SUNFLOWERS
You Have Fallen… Congratulations!

| Novembro 8, 2025 6:09 pm

Se os girassóis fizessem um som, como seria? Como poderíamos descrevê-lo? Responderam a essas perguntas três pessoas que, em 2014, se juntaram e criaram um projeto musical que viria a renovar a cena musical portuguesa – os SUNFLOWERS. Foi no Porto que Carlos de Jesus (guitarrista e vocalista), Carolina Brandão (baterista) e Frederico Ferreira (baixista) vieram associar a um inofensivo, alegre e festivo nome de flor um som forte, enérgico, que vem abalar as verdades impostas pela sociedade, bem à maneira do garage rock, post-punk e, até, do noise rock.

Hoje, os SUNFLOWERS continuam a surpreender o público com o lançamento de um novo álbum no dia 7 de novembro – You Have Fallen… Congratulations! – pela Fuzz Club Records, o que marca, assim, a estreia da banda portuense nesta editora britânica. Em setembro a banda lançou ainda o single “I Got Friends”, ao qual sucede agora o single “Corpse Light” – também disponibilizado no mesmo dia do lançamento do álbum nas plataformas habituais.

You Have Fallen… Congratulations! conta com um estilo pesado, cru e intenso, explorando os limites do ruído e da distorção na guitarra, as bass lines marcantes e os ritmos rápidos na bateria, aliados a letras que questionam o lugar que o ser humano ocupa na sociedade de hoje. Essencialmente, as letras assumem um espírito livre, resiliente e combativo, que revela a solidão que é remar contra a corrente. You Have Fallen… Congratulations! fala não só do lugar do músico numa sociedade capitalista focada em números, mas também do que é ser humano e procurar a liberdade num mundo que impõe a ordem.

O álbum começa com o tema “Chameleon Kid”, precisamente aludindo às várias facetas de uma pessoa e a versatilidade necessária para cada um se adaptar às suas circunstâncias (“Trying to wear the right clothes, say the right thing out loud”). Logo os primeiros versos – “I’m a ghost in the hallway, just a face in the crowd/A loose bolt in the sand sorting my way out” – revelam o anonimato e a insignificância que nos é imposta desde que nascemos e, sobretudo, a luta por abandonar o rebanho e fazer a diferença. O refrão fala sobre a tensão entre ser o que se quer e o que se precisa de ser. Reflete sobre o que é sentir-se refém da própria vida, viver uma existência robótica e circular, e ver as suas preocupações desvalorizadas – “Beep beep, I’m a chameleon kid/Now I’m just a blameless hostage/All my worries lost in context”. Ao mesmo tempo, a palavra “Kid” presente no próprio título faz-nos pensar no quão vulnerável e desprotegida uma pessoa se sente enquanto tenta forjar o seu próprio caminho (é sabido que a corrente elétrica flui pelo caminho de menor resistência, mas ser músico é precisamente o contrário de tudo isso). Em suma, este tema demonstra que o mundo em que vivemos exige adaptação e sobrevivência, por muito que se tente ser diferente. Como os próprios SUNFLOWERS admitem, a liberdade tem um preço: “Sure, freedom isn’t free, but our t-shirts are on sale”.O tema seguinte – “I Got Friends” – desenvolve algumas medidas de adaptação a uma sociedade capitalista e liberal. Neste tema, a sociedade é representada pelas distorções e ruídos na guitarra, criando assim um mundo sombrio e inquietante. Neste mundo, o mérito não existe. Tudo se resume a ter amigos nos sítios certos, mas não se pode falar de amizade no sentido literal da palavra – tudo é reduzido a uma troca, a um jogo de influências, a ir pelo caminho mais fácil e saltar etapas, perpetuando, assim, as injustiças – “You get the crumbs, I’m fully fed”. Tudo é uma questão de manter as aparências – “I just network and play it cool”.

Esta realidade perpetua-se indefinidamente. A consequência disto é a alienação do próprio e a sua submissão. Em “Corpse Light”, fala-se da ausência de regulação, da incapacidade de controlar o próprio destino e sobre a monotonia dos dias vividos assim – “Wait! There’s no one in control/Just cruising life on auto-pilot/Everyday feels like a rerun/To exist just out of habit”. É uma reflexão sobre estar preso à rotina, sobre estar rodeado por um mundo em perpétuo movimento (representado pelas batidas rápidas na bateria e pelas melodias claras e cíclicas na guitarra), e ainda assim estar parado. Reconhece a vergonha, o medo de ser julgado, os relógios que parecem presos na hora de começar o trabalho, as contas por pagar, o desespero das pessoas e as ilusões a que elas se agarram. “Corpse Light”, acima de tudo, reconhece que as pessoas, reféns da produtividade, perderam a substância – transformaram-se em corpos que atuam independentemente do que pensam, corpos tratados como fábricas e que trabalham horas extra até se esgotarem. Este assunto é, de facto, o centro de You Have Fallen… Congratulations!, voltando a aparecer, por exemplo, no tema “Workworkwork” – onde tudo o que resiste é a ausência de propósito. Apesar de esta ser sem dúvida uma realidade sombria, os SUNFLOWERS trazem algumas surpresas ao ouvinte. Por exemplo, no minuto 2:36 de “Corpse Light” (próximo do final), um instrumental psicadélico com a adição de um sintetizador vem dar-nos alguma cor, libertação e catarse, mostrando que talvez os corpos ainda emitam alguma luz.

Num cenário ainda assim tão negro e difícil, o ser humano recorre a ilusões e paraísos artificiais. Assim, “A Therapist’s Special” demonstra os efeitos de um drug cocktail que é simultaneamente o caos e a razão pela qual uma pessoa se levanta de manhã para ver o email (tal como sugerido pelo refrão – “A therapist’s special/Drug cocktail/It helps me get up/And check my mail”). Este é um dos temas mais experimentais e psicadélicos do álbum, que conta com vários momentos contrastantes no instrumental. Estes retratam o caos do corpo e da mente de alguém que não consegue acreditar no que observa, que não sabe se está livre ou preso, que não sabe se precisa de dormir ou de um duplo. O caos de uma pessoa que nem sequer sabe se realmente existe – “As days unfold/And the Blur persists/It keeps me wondering/Do I exist?”.

Sunflowers

© Valéria Martins

Um momento que faz com que o ouvinte duvide da sua própria existência é o início do tema March of the Drones” – quando ouvimos estes efeitos sonoros, acreditamos que morremos e chegámos ao céu. Efetivamente, o tema fala sobre a morte, sobre viver à margem, sobre sobreviver adotando uma postura rígida e convencional (“Time’s up, let’s begin/Arms still, stomach in/Don’t think too much about your dignity”), não questionando as normas (“Leave your Dreams at the door/All that nonsense is no more/Shoulders back, eyes straight/Mind shut, no debate/Behave like a perfect human being”). No meio disto está a dor de ser demasiado consciente, a dor de perceber que se vive para morrer e tentar reclamar um lugar no céu – num céu onde além de almas voam drones, que nos observam com o pretexto de querer manter a paz e salvar o mundo. Mais uma vez, apesar deste cenário desolador, este tema deixa-nos pensar que nem tudo tem de ser sempre assim. Isto é, a música convida-nos a tentar viver em vez de sobreviver, mas avisa-nos de que isso só é possível se nos mantivermos atentos e questionarmos as coisas. No entanto, isso só é possível se não abandonarmos completamente a capacidade de nos revoltarmos.

Por fim, “You Have Fallen… Congratulations!” é o tema que dá nome ao álbum e, também, que conclui a nossa viagem por este universo sombrio. Ao longo desta viagem, os SUNFLOWERS não nos pouparam a nada – obrigaram-nos a um confronto com a insignificância daquilo que é ser humano na atualidade. Obrigaram-nos a mais do que refletir sobre isso – obrigaram-nos a admitir que as coisas não estão bem. Portanto, seria irrealista pensar que a conclusão desta história seria alegre e leve. Neste tema instrumental, não há palavras que ditem o sentido da mensagem – mas a sua brevidade, aliada ao facto de ser constituído apenas por notas longas e efeitos na guitarra, demonstra o vazio que vem depois disto. O vazio depois da luta constante, que termina com uma pausa – a cadência é suspensiva, o que pode simbolizar a incerteza em relação ao futuro e ao que acontece após a morte.

Em suma, se procuramos leveza e o anestesiar de sentimentos, este não é de todo o álbum para nós. Mas nem sempre aquilo que queremos é o que precisamos. You Have Fallen… Congratulations! não é uma verdade fácil, mas é a verdade necessária, revelada sem filtros nem medos – apenas a ousadia característica dos SUNFLOWERS. Para os SUNFLOWERS, já nem sequer estamos em queda. A queda já aconteceu. Ironicamente, por muito que tentemos sonhar alto e remar contra a corrente, o resultado garantido é sempre uma queda. Ainda assim, o resultado não exclui o prazer de ter sonhado.

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