Cancro em entrevista: ” ‘Influência Artificial’ é uma afirmação do nosso som”
Cancro em entrevista: ” ‘Influência Artificial’ é uma afirmação do nosso som”
Cancro em entrevista: ” ‘Influência Artificial’ é uma afirmação do nosso som”
Após uma pausa forçada causada pela pandemia, os Cancro (Tiago Lopes, José Penacho e Fábio Jevelim) lançaram em fevereiro o seu segundo álbum: Influência Artificial. Trata-se de um disco que — mesmo com os seus vestimentos de eletrónica industrial — apresenta-se como um punk puro e duro, acompanhados pelos vocais e líricas do frontman Tiago Lopes, que procura expôr o que a banda denomina de “cancros sociais”.
Estivemos à conversa com José Penacho e Fábio Jevelim, na qual discutimos o impacto que a pandemia causou no grupo, o regresso aos concertos, as conexões entre ambos os álbuns e até mesmo o próprio nome do projeto.
Despachamos já a pergunta mais clichê: como é que a banda Cancro nasceu?
Fábio (F) – Primeiro veio o conceito; depois, a montagem da equipa. Na altura, estavam a sair bué cenas trá-lá-lá, e isso estava a ficar um pouco engonhante. Por isso, eu e o Zé tivemos a ideia de criar uma banda mais dura, e acabámos por convidar o Tiago por acharmos que a sua estética e estilo — que até já conhecíamos mais ou menos bem por causa de outras bandas — eram ideais para nos representar enquanto frontman e completar então esta nossa dinâmica de power trio que aborda os temas dos cancros sociais de uma forma crua e potente.
Zé (Z) – Exato: nós queríamos uma cena super pedrada e dura, mesmo para a ofensiva. Por isso, tinha que ser o Tiago. Dito isto: primeiro surgiu a ideia, depois a montagem da equipa, e só depois o nome Cancro.
E porquê o nome Cancro?
F – Porque Britney Spears já estava ocupado [risos]. E então, acabámos por escolher Cancro.
Mas era o único nome em cima da mesa?
F – [risos] Não, foram só esses dois [risos]. Britney Spears já estava ocupado, e a segunda opção pareceu-nos bem porque pega no conceito dos cancros sociais: algo que consideramos que até tem piorado desde que a banda foi fundada. Além disso, é um nome muito forte e relembrável.
E quão fartos estão deste clichê do nome? Isto é: o facto de — após cinco anos de banda — o nome ainda ser um tema tão recorrente, sempre que o tópico de conversa são os Cancro?
Z – Epá… Ya, mas isso andava mais puxado quando a banda ainda era mesmo recente. Eu ouvia opiniões dos dois pólos: uns gostavam, outros não… Mas eu acho que o pessoal já aceitou (até porque a banda já não é propriamente nova). Claro, ainda há pessoal que conhece a banda pela primeira vez e que tem a tal primeira reação ao nome, mas um gajo tem de viver com isso, até porque nós já estávamos a contar que a resposta da malta fosse por essas ondas.
Há que destacar, no entanto, que as vendas do primeiro álbum — +(mais) — reverteram para o IPO (Instituto Português de Oncologia).
Z – Sim, sim, sim. E vamos fazer o mesmo com o Influência Artificial: é ir somando uma guita fixe lá para o IPO.
Deixemos agora então o nome em paz e falemos dos Cancro enquanto banda: o Influência Artificial — o vosso segundo e mais recente álbum — parece carregar um registo bastante semelhante ao seu antecessor. Porquê?
F – Nós lançámos o primeiro álbum no final de 2019. Entretanto, veio a pandemia e acabámos por não ter a oportunidade de o tocar muito ao vivo (para se ter noção: dentro de vinte e tal concertos agendados, acabámos por só fazer uns cinco ou seis). Além disso, o facto de os sítios estarem sempre a abrir e a fechar também não ajudava. Ora, como não houve essa tal oportunidade de apresentar o +(mais) da forma que queríamos (e também porque tínhamos algumas músicas dessa época ainda guardadas na gaveta), achámos que fazia sentido continuar com o mesmo registo. Aliás, se quiseres, até podes ver o Influência Artificial como uma espécie de lado B do +(mais), mas com a diferença de que agora podemos apresentá-lo ao vivo na sua plenitude.
Z – Ya, os anos do Covid não contaram [risos]. Agora é que dá para rockar, o que é altamente. Além disso, o Influência Artificial acaba por ser também uma afirmação do nosso som, com uma linha estética muito mais bem conduzida e regada. É bastante possível que a sonoridade mude num eventual terceiro álbum mas, por enquanto, é esta a linha que seguimos.
F – Epá, e mesmo que tenhamos ficado um pouco entalados com toda esta questão do Covid, ainda fizemos alguns concertos importantes, nessa altura: nomeadamente o do Bons Sons e o do Iminente, que nos deram a oportunidade de testar como é que a banda funciona ao vivo. Mas, epá… Era impossível fazer um plano consistente naquelas condições. Dito isto, achámos que fazia mais sentido lançar este álbum depois da pandemia assentar: até porque há uma grande diferença entre lançar um single aqui e acolá (sem saber quando é que o podes apresentar ao público); e lançar tudo de uma vez (algo que não fazia sentido num contexto pandémico), fazendo de seguida um plano de futuro e ter aquela liberdade para mostrar o que fizeste em moldes de concerto. Quando se adicionam restrições, perde-se um bocado aquele prazer de tocar.
Um dos grandes destaques, tanto no +(mais) como no Influência Artificial, são as letras.
Z – Ah! Isso é obra do Tiago: o gajo tem aquela cena de poeta e escreve de caraças.
F – Sim, o Tiago faz as letras e depois vamos a estúdio. Epá, há vezes em que ele vem com textos enormes, e o nosso trabalho lírico é mais a cena de nos chegarmos a ele e dizermos-lhe, tipo: “epá, corta um bocado o texto” ou “olha, isto não é musical o suficiente para esta malha”. Isto porque o nosso trabalho cai mais na parte da produção, e confiamos a parte lírica no Tiago porque são letras muito fortes e agitadoras.
Já assim o era em Balão Dirigível.
F – Sim. Aliás, eu conheci-o a partir dessa banda. E, epá, ele tem as letras perfeitas para Cancro porque trata-se de uma banda feita para falarmos de assuntos atuais, e ele fá-lo de uma forma bastante metafórica.
Quando se olha para a lista de faixas do Influência Artificial, há uma canção em específico que salta à vista: Fala-me, cover originalmente lançada pelos Santos & Pecadores.
F – Na verdade, nós já tocamos essa música há bastante tempo.
Z – Foi logo a seguir do +(mais), até.
F – Exato. Isso estava nas setlists dos concertos pré-pandemia. Epá, isso veio da ideia de fazer uma cover de uma canção que não só o pessoal não estivesse à espera, mas que também tivesse uma letra que pudesse ser metafórica o suficiente para a gente conseguir interpretar dentro do próprio conceito dos Cancro. Isto é: conseguir criar uma segunda interpretação da música, liricamente e musicalmente falando. Eu acho que dá uma força diferente a uma música já incrível, dos Santos & Pecadores.
Outra coisa que chama à atenção dentro de todo o universo Cancro são os videoclipes.
Z – Ah, isso também é obra do Tiago. O style dele é basicamente fazer vídeos tipo que estás a mexer no Paint [risos].
F – Quando queremos fazer um videoclip, atiramos um monte de ideias para o ar, por vezes com alguns vídeos de YouTube que a gente manda ao Tiago. Depois, pronto, ele lá monta a cena em casa de uma forma toda crazy, com uns filtros completamente esquisitos e podres.
Voltemos a falar de nomes: porquê +(mais) e Influência Artificial para títulos de álbum?
F – O +(mais) foi mesmo no início da banda, quando a cena ainda não estava bem regada. Ainda assim, nós sabíamos que o conceito dos Cancro giraria à volta dos cancros sociais, mas também queríamos acabar o álbum com uma nota positiva, percebes? Nós temos todo este instigar e revolta cá dentro, mas acredito que é possível tornar isso numa cena positiva.
Z – Ya, mas também há toda a cena do consumismo: de querermos sempre mais. Tu só queres mais, mais e mais. Nunca menos. Aliás, até tenho a impressão que foi o Tiago quem mandou essa dica. Por isso, ya, há aí uma dicotomia do positivo e negativo. Isto é: acabar com uma nota positiva, mas querer sempre mais e mais.
Já o Influência Artificial… Epá, nós andávamos ali a freakar com o ChatGPT e todas essas cenas que andam por aí. Aliás, a primeira malha chama-se Animal Digital e é sobre toda essa cena das redes, e como o avanço está a começar a ficar fora de mãos. Isto é uma referência que o Tiago faz em muitas malhas: todo o conceito de influência digital, e como o mundo se revolve à volta dessa ideia. E pronto: é essa a nossa mensagem de intervenção punk.
Há bocadinho estávamos a falar da falta de concertos na época da pandemia. Entretanto, desta vez, finalmente tiveram a oportunidade de apresentar o álbum na sua plenitude.
Z – Sim, e isso é altamente. Rockar.
[risos] Ora, se não estou em erro, vocês apresentaram o Influência Artificial pela primeira vez em meados de fevereiro, na Musa, em Lisboa. Que tal de feedback?
Z – Pá, até agora tem sido fixe. Há malta que diz que sente mais este do que o outro, e também há quem tenha sido apanhado de surpresa porque, apesar da semelhança de registo entre os dois discos, este último puxa um pouco mais pela parte mais eletrónica da cena.
Além disso, a gente ainda está numa fase de apalpar terreno. Isto é: ainda estamos a receber feedback à medida que a música vai chegando a cada vez mais sítios, quer seja por entrevistas, concertos, ou até mesmo videoclipes. Havia muita malta que desconhecia a banda antes do lançamento deste álbum, por causa de toda essa questão de pandemia e quês… Mas ya, o feedback tem sido positivo! E é sempre para partir, especialmente com o Tiago ali, que dá sempre um grande show. Aliás, se reparares, o microfone dele está todo amolgado, por conta de toda essa freakalhice [risos].
[risos] Outro concerto que destaco foi o de Beja, nos Infantes, em abril. Digo isto porque dois de vocês (Tiago e Zé) cresceram lá e até tiveram lá uma banda (Balão Dirigível). Como é voltar a tocar em Beja, dois anos após o concerto na Pracinha, para o Nada Fest?
Z – Ah, este foi bem melhor do que o Nada Fest.
F – Sim, mas não foi por causa do festival, que foi bastante fixe: foi mesmo o facto de estarmos ali a tocar no meio do verão, ao ar livre, com quarenta e tal graus. Foi horrível.
Z – Sim, epá… esse fest não contou. Valeu pelo jantar no Pereira (Restaurante Entre Arcos), até porque o Pereira é o Pereira: aquele tasco mesmo pesadão.
[risos] Grande Pereira.
F – Mas ya, esse concerto rendeu mais. Até sentimos o pessoal mais próximo
Z – Sim, e havia mais malta.
F – Claro. O pessoal mais livre, a beber sem restrições do Covid e sem estar ali a morrer com quarenta e cinco graus. Quarenta e cinco!
Z – Ya, eu acho que, pondo-me no lugar do público, eu não me teria metido nesse gig. Mas pronto, o concerto dos Infantes foi mesmo jogar em casa: tanto para mim como para o Tiago. Aliás, eu até notei que ele estava assim num estado mais emocional: afinal, vivemos lá a vida toda. Ainda me lembro que, na altura em que ainda havia Balão Dirigível, os concertos de Beja eram aqueles que nos deixavam mais nervosos porque estavam sempre cheios de malta que a gente conhece. Por isso, ya, é um ambiente especial, e acho que a malta curtiu do gig dos Infantes. Até veio um bacano ou outro ter comigo, a dizer que guardaram as malhas no Spotify, e isso é mesmo muito fixe.
E esse concerto estava inserido na iniciativa Super Bock Super Nova. Como é que Cancro foi aí parar?
F – Na verdade, já estávamos incluídos no Super Bock Super Nova desde o primeiro álbum.
Z – Ficaram-nos a dever isso, e nós fomos reclamá-lo.
F – Pois. Não o fizemos na altura porque, mais uma vez: Covid. No entanto, fomos mantendo contacto com o pessoal, para uma eventual próxima vez. Ainda se voltou a falar disso, numa daquelas alturas em que as cenas abriam para voltarem a fechar uma ou duas semanas depois, mas não dava… Também chegaram a voltar a contactar-nos depois da pandemia mas, por essa altura, já o álbum tinha um par de anos, e achámos que não fazia sentido. Ora, quando lançámos este novo disco, falámos com eles, e eles curtiram o novo álbum e demonstraram vontade em avançar com aquilo que não pôde ser avançado, até então.
Já agora: vocês consideram-se mais uma banda de estúdio ou de concerto?
F – Concerto. Aliás, qualquer banda que puxe assim com um pouco mais força é melhor em concerto [risos]. Ganham peso, e as pessoas conseguem ver melhor a atitude: a vivo e a cores. Ainda assim, tanto eu como o Zé adoramos produzir: fazer cenas em estúdio é brutal.
Para acabar: o que mais têm andado a ouvir mais, nestes últimos tempos?
F – Epá, eu tenho andado a ouvir umas playlists turcas.
Turcas?
F – Ya. Psicadélica. Música psicadélica turca. E umas cenas cubanas, também. Opá, eu gosto de música psicadélica, seja ela de onde for, e eu nunca tinha explorado o cenário psicadélico da Turquia, exceto Erkin Koray.
E tu, Zé?
Z – Epá, eu tenho explorado bué o ambient por causa de um programa que tenho agora na rádio (Ambientador, na Rádio Futura), então tenho de andar sempre à procura de umas playlists. Ora, dentro dessa vertente, tenho curtido bué de cenas tipo Green House, Harold Budd, Brian Eno, Kelly Lee Owens… epá, coisas completamente opostas a Cancro [risos].
Ah, e tenho também andado a ouvir uma cena mais freakalhaça: os Still House Plants, uns punks que lançaram um disco altamente, chamado If I Don’t Make It, I Love You. É uma cena assim mais para o maradex: punk freaky com uma cena assim meio spoken word.