TRC Zigurfest 2016: Integração e experimentação musical em Lamego

TRC Zigurfest 2016: Integração e experimentação musical em Lamego

| Agosto 30, 2016 3:49 pm

TRC Zigurfest 2016: Integração e experimentação musical em Lamego

| Agosto 30, 2016 3:49 pm
É já nos próximos dias que Lamego entra em festa com a 6ª edição do TRC ZigurFest. Nos dias 1, 2 e 3 de setembro inúmeros artistas nacionais “habitam” a Rua da Olaria, o Teatro Ribeiro da Conceição e outros espaços emblemáticos para dar a conhecer a esta cidade do interior o que melhor se faz no circuito musical português, num variado leque de géneros. Para ficarmos a conhecer um pouco melhor do TRC ZigurFest, estivemos à conversa com António Silva, um dos organizadores do evento e um dos mentores da editora ZigurArtists.
Threshold Magazine (TM) – Qual é o conceito que define TRC ZigurFest?

António Silva (AS) – O conceito visível do festival acaba por ser o foco na música portuguesa. Desde a primeira edição era bastante claro para nós que havia muita diversidade e muitas bandas portuguesas a fazer boa música, que nos admirávamos e respeitávamos. Ficou claro desde aí que este festival devia ser dedicado só à música que se faz cá. Além do mais, existem outros festivais a trabalhar com música lá de fora. É um trabalho que nos respeitamos e também admiramos imenso mas percebemos logo, desde início, que íamos ter mais trabalho e não ia ser tão recompensador trabalhar com bandas estrangeiras. Foi muito óbvio que deveríamos trabalhar nesta geografia, também se calhar um pouco por termos uma editora que trabalha com novos valores na música portuguesa. Fruto dessa proximidade já tínhamos alguma consciência do que se ia passando e quisemos alinhar por aí. Esse acaba por ser o maior critério. 
TM – Como é que funcionou o processo de seleção do cartaz?
AS – Fazer um cartaz de um festival é um desafio engraçado. Nós não quisemos fecharmo-nos em nenhum estilo. Há imensos festivais cá em Portugal e lá fora só de música eletrónica, rock, rock psicadélico, só de músicas do mundo, e nós apercebemo-nos que dentro desta diversidade toda existem representantes cá em Portugal de todos estes estilos. Acaba por ser uma pouca mais desafiante trabalhar com estes todos em vez de nos focarmos num só. Claro que aí há uma série de critérios desde de podermos ver as bandas ao vivo, há o nosso gosto pessoal pois nós somos muitas pessoas e qualquer um de nós gosta de se ver representado de alguma forma no cartaz. O conceito por detrás disto em termos de programação é música nacional nos seus mais variados estilos, formas, línguas e expressões. Nisso estamos abertos a tudo e mais alguma coisa. 

TM – Sentes que o TRC ZigurFest tem influenciado culturalmente Lamego? De onde veio essa ideia de realizer um festival aqui?

AS – O festival é feito numa lógica de integração na cidade e de envolver a cidade também no festival. Nós que crescemos todos em Lamego crescemos um pouco com a intenção de dar algo à cidade. O ZigurFest veio fazer isso. Foi um desafio proposto pela Câmara e pelo Teatro Ribeiro Conceição e nós achamos que era a oportunidade perfeita de finalmente darmos à cidade alguma coisa, depois da cidade já nos ter dado tanto ao longo destes anos todos. O festival nesse sentido não decorre nos moldes tradicionais, não há um recinto fechado, não há grandes marcas, patrocínios. É tudo muito familiar e integrado nas rotinas da cidade. De manhã nunca temos nada porque sabemos que a cidade está na sua rotina para os comerciantes. Há tarde já sabemos que há mais pessoas na rua, portanto temos os concertos na rua. Usamos o Teatro porque é um excelente auditório e uma espécie de Ex libris cultural da cidade. Temos esse cuidado, de não separar Lamego do festival e o festival de Lamego. É importante estar a sentir que o festival está a cumprir o seu papel na cidade, que acaba por ser quase natural. Essa lógica de integração também é algo que tentamos sempre responder para que as pessoas não estejam contra o nosso festival. Isso acaba por ser uma espécie de conceito que, melhor ou pior, tentamos aplicar todos os anos.

TM – O que se pode esperar de novo nesta 6ª edição do TRC ZigurFest?

AS – A coisa mais visivelmente nova desta edição é a inclusão de um dia extra. No ano passado fizemos uma espécie de warm-up ou de dia zero. Este ano por vários motivos decidimos alargar o festival para 3 dias. Este primeiro dia vai servir para podermos levar o festival a outros pontos da cidade. O festival decorre no Teatro e na Rua da Olaria, mas este ano queríamos chegar a outros sítios da cidade. A cidade não é muito grande mas há imenso sítios para explorar e aproveitámos esse primeiro dia para o fazer. Vamos ter concertos no centro da cidade, na avenida Central, junto à estátua do Soldado Desconhecido. Vamos ter um concerto na zona do castelo, que a par da Rua da Olaria é a zona mais antiga da Cidade. Vamos também utilizar o coreto do jardim da Câmara, onde já fizemos um concerto com os Sensible Soccers há 3 ou 4 anos, por isso vai ser um regresso muito agradável. 

Ao mesmo tempo, este primeiro dia vai também servir um pouco para reafirmar as parcerias que fomos desenvolvendo ao longo do último ano, neste caso com o UM AO MOLHE, com quem já estamos envolvidos desde o início do projeto mas que no ano passado tivemos o prazer de organizar e co-produzir. Com a Extended Records, uma editora que tem um trabalho notável na área da música de dança, com quem colaboramos a nível de programação. Vamos colaborar mais a nível editorial e sobre isso vão haver novidades mais para o final do ano. E por último, também temos uma parceria com a Desterro, local de concertos e experimentação sonora em Lisboa, onde temos desenvolvido uma residência desde dezembro. Este ano eles vão estar no festival com os Desterronics, colectivo de improvisação de musica eletrónica. É um coletivo variável tamtp no número e como no tipo de música que acabam por criar. É completamente enciclopédico, tanto vão ao dub, house, como vão ao ambiental ou à música de dança pura e dura.
TM – Sentes que alguma coisa mudou nestes 6 anos de festival?

AS – O conceito do festival não mudou. A nossa ideia é sempre procurar ter um equilíbrio entre bandas com créditos mais firmados, neste caso serão os Pop Dell’Arte ou os Torto, e misturá-los com bandas emergentes e bandas da casa. Tentar sempre ao máximo alguma dose de experimentação ou de risco, algo que não seja tão óbvio. Temos tentado ser mais ou menos fiéis a esta ideia. É obvio que há sempre coisas que mudam, por exemplo nós usamos a Rua da Olaria desde a primeira edição mas nunca a usamos da mesma forma dois anos seguidos. Temos sempre um dos palcos numa disposição diferente ou num local diferente para permitir às pessoas aproveitar melhor o palco e os concertos. O que mudou mesmo foi a própria disposição das pessoas para receberem, acolherem e assistirem ao festival. No primeiro ano foi um pouco como uma “pedrada no charco” por assim dizer, e correu como qualquer primeira edição corre, com alguma estranheza e euforia à mistura, mas progressivamente começamos a reparar que tanto os habitantes locais como os comerciantes das zonas onde temos os concertos, como as próprias bandas, se mostram cada vez mais entusiasmadas com o festival. 

Apesar de estarmos em casa sabe bem sentirmos que as pessoas da nossa casa nos acolhem tão bem. As pessoas que vêm de fora também sentem este espírito familiar.Tanto as pessoas, como os comerciantes, como as próprias bandas já esperam por esta altura do ano. Esta mentalidade de esperar por este festival é a maior mudança que conseguimos imprimir à cidade. É obvio que com isso vem uma série de coisas, desde o facto de ajudarmos a criar um circuito para uma zona onde é mais difícil as bandas circularem. Estamos no interior, há sempre viagens longas para fazer, mas isto permite que as bandas consigam circular um pouco mais quando vêm a Lamego, acabando por procurar concertos nas zonas próximas. Criamos algumas rotinas culturais nas pessoas que vão ao festival e que antes e depois procuram as bandas que lá foram e acabam por descobrir mais. Há uma receptividade muito boa e isso tem nos alimentado o entusiamo, fazendo com que não queiramos parar. Espero que seja assim por mais seis edições.

TM – Como é que sentem agora que há mais competição ao nível do mercado dos festivais?

AS – Sentimo-nos bem. É difícil pensar em competição quando tenho a certeza que todas as organizações se mexem e lutam pelo mesmo, que é haver condições não só para elas existirem, mas também para as bandas poderem circular. Para nós é extremamente gratificante ver que há espaço não só no país, mas também nas regiões. Pensar no âmbito de Portugal quase parece fácil, mas se tu fores ver  há poucos locais onde existem festivais como o nosso, o Indie Music Fest, em Baltar ou o caso do Bons Sons, também um caso mais pequeno só dedicado à música portuguesa. Nós não olhamos tanto como concorrência, ou pelo menos concorrência perigosa que nos vem roubar público, mas sim como experiências positivas. Haver mais festivais só mostra o quão interessante, dinâmica e variada está a música portuguesa neste momento. É bom haver concorrência, nós olhamos para o lado e vemos aquilo que os outros festivais estão a fazer. Se calhar também há malta que olha para nós para ver aquilo que estamos a fazer. Há espaço para isto tudo acontecer, há imensas bandas a querer tocar, há público para tudo. Enquanto isso acontecer e as bandas não tiverem dois concertos no mesmo dia em dois festivais diferentes as coisas fazem-se. Quanto mais locais houver para tocar melhor, tanto para nós como para as bandas. Vai ser sempre mais fácil haver circulação e todo este cenário musical torna-se mais dinâmico.

TM – Como é que conseguem fazer um festival de 3 dias com passes a preços tão acessíveis e convidativos?

AS – Felizmente temos a sorte de contar com o apoio financeiro da Câmara e do Teatro para fazer o festival. A parte monetária é importante, mais não seja porque a cultura não deve ser gratuita e quando falo disto, não falo só da música, falo de tudo. Haver uma cobrança de um passe é perfeitamente plausível. Quanto ao preço, praticamos aquele que achamos ser justo para as pessoas virem. Nós enquanto ZigurArtists não recebemos “tusto” por isto, é tudo feito com sangue, suor e lágrima, com amor à camisola. Em cinco anos nunca recebemos dinheiro nenhum porque o dinheiro que a Câmara nos dá é efetivamente para pôr este festival de pé. O nosso orçamento é incrivelmente curto, mas desde que dê para pagar os cachets, palcos, refeições e os instrumentos para as bandas tocarem, é tudo o que nós precisamos para que o festival aconteça. Felizmente temos este apoio da Câmara e do Teatro que são incansáveis connosco, que nos aturam horas e horas, os nossos dilemas, dramas e entusiamos, quaisquer eles que sejam. Esse conforto permite-nos jogar com o preço dos bilhetes tão baratos. Seria injusto estarmos a cobrar um preço para concertos na rua porque o nosso recinto é totalmente aberto e o que nos interessa é que haja pessoas na rua, que haja um espírito de comunhão em torno da música que nós lá levamos. O importante é que as pessoas se sintam bem-vindas.

TM – Há algum concerto para o qual as expetativas sejam altas? 

AS – Eu tenho expetativas para todos os concertos. Nós tentamos que o cartaz do festival seja feito um pouco com aquilo que nós fomos vendo ao longo do ano, ou seja, é um pouco indispensável ver uma banda antes de a sugerirmos ou de a incluirmos no cartaz. No mesmo sentido, também não somos um festival com cabeças de cartaz óbvios. Talvez haja sempre dois, três, ou quatro nomes que são mais óbvios e mais reconhecidos pelo público no geral, mas nós atribuímos sempre a mesma importância tanto ao concerto que vai abrir o festival como aquele que vai tocar no Teatro às 21h30, como aquele que toca às 2 da manhã para fechar. Normalmente quando falamos com as bandas, tentamos programar as coisas de acordo com o tempo que eles querem tocar. Nunca impomos tempo, não convém ter um concerto de três horas, mas se alguém nos disser que quer tocar um pouco mais daquilo que seria previsível ou normal, nós deixamos porque é importante também que as bandas consigam passar a sua mensagem e fazer aquilo que querem fazer. 

Dito isto, eu estou com muitas expetativas para muito concertos. Quero dizer os Pop Dell’Arte porque são a minha banda favorita há muito tempo e este ano já os vi pelo menos duas vezes, são sempre soberbos. Ao mesmo tempo também quero dizer que estou muito expetável pelo concerto dos Roundhouse Kick, são a banda que vai fechar o festival. Nós desde de 2013 temos procurado sempre uma componente dançável para encerrar o festival. Já tivemos o Mr. Herbert Quain, já tivemos os NIAGARA da Príncipe Discos, tivemos os Sabre no ano passado e este ano vamos ter os Roundhouse Kick, mesmo para tentar fechar em festa numa dimensão quase comunal com a música. Estou bastante entusiasmado com os concertos das bandas da nossa casa. Os Burgueses Faminto vão apresentar um concerto especial com o João Pedro Fonseca, o nosso artista residente em Lamego. Berlau & AM Ramos vão voltar a casa, por assim dizer, pois eles conheceram-se no festival. Gravaram um disco já este ano e agora vêm apresentá-lo ao festival. O Dragão Inkomodo vai ser de certeza absoluta um concerto muito desafiante e interessante de ver.
TM – Eu sei que ainda é cedo mas já tem alguns planos para a sétima edição?

AS – Ainda é cedo mas quase de certeza absoluta vamos manter os três dias de festival. Este ano vamos testar alguns palcos, algumas zonas da cidade para fazer estes concertos. Quiçá no próximo ano tenhamos um novo palco numa outra zona da cidade. Temos uma lista de vinte nomes que por um motivo ou por outro não encaixaram no festival deste ano. Pode ser que algum deles venha a cair. Não te vou dizer por surpresa, mas é óbvio que todos nós temos sonhos. Acho que depois de Pop Dell’Arte cá falta-nos trazer Mão Morta. Isso seria o sonho derradeiro. Há imensas coisas que gostaríamos de fazer e são o tipo de coisas que são abordadas ano a ano. Posso te garantir, isto sim , que é uma regra que existe desde o primeiro ano, não vamos ter bandas repetidas de nenhuma das edições que tivemos até agora. Começamos a dizer meio a brincar e agora a coisa é um pouco mais séria. Nós acreditamos mesmo que podemos fazer à vontade umas dez edições deste festival sem repetir nomes e a trazer coisas consistentes e novas. Portanto o nosso esforço vai ser sempre nesse sentido e tenho a certeza que vamos conseguir surpreender-nos, primeiro a nós mesmos por essa ausência de repetições e depois, espero também que tanto o público como todas as outras pessoas que têm aparecido se sintam surpreendidas. O melhor é esperar o inesperado e esperar que gostem.

TM – O que tens ouvido nas últimas semanas? 

AS – Por uma questão de organizar o festival tenho ouvido maior parte das bandas que vão passar por cá. Ouvi o novo disco do Dragão Inkomodo que ele me enviou e que devemos editar mais para o final deste ano. Ouvi um disco que ainda nem sequer sabia que tinha saído, In the Mouth a Hand, dos Fire! With Oren Ambarchi, um guitarrista australiano que esteve cá no OUT.Fest há uns anos. Ouvi também o disco da NAO, For All We Know. Ela faz R&B muito orelhudo, com algumas influências de pop e hip hop. Vale imenso a pena. Ouvi o novo disco do Jack DeJohnette, que foi baterista durante muito tempo do Miles Davis. Tem um disco excelente com o Ravi Coltrane e Matthew Garrison, In Movement. Descobri uma banda polaca por acidente chamada LOTTO, que é minimalismo puro e também bastante interessante. E um dos discos mais divertidos que ouvi nos últimos meses de uma dupla chamada Dieterich & Barnes e o disco chama-se The Coral Casino. É uma mistura de jazz com pop. Um deles toca nos Neutral Milk Hotel (Jeremy Barnes) e o outro nos Deerhoof (John Dieterich), portanto é uma fusão bastante engraçada.
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