Vodafone Paredes de Coura 2025: uma semana de energia a transbordar nas margens do Taboão
Vodafone Paredes de Coura 2025: uma semana de energia a transbordar nas margens do Taboão
Vodafone Paredes de Coura 2025: uma semana de energia a transbordar nas margens do Taboão
Poucos meses após a última edição do Vodafone Paredes de Coura, refletimos sobre mais uma semana de verão passada nas margens do rio Taboão e recordamos os concertos mais memoráveis de um festival ao qual sempre retornamos. Este ano o bom tempo aliou-se aos bons concertos. As únicas gotas surgiram já nas horas finais do festival, muito depois de artistas como Black Country, New Road e Vampire Weekend deixarem a sua marca com concertos memoráveis integrados num cartaz que caminhou a linha entre música alternativa e sonoridades acessíveis. Foi uma edição muito chamativa que angariou um enorme público, sentindo-se o aperto de um recinto sobrelotado no qual chegava ser desconfortável caminhar e complicado encontrar lugares confortáveis em qualquer um dos dois palcos.
Após os habituais dias de festa na vila, o recinto do festival abriu de 13 a 16 de agosto, durante quatro tardes e noites bem preenchidas por concertos nos quais tanto a audiência como os artistas demonstraram uma grande satisfação. Foram muitos os que vocalizaram que nunca tinham tocado para um público tão numeroso ou recetivo.
Dia 13 de agosto foram MJ Lenderman & The Wind e Vampire Weeekend a causar melhor impressão. Os primeiros, liderados pelo discreto cantautor que dá nome ao projeto, também conhecido pelo seu papel como guitarrista na banda Wednesday, apresentaram Manning Fireworks, um dos nossos lançamentos favoritos do ano passado. O público cantou com Lenderman as suas canções slacker country rock que, girando à volta de um “universo lírico repleto de personagens deprimidos, por ele retratados com autocomiseração e ironia” (citando Edu Silva no artigo linkado), são dotadas de refrões orelhudos que, não sendo bombásticos ou especialmente enérgicos, têm de qualquer maneira um grande impacto. Canções como “Joker Lips”, “She’s Leaving You” ou “Bark at the Moon” estiveram entre os pontos altos do concerto, no qual houve também espaço para alongadas secções instrumentais e guitarradas assertivas cuja simplicidade não deve ser confundida por desleixo.

Enquanto MJ Lenderman apresentou um concerto muito cru, sem desvaneios ou acessórios, os Vampire Weekend fizeram jus ao seu estatuto de cabeças de cartaz com um complexo e elaborado espetáculo em palco, repleto de coreografias, trocas de instrumentos e posições em palco, projeções variadas e momentos chave. O concerto começou de forma simples, com os três membros originais tocando em frente a um enorme pano com o nome da banda. A bateria soava-nos estranhamente medíocre, e era inclusive notória falta de microfones rodeando o instrumento. Ouvimos “Mansard Roof” e “Holiday” com um som que deixou desejar, mas durante a terceira música, “Ice Cream Piano”, o pano foi abaixo e, atrás dele, revelou-se a numerosa banda de acompanhamento. Só aí o concerto realmente começou. Ao longo de quase duas dezenas de canções os Vampire Weekend brilharam numa atuação vibrante e muito dinâmica. O público delirou em “A-Punk”, mas “Unbelievers” ou “Diane Young” não ficaram muito atrás. Dotada de uma discografia respeitável, a banda ofereceu-nos um pouco de cada um dos seus álbuns numa setlist bastante diversa, ainda que focada principalmente no novo disco Only God Was Above Us. Saímos sorridentes de um concerto muito divertido de uma banda que há muito ansiávamos ver ao vivo.

A primeira noite terminou no palco secundário ao som de Joey Valence & Brae, duo de hip hop que muito lembra os célebres Beastie Boys, mas que tem vindo cada vez mais a encontrar o seu próprio som, desenvolvendo-o a cada álbum que edita. Com muita energia dentro e fora de palco, apresentaram os imediatos hits que marcaram a sua rápida ascensão, como “Punk Tactics”, mas também algumas músicas novas que podemos encontrar em HYPERYOUTH. O seu concerto teve uma grande intensidade e algum humor, mas não conseguiu fugir a um ritmo inconstante que se ia notando pelas interrupções entre músicas de muito curta duração e pela escassa variedade sonora de batidas e flow. A isto juntaram-se alguns problemas de som no microfone de Joey Valence que impediram que o grupo se apresentasse no seu melhor.

Quinta-feira 14 de agosto voltámos ao recinto ao som de música portuguesa com duas bandas que já mereciam horários mais tardios no alinhamento. Falamos de Linda Martini, que se aproximavam do final do seu concerto enquanto nos dirigíamos ao palco secundário, e dos Glockenwise, que entraram logo de seguida. Os autores de Gótico Português, que haviam tocado no festival 12 anos atrás, demonstraram uma maturidade cada vez mais aparente, com canções refinadas que escapam à simplicidade do garage rock que marcou os primeiros anos da sua carreira.
Este segundo dia de festival foi marcado pela performance de Lola Young. A jovem britânica conquistou uma um recinto preenchido por uma enorme audiência, não só com o seu single “Messy”, mas também com uma excelente comunicação com o público, muito própria e genuína, uma excelente banda de acompanhamento e mais boas canções, como “Charlie” e “Big Brown Eyes”. “Provavelmente o meu concerto favorito que já toquei”, confessou a artista perto do fim da sua atuação. Em contrapartida, os Portugal. The Man, que com ela partilharam o estatuto de cabeça de cartaz, não demonstraram grande personalidade num concerto que não nos convenceu. Vieram com algum entusiasmo ao país aonde foram buscar o seu nome, mas deixaram os hits em casa. Algumas horas Perfume Genius havia dado o concerto que mais nos encantou neste dia, demonstrando uma incrível presença em palco e uma coleção de canções muito fortes e marcantes. Geordie Greep também chamou a atenção, exibindo, em conjunto com a sua banda, uma grande proficiência técnica, necessária para tocar o seu rock progressivo frenético, influenciado por música latina. O seu humor não ficou de fora numa atuação memorável em parte por uma performance vocal como nunca teríamos visto nos concertos de black midi. Greep mostra-se mudado neste projeto a solo e continua a desenvolver a sua sonoridade e as suas habilidades de uma forma muito particular. No palco secundário, no penúltimo concerto da noite, antes dos The Hellp nos transportarem de volta a 2007 com a sua estética electro e new rave, os portugueses Travo substituíram Maruja, cuja atuação foi cancelada à última da hora, e, apesar alguma repetição e redundância nas composições, puseram o público a dançar e abanar a cabeça em simultâneo com um space rock psicadélico dotado de algum groove, fazendo recordar a atuação dos compatriotas MAQUINA. nesse mesmo palco em 2023.

No dia seguinte fomos presenteados com provavelmente o melhor concerto do festival. Os Black Country, New Road prometiam uma atuação ao mais alto nível, mas ainda assim surpreenderam com a apresentação integral do seu novo álbum Forever Howlong. Mais delicadas e progressivas que em trabalhos anteriores, as novas músicas do agora sexteto são menos pesadas e menos rock, mas tão boas como tudo o que a banda nos ofereceu anteriormente. Notaram-se influências de música clássica na instrumentação e nas dinâmicas de volume acentuadas das composições apresentadas, dotadas de uma preciosidade e delicadeza de onde provém muito do seu carácter emocional, não encobrindo a tecnicidade arrebatadora na performance de cada músico em palco. Foi um concerto diferente de qualquer outro do festival e ficamos muito contentes por podemos agora recordá-lo no canal de YouTube da Ritmos, produtora do festival.

King Krule voltou a Paredes de Coura oito anos após o seu primeiro concerto nas margens do rio Taboão e três anos depois de uma excelente atuação no Primavera Sound do Porto. Este ano presenteou-nos com mais uma bela atuação, e é verdade que com canções tão boas seria difícil dar um mau concerto, mas ainda assim o artista britânico não maravilhou da mesma forma que em 2022. Para além da música, ficaram na memória uma interrupção da atuação efetuada para facilitar a assistência a um espetador que necessitava de ajuda e, para o bem ou para o mal, uma prolongada referência à celebração de Cristiano Ronaldo, que culminou em repetidos pedidos para que o público a fizesse em conjunto.

Mk.gee foi o último artista da noite a tocar no palco principal, apresentando a sua sonoridade particular que mistura elementos de pop, R&B, eletrónica e música psicadélica numa palete sonora muito característica e muito marcada pelo seu som de guitarra. Não é um artista propriamente entusiasmante ao vivo, mas não desiludiu e apreciamos esta aposta algo arrojada e interessante por parte do festival. No mesmo dia, no palco secundário, assistimos a concertos de artistas como bar italia, cada vez mais virados para uma sonoridade de rock alternativo com todas as características das bandas dos anos 90, La Jungle, duo de math rock dançável cujas composições se alongam talvez em demasia sem realmente progredirem, e Ela Minus, responsável por uma das atuações mais surpreendentes do festival, com um setup repleto de aparatos eletrónicos com os quais manipulou diretamente as batidas eletrónicas à qual ia sobrepondo a sua voz.
No último dia do festival os Air trouxeram toda a sua magia numa atuação muito bonita, durante a qual o seu alegre pop sci-fi, complementado por luzes e projeções espaciais, encantou todos os fãs de Moon Safari na audiência. Foi essa a obra em foco na setlist, um álbum que não ouvíamos há muito e que soou possivelmente melhor ainda ao vivo. Na mesma noite revivemos também o indie rock e o pós-punk do começo dos anos 2000 na companhia dos Franz Ferdinand. As novas músicas da banda escocesa não chegam aos calcanhares de malhas como “Take me Out” ou “The Dark of the Matinée”, mas em concerto sentimos que o espírito que estava tão presente no início da sua carreira continua lá. Foi bom cantar em uníssono e recordar algumas das músicas que mais marcaram o panorama indie dos anos 2000, mas ficámos desejosos por ouvir mais algumas músicas de Right Thoughts, Right Words, Right Action, álbum de 2013 que é ainda muito subestimado e que apenas marcou presença através da viciante “Love Illumination”.

O Vodafone Paredes de Coura regressa no próximo ano entre os dias 12 e 15 de agosto e já não deve faltar muito para conhecermos as primeiras confirmações para o alinhamento. Entretanto, mergulhem nas nossas recordações das margens do Taboão através da nossa reportagem fotográfica:
Texto: Rui Santos
Fotografia: David Madeira


