Mazarin em entrevista: “Pendular é uma viagem e uma oscilação constante entre estilos”

Mazarin em entrevista: “Pendular é uma viagem e uma oscilação constante entre estilos”

| Agosto 4, 2024 1:26 pm

Mazarin em entrevista: “Pendular é uma viagem e uma oscilação constante entre estilos”

| Agosto 4, 2024 1:26 pm

Lançado no passado mês de fevereiro, Pendular é o álbum de estreia dos Mazarin. O quinteto lisboeta com raízes bejenses é atualmente constituído por Vicente Booth (guitarra), João Spencer (baixo), Léo Vrillaud (teclados e sintetizadores), Francisco Bettencourt (saxofone alto e flauta) e João Romão (bateria e percussões).

Selo inaugural da Now Jazz Agora (editora recém-fundada por Rui Miguel Abreu), Pendular foi cozinhado ao longo da pandemia e mostra uma versão de Mazarin que, apesar de manter a sua génese centrada algures entre o jazz e o hip hop, abraça uma estética muito pegada à eletrónica e à música africana.  O álbum, com oito faixas que perduram pouco mais de quarenta e cinco minutos, conta também com nomes como Soluna, Gil Dionísio, Rodrigo Brandão, Sara Badalo e João Frade no papel de convidados.

Numa manhã calorosa em Beja, a Threshold Magazine juntou-se com dois membros do grupo, João Romão e João Spencer, na esplanada do Alentejo On Store Café (do outro lado da estrada do Cine-Teatro Pax Júlia, onde fecharam a tour de apresentação do disco no passado dia 22 de junho), para falar sobre esta nova era de Mazarin e como gradualmente chegaram a este ponto no tempo. Como é que vocês descreveriam este vosso novo LP, o Pendular?

João Romão (JR) – Epá… É uma viagem e uma oscilação constante entre estilos.

João Spencer (JS) – Aliás, é precisamente dessa oscilação que vem o nome. O início do disco, nomeadamente os dois primeiros temas – “Seagulls” e “Deuses e Tolos” – têm aquele ponto de referência centrado algures entre o jazz e o hip hop, que é mais parecido com aquilo que fazíamos em lançamentos anteriores. No entanto, à medida que o disco vai progredindo, vão-se percebendo novos pontos de referência: da eletrónica à música africana (nomeadamente o afrobeat e o funaná). Já para não falar que o Rafael Correia [coprodutor do álbum] foi fulcral para essa trajetória. Apesar de estar mais ligado ao hip hop, ele ajudou-nos muito na questão da eletrónica, do sampling, de beats, etc… Enfim, houve de facto imensas inovações sonoras para Mazarin, neste álbum.

JR – E a incorporação da música eletrónica é uma coisa que se tem visto pelo mundo todo, até. Tem ganho um papel cada vez mais preponderante na música.

JS – Sim, e nós já estávamos a transitar para estas vertentes de uma forma mais gradual. Aliás: é perceptível que já andávamos a apontar um bocadinho mais para este tipo de produção no EP anterior [Monster Jinx Cromática, Vol.12, lançado em 2022]. Além disso, há sonoridades do Pendular que já se viam – nem que seja de relance – noutros lançamentos: nomeadamente aquela bateria à la Tony Allen que o Romão faz na “Lavender Town” [inserida no EP homónimo de 2018].

JR – Sim, existem sempre convergências, nem que seja na própria estética do som ou até nos próprios instrumentos a serem tocados, que têm sido essencialmente os mesmos.

Pois, e o facto de a banda ter tido algumas mudanças de membros ao longo do seu tempo de vida também há de ajudar a criar algumas divergências na sonoridade.

JR – Sim, acho que é mais por aí.

Quanto tempo é que este álbum esteve no forno?

JR – Desde o primeiro ano da pandemia.

JS – Sim, apesar de haver músicas que já tinham sido esboçadas pelo Leo [teclista], nomeadamente a “Colours” e a “Caçadores”.

E um dos ingredientes que espetaram no forno foi uma vasta gama de convidados. Falem-nos um pouco acerca disso.

JS – Por muito redutor que isto possa parecer, a maior parte foi culpa do Leo. Isto porque a maior parte deles tem alguma ligação com o Algarve, onde ele reside. No entanto, também reflete a nossa versatilidade, até porque temos de tudo: dois tipos do spoken word [Gil Dionísio e Rodrigo Brandão]; um acordeonista mais ligado ao jazz [João Frade]; a Soluna, que é mais ligada ao soul, mas que tem explorado algumas influências mais urbanas no seu projeto a solo; e a Sara Badalo, que canta de tudo (tanto que agora faz parte do grupo do The Legendary Tigerman).

Aliás, isto de colaborarmos com vocalistas não nos é algo estranho, visto que – em algumas circunstâncias – chegámos a tocar com alguns ao vivo, nomeadamente com a Amaura; ou em 2019, no concerto de celebração ao 25 de abril no Musicbox, com o Edgar Valente, a Bárbara Maximino e o Coro dos Anjos. Ainda assim, a inclusão de vocais continua a ser uma das inovações para Mazarin, num ponto de vista mais discográfico e de estúdio.

No entanto, existe um ingrediente em falta neste álbum: videoclipes. Aliás: isso fez parte da receita do vosso EP homónimo (com “Bee Gees”), mas não na deste disco. Porque é que nenhum dos singles do Pendular teve direito a esse brinde?

JR – Não há dinheiro, pá [risos]. Mas é uma cena que está para sair, eventualmente.

JS – E está a ser tratado. Mas, epá, o próprio processo de fazer este álbum já foi um quanto demoroso. Dito isto: quando o acabámos, estávamos todos bastante ansiosos por mostrar o produto final, e achámos que fazia completo sentido guardar todo o tempo e esforço que envolve a criação de um videoclipe para a etapa do pós-lançamento.

JR – Além disso, o videoclipe do “Bee Gees” foi uma situação muito específica e pontual: dois amigos nossos chegaram-se a nós e disseram: “olha, queremos fazer-vos um videoclipe”.

JS – Ah, sim! Isso facilitou muito o processo, de facto. Os dois amigos em questão são o Tiago Lopes [atualmente membro dos Cancro] e o Frederico Claro, que já têm experiência em imagem e videoclipes.

E falando de singles: porquê a escolha do “Chester” e do “R.B. – j.b.” para serem a cara promocional do disco?

JR – A “Chester” foi por ser a minha música favorita do álbum, e olha tive que tive de lutar muito! [risos]. Foram precisas opiniões externas a dizer que aquilo é um malhão para conseguir fazer daquilo single.

JS – Pois, já o “R.B. – j.b.” foi mais uma questão de ser um dos temas vocais do disco. E fazia todo o sentido anteciparmo-nos com um tema vocal: não só por uma questão comercial, mas também para introduzir este novo lado discográfico de Mazarin.

JR – É isso e o facto de ser uma das mais curtinhas: não podíamos estar a lançar dois singles de oito minutos.A era do “Pendular” é também marcada pela adição oficial do Francisco Bettencourt como membro dos Mazarin, depois de colaborar com a banda em projetos como Monster Jinx Cromática, Vol. 12 ou a vossa versão do “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.

JS – E é uma grande adição, diga-se desde já. Aliás: ó Romão, tu e o Francisco não chegaram a ser colegas de faculdade, ou alguma coisa assim do género?

JR – Sim.

JS – Pois, realmente tinha ficado com essa impressão. Mas, pois bem, sendo nós uma banda de jazz, é fácil olhar para o Francisco e vê-lo apenas como o nosso sax player.

JR – [risos].

JS – Sem qualquer intenção de trocadilho, evidentemente.

JR – Sim, sim. Continua, Spencer [risos].

JS – Mas pronto: além de saxofonista, ele também é um grande flautista, o que acaba por criar uma influência e versatilidade bastante substancial na banda. Uma grande adição, sem a menor sombra de dúvidas.

De destacar também que este disco é o selo inaugural da recém-fundada editora Now Jazz Agora. Como é vestir essa camisola e como é que começou essa ligação?

JS – A nossa grande dúvida era mesmo decidir com que editora iríamos lançar o Pendular. Entretanto, o Rui Miguel Abreu [fundador da Now Jazz Agora] – por quem guardamos grande carinho – estava com ideias de criar uma label e sugeriu-nos ingressarmos o projeto e lançarmos o disco sob esse selo. Ora, aceitámos porque chegámos à conclusão que existia um encaixe perfeito entre Mazarin e a Now Jazz Agora.

JR – Sim, e é bom vestir esta camisola porque é sempre positivo que existam labels que queiram divulgar um jazz que saia assim um bocado do estilo mais convencional. Agora, é esperar para ver quem são os próximos artistas a juntarem-se a esta equipa.

Mazarin é uma banda que se divide entre Beja e Lisboa. Dito isto: como fazem esse balanço e divisão de tempo entre as duas cidades? Por exemplo: ensaiam mais por Beja ou por Lisboa?

JR – Em Beja. E é muito mais fixe. Epá, é complicado fazer coisas na grande cidade, enquanto em Beja conseguimos desprender-nos de muitos custos monetários: não temos custos de sala, podemos ensaiar até às horas que quisermos e, quando acaba o ensaio, posso ir para casa a pé. Pá, e esta última é algo que eu prezo mesmo muito. Gastar 1,80€ para ir para casa? Não, obrigado.

Um dos concertos de apresentação ao Pendular aconteceu em Beja (no Cine-Teatro Pax Júlia), que poderá ser considerado como jogar em casa. Como foi?

JS – Foi um concerto especial, sem dúvida. Não só findámos esta mini tour de apresentação naquela que é a terra natal de alguns membros (e que serve ocasionalmente de “base de operações” do grupo desde os primeiros passos do mesmo), como o fizemos no auditório principal de uma das casas mais importantes do município, e com o que esperamos ser a primeira de várias colaborações com duas pessoas: o Gabriel Marmelo enquanto VJ e o Vasco Mendes enquanto técnico de som. Ambos fizeram um trabalho incrível, e que, em conjunto com o feedback dado pelo público presente, tornou este concerto de encerramento de tour muito gratificante.

Mazarin

 

Também fizeram a vossa estreia no Porto (Passos Manuel).

JS – Sim. Surpreendentemente, nunca tínhamos tocado no Porto. Já tínhamos tocado lá perto (nomeadamente em São João da Madeira e no Paredes de Coura), mas nunca na cidade do Porto. Epá, tínhamos de picar esse ponto.

Outro ponto picado foi no Piolho (Praia da Tocha, município de Cantanhede). Como foi, tendo em conta que se trata de uma localidade bastante pequena?

JR – Foi completamente surpreendente. Eu não quero dizer que tinha as expectativas bastante baixas para esse concerto, mas a verdade é que a Praia da Tocha é uma localidade bastante pequena e mais direcionada para o turismo de verão. Durante o resto do ano, a população desce para… vá, cerca de 30%, ou algo assim do género. No entanto, a adesão do público foi bastante surpreendente! Havia muita malta jovem! Já agora, props para o Piolho: eles estão ali a fazer uma mão cheia de coisas.

JS – Sim, este tipo de iniciativas – com uma programação tão eclética – fazem falta; ainda mais quando feitas fora da metrópole. É malta com visão, e é necessário haver malta assim para descentralizar a cultura em Portugal e mostrar que este país não é só Lisboa e Porto.

Chegando então à reta final da entrevista: que artistas ou bandas mais têm ouvido, ultimamente?

JR – Tenho ouvido bastante Nubiyan Twist, uma banda de Londres que lançou um álbum há pouco tempo, mas que ainda não tive tempo de ouvir.

JS – Eu e o Vicente [guitarrista] temos ouvido coisas mais ligadas à eletrónica de dança e ao ambient, por exemplo. Sei também que alguns de nós temos tido interesse em bandas portuguesas como Gala Drop ou Sensible Soccers. Além disso, estamos a ouvir muito daquele afro-jazz que tem surgido em Londres. Aliás, no fundo, diria inclusivamente que o que temos ouvido tem influenciado muito o som de Mazarin. No entanto, tentamos encontrar um balanço entre as nossas influências e a nossa própria identidade de uma forma assim meio camaleónica.

E o que podemos esperar dos Mazarin, num curto-médio prazo?

JR – Não sei… Sei lá, um álbum novo, para o ano! [risos]

JS – Acho que todos gostávamos!

JR – A curto prazo… Pá, espero que venham muitos concertos.

JS – Exato. Aliás, quem esteve nos nossos últimos concertos pode confirmar que, além de apresentarmos o Pendular, já tocámos algumas malhas inéditas.

E malhas de 2018? Assim como um à parte, para acabar a entrevista.

JS – Não, isso já não.

JR – Isso já está datado e fechado. Só se aparecer um bacano a pedir com mesmo muita força

E as músicas estão mais ou menos ensaiadas, para caso isso aconteça?

JR – Não, não, não [risos]. Acho que não tocamos nada desse EP desde que a Lana Gasparotti substituiu o Leo num concerto em Évora há dois anos. Por isso, vê lá: a última vez que isso aconteceu, nem foi com a teclista da banda. Já agora, props para a Lana. Ela é sista, mesmo.

 

Fotografia: Doctor Von Jay

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