que, a partir de certa altura, se torna um pouco repetitiva, pelo menos para quem está a ver. Provavelmente, o segredo está em não ficar a olhar e dançar também. Ainda não foi desta que tivemos coragem de nos iniciarmos na arte desta dança tão exigente. Talvez para a próxima.
Entretanto, ali bem perto, no salão de baile pudemos cumprir um velho desejo: ver Mila Mar ao vivo. Bom, na verdade, não vimos propriamente Mila Mar, mas sim a sua mentora, Anke Hachfeld, num concerto a solo. Expliquemos.
Há bandas que são difíceis de ver fora do contexto alemão. Mila Mar, projeto que acompanhamos há muitos anos e que sempre tivemos interesse em ver ao vivo, é um desses casos, pois praticamente não dá concertos fora da Alemanha, e mesmo neste país não é fácil apanhá-la. O ano passado Mila Mar foi uma das contratadas para um concerto do WGT, agendado para a vila pagã. Julgávamos que era dessa vez que iríamos, finalmente, conseguir ver este projeto ao vivo, mas uma súbita gripe, e consequentes complicações respiratórias, obrigaram a vocalista a cancelar o concerto na véspera do espetáculo. Depois da enorme desilusão, foi com enorme satisfação que soubemos que este ano voltaria a ser uma das bandas contratadas para o WGT. O único problema é que o concerto seria na sexta-feira às 17:00 na vila pagã, exatamente à mesma hora do piquenique vitoriano lá na outra ponta da cidade. Como ainda não temos o dom da ubiquidade, percebemos logo que ainda não seria desta. Mas poucos dias antes do início do WGT recebemos a notícia da última contratação para o festival: um concerto a solo de Anke Hachfeld, a alma de Mila Mar. Ok, não é exatamente a mesma coisa, mas deu para ter uma pequena amostra do que seria um concerto daquela banda. Neste caso, durante uma hora, os muitos espetadores que enchiam o salão de baile puderam ouvir um violoncelista acompanhar a Anke nas versões de clássicos da música que ela foi cantando. Gostámos.
De regresso ao AGRA, até ao jantar fomos acompanhando os concertos do palco principal e intercalando com visitas ao Gothinente, como alguém um dia batizou o gigantesco centro comercial gótico. Depois de mais uma salsicha no pão, acompanhada de umas cervejas e de batatas fritas, voltámos novamente ao salão de baile ali na vizinhança para ver o concerto da banda que tem o nome mais original de todas as 160 ou 170 que estiveram presentes no WGT deste ano. Kiss the Anus of a Black Cat é uma banda belga que, segundo nota da organização do WGT, toca música que se pode colocar no espectro do neofolk e do gothic country. De neofolk, confessamos, pouco vimos, embora reconheçamos que aquilo que conhecíamos da banda das nossas audições dos discos de estúdio poderiam apontar para esse género. Ao vivo o que tivemos oportunidade de ver foi, de facto, uma banda a tocar algo que facilmente remetia para a música country, neste caso o gothic country, subgénero que até este dia desconhecíamos existir. O facto de termos estado longos minutos à espera de que a banda terminasse o soundcheck não ajudou a motivar para o concerto. E o som, ao contrário do que foi hábito em todos os outros concertos, estava estupidamente alto, ferindo os ouvidos mais do que a própria música. Sinceramente, para nós esta foi a desilusão do festival. Daquilo que conhecíamos, tínhamos alguma expectativa neste concerto, mas ele não saiu como esperávamos. Enfim, são opiniões, claro, e não se pode agradar a toda a gente. Não nos convenceu a nós, mas parece ter resultado com muitos dos presentes que estavam no concerto e que pareceram ter gostado do que viram e ouviram.
Combichrist
O dia foi longo e extenuante. No dia seguinte tínhamos mais uma agenda bem preenchida para cumprir, pelo que, após o concerto de Combichrist, chegou a hora de apanhar o Tram 31, o famoso Tram gótico, que andou desaparecido do festival, mas que este ano fez o seu regresso, e que nos levaria de regresso até ao centro, passando um pouco por todo o lado onde havia concertos, pois ele faz um circuito especialmente criado para servir o festival. E foi nesse regresso que nos lembrámos que ainda faltava dar um salto ao Werk 2, um dos equipamentos culturais da cidade historicamente muito ligado ao WGT, mas que atualmente acolhe um outro festival paralelo e concorrente do WGT, que é o Gothic Pogo, uma espécie de tentativa de alguns para devolver o WGT ao seu espírito post-punk original. Neste espaço estavam, este ano, os nossos amigos portugueses Manuel Almada e Exploding Boy, que passavam ali música precisamente neste dia. E o balanço foi muito bom: o ambiente do Gothic Pogo em nada fica atrás do que se vive no WGT e as bandas do dia (ou da noite, neste caso) fizeram um bom cartaz. Leipzig é assim: há espaço para tudo e para todos.
Domingo, dia 8 de junho
O WGT pauta-se por ser um festival que vai muito para lá da música. Embora as bandas e os concertos sejam a parte central do evento, há que juntar depois mais umas largas de dezenas de atividades que integram o programa oficial. A par desta imensidão de atividades, há que juntar ainda a realização de imensos encontros de grupos de góticos que comunicam habitualmente por via de comunidades virtuais na internet e que aproveitam o WGT para se encontrarem pessoalmente. Este ano decidimos participar nalgumas dessas reuniões. Fizemo-lo logo na quinta-feira com uma ida à cervejaria Ratskeller onde marcaram encontro os participantes de um dos mais importantes grupos de góticos do mundo digital, o Sadgoth. Fizemo-lo também com uma incursão num encontro de lolitas góticas, um dos subgéneros estilísticos da cena gótica, e que tivemos oportunidade de fotografar durante o seu almoço de convívio. Para este domingo agendámos uma outra ida a outro destes encontros. Neste caso, tratou-se de um grupo ligado ao Cybergoth e que marcou encontro para uma das praças de Leipzig com o intuito de gravar um vídeo. À hora marcada, lá chegámos ao local do encontro, mas estranhámos ver apenas uma cybergoth. Perguntámos se estava para o encontro, ao que ela retorquiu que sim, mas estava a estranhar não estar ali ninguém. Recorde-se que tudo foi combinado através da rede social do grupo, pelo que não dava para saber se a coisa já tinha sido, ia ser mais tarde ou se já não iria acontecer. Entretanto, passados alguns minutos, lá chegou alguém com a informação de que o encontro tinha sido adiado para daí a uma hora. Má notícia, especialmente num dia como este, que era o mais carregado em termos de agenda, uma vez que havia inúmeros concertos que queríamos ver.
Aguardámos mais uma hora até que um pequeno mas simpático grupo de Cybergoths chegasse acompanhado de uma grande coluna de som ao local combinado. Enquanto esperavam pelos restantes participantes, foram fazendo o aquecimento para a coreografia dançando ao som da música que emanava da coluna. Tivemos algum tempo para tirar algumas fotografias ao grupo, mas, infelizmente, não conseguimos aguardar até à hora do vídeo, pois isso faria com que perdêssemos os concertos que tínhamos intenção de visitar.
Para este dia, tal como já foi dito, havia bastante oferta interessante. Havia, por exemplo, Drab Majesty, Soror Dolorosa, Saigon Blue Rain, Light Asylum, Bleib Modern, Plastique Noir, Patriarchy, Linea Aspera, só para indicar alguns. Problema: estes grupos iriam tocar em sítios diferentes, muitos à mesma hora ou a horas que não permitiam que conseguíssemos chegar a tempo ao concerto seguinte de outra banda noutra ponta da cidade. O WGT tem este defeito: a oferta é imensa e de muita qualidade, mas há dias em que a escolha se torna difícil, pois optar por ver uma banda implica obrigatoriamente perder a oportunidade de ver outra que igualmente nos interessa.
Após longa negociação, lá conseguimos arranjar um programa para a tarde/noite. Começámos por ir até um dos mais fantásticos palcos do festival, a Kirschenruine Wachau, uma pequena igreja em ruínas que fica nos arredores da cidade numa pequena aldeola muito calma e bucólica. O cenário é absolutamente deslumbrante e muito gótico. Além da ruína da igreja, há que referir o pequeno cemitério à entrada da igreja que se localiza num bonito jardim. Algumas dezenas largas de góticos acumulavam-se à entrada à espera de poderem entrar para ver um dos melhores espetáculos deste ano, o concerto de Ashram, italianos que tão bem conhecem o nosso país e que já atuaram por três vezes em Leiria por mão da Fade In, coisa rara e que contraria o princípio desta organização de não repetir bandas. Em termos do WGT, esta foi a sua quinta atuação, depois do concerto da véspera no Parkschloss e das três participações em edições anteriores.
O concerto de Ashram foi mágico, não há outra forma de o descrever. Do trio que forma este projeto musical de Nápoles apenas pudemos contar com dois dos músicos: Sérgio, o vocalista, e Edu, o exímio violinista. Quanto a Luigi, o pianista, soubemo-lo no final do concerto que teve um problema nas costas que o impediu de se deslocar até à Alemanha. Não obstante o lugar vazio que marcou a sua ausência junto ao piano, o concerto foi especial, emocional e convenceu todos os presentes de que a longa viagem de Tram e autocarro até chegar até aquela pequena aldeia tinha valido a pena. Gente emocionada, foi o que mais vimos. E emoção veio também do palco, especialmente quando Edu informou o público que uma das músicas – “Tango Para Mi Padre” – seria dedicada ao seu pai. Sozinho em palco durante essa música, Edu fez chorar o violino, o público e ele próprio deixou verter uma ou duas lágrimas enquanto os seus dedos arrancavam aquelas notas sublimes do instrumento e ele mirava o céu de olhos fechados em busca da força para levar aquela peça musical até ao fim. Foi dos momentos mais especiais que já tivemos oportunidade de presenciar no WGT. No final, houve ainda tempo para dois dedos de conversa com os músicos de Ashram, que se lembravam ainda da sua estreia internacional, nos idos de 2002, com um concerto duplo em Lisboa, no Teatro Ibérico, e Coimbra no dia seguinte e no qual tivemos o privilégio de colaborar.
Ashram
Da Kirschenruine dirigimo-nos para o Eventpalast, que para este dia tinha um cartaz de luxo com Bleib Modern, Darkways e Deceits, por exemplo. Quando chegámos ao palácio dos eventos, impressionou-nos a fila enorme que estava à porta. Por norma, o Eventpalast não costuma acumular gente à porta, pois o espaço é grande e consegue acolher muitos espetadores. Mas, neste dia, a fila impressionava, o que nos obrigou a ter de furar a fila de credencial de imprensa na mão para que o povo nos deixasse passar. Depois de, finalmente, termos conseguido entrar no recinto, não estávamos à espera de que outra fila, tão grande ou maior do que aquela que estava lá fora, estivesse dentro do espaço do Eventpalast. Era gente que queria ver Bleib Modern, mas que não conseguia entrar, pois a sala estava repleta de gente, pelo que quem estava cá fora teria de aguardar que alguém lá dentro decidisse abandonar a sala para que pudesse entrar. O problema é que o concerto estava muito bom, e a maior parte dos que aguardavam pela sua sorte não tiveram oportunidade de ver a banda, pois ninguém queria abandonar o concerto.
Com Darkways a coisa foi semelhante, mas menos confusa, pois a sala era maior. E que ótimo concerto que estes espanhóis, que vamos ter oportunidade de reencontrar em agosto em Leiria, deram. A única mágoa é não termos tido oportunidade de ficar até ao final e assistir aos concertos dos americanos French Police e This Cold Night, principalmente estes últimos que, diz quem lá esteve, foram a surpresa do dia e deram o melhor de todos os concertos.
Do palácio dos eventos corremos até ao Stadtbad, a antiga piscina pública da cidade e que, entretanto, se transformou em sala de espetáculos. A oferta de concertos para esse dia era também excelente, com nomes como Skemer, Jakuzi, Patriarchy, Light Asylum e Linea Aspera. A qualidade do cartaz fez com que muita gente se decidisse pelo Stadtbad para os concertos de domingo. O problema é que, embora a sala seja de grande dimensão, não havia lugar para tantos interessados e, mais uma vez, uma fila de vários metros obrigava os festivaleiros a uma longa espera na esperança de que algum dos espetadores decidisse sair do concerto para dar lugar a quem estava à espera.
Jakuzi deram um bom concerto, mas não há muito mais a dizer. Coisa diferente foi Patriarchy, que, à semelhança do que já víramos fazer em Leiria, partiram literalmente a louça toda, não tendo sobrevivido microfone às mãos de Ashley Huizenga, a vocalista que tem uma qualquer incompatibilidade com tripés e microfones, que acabam invariavelmente no chão, desconectados e desconchavados. A banda, agora só composta por dois membros, ao contrário do que sucedeu no concerto que deram em Portugal há um ano e meio, aproveitou o concerto para lançar um single novo, intitulado “Boy On A Leash”, que ali estava a ser vendido numa edição limitadíssima e que tivemos a sorte de conseguir comprar e pedir para ser autografado pela banda. Excelente!
Patriarchy
Light Asylum. Que dizer destes americanos? Para lá de terem conseguido que se formasse uma fila de gente interessada em poder vê-los, que dava a volta ao quarteirão, mas para quem já não havia lugar, deram um concerto à Light Asylum: poderoso, impactante e inesquecível. Incrível a energia daquela gente.
A última banda da noite foi Linea Aspera, outra das bandas que tínhamos debaixo de olho. E foi mais um espetáculo de cortar a respiração. Sala cheia, energia no máximo e dedicação plena da dupla anglo-australiana de música eletrónica. Emocionante a declaração de amor de Zoè Zanias ao WGT, à cena gótica e a todos os góticos ali presentes. Como ela disse, o gótico salvou-lhe a vida e poder estar ali, na maior festa gótica do mundo, era algo muito especial.
Para terminar a noite, fomos até ao Moritzbastei, um dos mais interessantes espaços culturais e de espetáculos da cidade. O Moritz, como é conhecido, oferece várias salas e bares e tem um pátio muito agradável, especialmente em noites amenas de verão, o que não era o caso deste domingo, pois um vento gélido cortava por onde passava. Cada sala tem um DJ diferente a passar música, pelo que há oferta para todos os gostos. Este é o espaço por excelência das after parties do WGT e, por norma, tem gente até ao momento em que fecha e os funcionários têm de colocar os mais resistentes literalmente na rua, caso contrário nem à cama vão. Não foi o nosso caso, pois no dia seguinte, o último, ainda havia muita coisa para fazer.
Segunda-feira, 9 de junho
E eis que rapidamente chegou o último dia do festival, um dos defeitos deste evento que parece fazer com que o tempo corra mais depressa. De barriga cheia dos bons concertos da véspera, e de escolhas difíceis que tivemos de fazer, neste último dia a tarefa para elaborar o programa era mais fácil, pois não havia assim tanta coisa interessante para ver. Dois nomes faziam a exceção: Torul, da Eslovénia, e Deus ex Lumina, duo argentino-germânico/israelita.
A manhã foi passada na cidade, aproveitando para captar as últimas imagens e viver o ambiente do festival. Nesta segunda-feira celebrava-se o feriado do Pentecostes, festa religiosa que não tem significado em contexto nacional, mas que na Alemanha é um dos mais importantes momentos para a comunidade católica. A cidade estava repleta de gente que aproveitava o feriado para viver um pouco da festa da cidade. Por outro lado, notava-se já muito menos gente pertencente à comunidade gótica, que já tinha regressado a casa ou se preparava para o fazer ainda naquele dia.
Aproveitámos o dia menos carregado para combinar um almoço luso composto pela equipa da Threshold, por um amigo português residente há muitos anos em Leipzig e por um simpático casal da margem sul de Lisboa que fazia a sua estreia no festival. O restaurante, muito perto de uma estação de comboio, serviu um almoço muito bem confecionado e a casa de banho primou pela originalidade, uma vez que imitava uma carruagem do velho Expresso do Oriente.
Quando nos dirigíamos para o primeiro dos concertos, deparamo-nos com um ajuntamento de góticos num dos jardins da cidade e que, de imediato, reconhecemos como sendo o encontro do Spontis.de, provavelmente o maior e mais importante grupo de góticos alemão. Sabíamos que este grupo faria o seu encontro anual num dos dias do festival, mas não conseguimos perceber quando era, pelo que tropeçar sem querer nesta reunião foi fantástico e rendeu muitas e boas fotografias, pois ali encontravam-se muitos dos góticos originais do WGT, daqueles que há 32 anos que dizem “Presente!” em cada edição do festival.
Finda a sessão fotográfica, fomos a correr até ao Felsenkeller, outra das salas de espetáculos do festival, onde tivemos a oportunidade de ver a banda americana Protocol 19, que contagiou os presentes com a sua poderosa música eletrónica. Esta é daquelas bandas que só mesmo um evento como o WGT tem capacidade para trazer à Europa, pois organizações mais pequenas têm dificuldade em trazer bandas do outro lado do atlântico para o nosso continente. De mais perto vieram os eslovenos Torul, que deram um dos melhores concertos a que assistimos este ano. Não nos lembramos se eles já estiveram em Portugal, mas, se tal ainda não aconteceu, está mais do que na hora.
Para o Moritzbastei estava agendado outro dos concertos que não queríamos perder este ano: Deus ex Lumina. Projeto a solo de Gonzalo Schwindt, músico, DJ e produtor argentino-alemão, conta desde há uns meses com a participação da israelita Ozzy Zoltak nas vozes nos concertos ao vivo. Acompanhando esta banda desde o início, que começou como um projeto de dark ambient e depois se transformou em algo mais virado para o darkwave de toada eletrónica, confessamos o nosso apreço por este projeto, pelo que tínhamos grandes expectativas para os ver ao vivo. Contudo, o espetáculo, que conseguiu encher a não muito grande sala do Moritz até ao limite, obrigando a que tivéssemos de estar meia hora antes para conseguir assegurar um lugar junto ao palco, não convenceu totalmente. Este é daqueles casos em que a coisa funciona muito bem em estúdio, mas ao vivo fica aquém do que achamos que poderia ser. Talvez tal se deva à opção do duo por colocar no computador o álbum de estreia As Above So Below praticamente todo de rajada, com as músicas a correrem sem qualquer intervalo entre elas como se estivéssemos numa sessão de DJ set, mas só com músicas da mesma banda. A presença do duo em palco é irrepreensível e existe uma boa química com o público, especialmente quando a vocalista decidiu presentear os espetadores com lápis de maquilhagem, que distribuiu aleatoriamente pelo público, ou quando abriu um gigantesco saco de onde saíram incontáveis balões pretos, que ocuparam os presentes durante largos minutos num jogo de atira para lá, manda para acolá até que alguns espetadores mais impacientes começassem a rebentá-los para devolver algum sossego à sala.
No final do concerto tivemos oportunidade de conversar com a banda, que se revelou de uma enorme simpatia e grande disponibilidade e amabilidade. E descobrimos, com agrado, que o Gonzalo tem uma costela portuguesa, pois a sua avó era do Porto, daí o Duarte que tem como apelido. Conhece bem Portugal, porque é grande fã de surf e gosta de o praticar na costa portuguesa, mas nunca teve oportunidade de atuar por cá, algo que gostaria que pudesse acontecer em breve. Como ele fez questão de dizer, eles viajam em low cost e só precisam do computador, pelo que, se estiver por aí algum promotor mais atento, faz favor de os contactar pelo site ou pelas redes sociais.
Para a noite do último dia tínhamos ainda previsto visitar mais um encontro semi-secreto de um grupo de góticos. O local agendado para o encontro situava-se a poucos quilómetros do AGRA bem dentro da floresta. Seguimos as indicações e aventuramo-nos por ali dentro até que as marcas da civilização desaparecessem por completo e dessemos por nós de lanterna do telemóvel a iluminar o caminho no meio de árvores, pois luz elétrica era algo que não existia por ali. Depois de uma longa caminhada na maior escuridão, chegámos finalmente ao local, que conseguimos identificar pela enorme escadaria em pedra que estava indicada no mapa que nos tinha chegado às mãos. O local prometia, o cenário era do mais gótico possível, mas faltavam as pessoas. O encontro afinal não se realizou, pelo menos naquele dia, pois, entretanto, tivemos oportunidade de ver algumas fotografias tiradas dois dias antes e que, de facto, provavam que aquele encontro prometia.
Um pouco desiludidos, regressámos até à civilização e, ao chegar à paragem do Tram ali bem perto do Ballsaal, outro dos salões de baile da cidade, lembramo-nos que ainda não tínhamos visitado uma galeria ali bem perto que expunha fotografias de edições do WGT de 1994 a 2007. Afinal, não demos por totalmente perdida a viagem e lá fomos até à galeria, que basicamente é o rés-do-chão de uma pequena casa com um simpático jardim nas traseiras. Entrámos no edifício e deparamo-nos com dezenas de fotografias expostas, tal como tínhamos visto anunciado. O espaço estava repleto de gente que convivia em redor de uma fogueira que existia no centro do pequeno pátio. Passados poucos minutos, percebemos que, de alguma forma, tínhamos invadido uma festa mais ou menos privada, pois toda a gente se conhecia ali com a exceção de nós. Mas não houve qualquer problema. Puseram-nos à vontade e pudemos visitar a exposição, que se espraiava por todos os lugares do interior e exterior da casa. Enquanto cá fora as pessoas conviviam com uma cerveja na mão e comiam qualquer coisa, lá dentro uma das divisões da casa, provavelmente o que teria sido um quarto ou uma sala, estava transformado em discoteca e dois DJs, um deles vindo de Nova Iorque, iam entretendo os presentes com música. Percebemos que aquela era uma festa de despedida do WGT deste ano que aqueles amigos tinham organizado. Ficámos por ali um pouco, conversámos com alguns dos presentes e, depois de algumas fotografias para recordação, seguimos viagem, pois a noite avançava rápido e o dia seguinte seria passado, novamente, entre viagens de comboio e avião. Apanhámos, pela última vez, o Tram que nos levou a nós e a umas largas dezenas de festivaleiros de regresso para o centro da cidade. No interior das carruagens, repletas de gente, imperava um silencio estranho. Olhando para todas aquelas pessoas, percebia-se que não era apenas o cansaço que as impedia de falar. Havia estampado em todos aqueles rostos uma forte introspeção muito provavelmente resultante do balanço que cada um estava a fazer de mais esta participação no WGT. Notava-se satisfação, um sentido de communitas e de liberdade que aqueles dias tinham trazido a toda a gente. E pena, porque tudo estava prestes a terminar e só se repetiria daí a um ano.
Estes foram mais cinco dias inesquecíveis naquele que é, sem dúvida, o melhor festival gótico do mundo. Na terça-feira de manhã, quando nos dirigíamos para a estação de Leipzig para apanhar o comboio que nos levaria de volta para o aeroporto de Berlim, miramos com um forte sentimento de nostalgia a enorme estação ferroviária. Sabíamos que era a despedida, e já estávamos com saudades. Esta é uma das enfermidades que afeta todos quantos vão ao WGT: depois do evento fica aquela tristeza e saudade de algo que acabou e que só daí a um ano (para os mais afortunados) se voltará a repetir. É algo que podemos provar que existe e que também nos afetou nos últimos três anos e, diz-nos a experiência, que desaparece quando marcamos alojamento para a edição do ano seguinte e começamos a tratar do voo. Não sei se será assim para o ano, mas as memórias de mais esta edição ficam para sempre guardadas na nossa memória e testemunhadas neste pequeno diário que, com muito gosto, partilhamos com todos vocês. Até um dia destes, Leipzig!
Texto redigido por Manuel Soares
Fotografia por Miguel Silva