Mykki // !K7 Records // setembro 2016
7.4/10
Mykki Blanco. O nome não é estranho para muitos de nós. O rapper negro que bloqueou todo Portugal da sua página pessoal no Facebook. No que depois se tornou num meme deixou cegos muitos apreciadores de música; Mykki Blanco é muito mais do que uma situação desconfortável para a cisheteronormatividade portuguesa (tendo ele toda a sua razão no sucedido); Mykki é um artista de todo um calibre diferente para a cena do hip-hop que cada vez mais se torna num marco de influência sónica para artistas em crescimento, como Young Thug. E este novo projeto não passa nada mais nada menos do que o seu primeiro álbum de estúdio, que, junto já à sua veia experimental e avant-garde adiciona os sons de Woodkid, Jean Deaux e Jeremiah Meece que nos prepara para toda uma nova visão do rapper.
Mykki, o nome do álbum, self-titled como o registo que é lido nele, extremamente pessoal e provavelmente o registo mais vulnerável que Mykki alguma vez escreveu. Uma história de identidade gerada e centrifugada muito à volta do conceito de genderfluídez, na rejeição social do que é estar na sua pele e o empoderamento de toda a sua interseccionalidade; como é de se notar na balada “You Don’t Know Me”, que toca no assunto de Mykki ter-se assumido como seropositivo no início de 2015 e o impacto social que isso obteve quando era uma coisa tão pessoal, e também descreve a visão de como Mykki e os seus amigos o vêem e como ele queria ser visto pelos fãs.
A sonoridade deste primeiro álbum de estúdio (à parte do seu primeiro single “Highschool Never Ends” com a colaboração de Woodkid, que experimenta com toda aquela sonoridade de cordas e vanguardismo que nos é tão familiar e facilmente identificável com Yoann e os seus vocais maravilhosos, mas que nos leva para um sítio muito diferente aos sítios que Lemoine nos costuma levar. É uma luta entre self-acceptance e o preconceito geral das massas: It’s like highschool never ends) é toda muito homogénea no sentido em que cairia sempre bem numa festa queer no MUSICBOX, para umas vogue sessions e a que melhor representa isso é “For The Cunts”, uma música com um flow muito próprio que canta “Smokin blunts/With the cunts/Y’all in the club like” e é continuado com uma sample assustadora de risos de uma criança; o próprio Mykki disse em entrevista que esta música era para ser uma música para o público gay, para dar o seu contributo para a club scene e até se atreve a dizer que é uma música que seria passada em RuPaul’s Drag Race.
Mas na minha opinião as reais estrelas do álbum são as três faixas que vêm de seguida “My Nene”, “The Plug Won’t” e “Hideaway”: “My Nene” uma música sobre um romance que Mykki teve e é lido num tom muito jocoso, muito playful mas mesmo assim muito sexual e voraz, com um dos outros mais poderosos de todo o álbum em que o rapper canta em espanhol; depois disso entra logo num som muito industrial e intenso de “The Plug Won’t”, que começa num flow mais agressivo e quando chega ao refrão torna-se em algo mais ternurento e R&B, mas num sentido quase que irónico porque a música lida muito com drogas e que sobre a influência delas nada é real; e por fim chegamos à, na minha eleição, melhor faixa deste debut de Mykki Blanco, “Hideaway”, com produção e colaboração de Jeremiah Meece. Digo-a a melhor faixa do álbum porque realmente a evolução desta faixa é louvável, a entrada dos drums, o refrão que parece sussurrado por anjos (e agredecemos a Jeremiah por isso). A transição de refrão para verso que quebra o sonho e nos leva ao nosso assento no autocarro outra vez. Caso não tenham percebido é uma faixa muito dreamy mas a letra conta uma história diferente, é uma história de um queer mob boss da maneira como o Notorious B.I.G. contava as histórias dele.
Ainda temos mais 5 faixas que constituem o álbum mas as mais importantes entre essas têm que ser: “Fendi Band”, uma faixa muito política, muito punk, muito hardcore hip hop, um clássico de Mykki Blanco; e “I’m In A Mood”, a faixa que abre o álbum que tem uma pequena colaboração com vocais de Jean Deaux, que fazem toda a faixa ter uma outra sonoridade, uma faixa muito melodiosa, que trata muito da expressão de género de Mykki enquanto genderfluid e como adora a abraçar a sua feminidade com a sua masculinidade, uma faixa hino que define o álbum.
Mykki Blanco demorou algum tempo até nos mostrar o produto final do seu primeiro álbum de estúdio mas agora que a espera finalmente terminou, não conseguimos parar de ouvir a obra de arte que ele criou. E se não se contentam com música ouvida pelos auscultadores no computador podem sempre fazer como nós e ir vê-lo ao vivo no Jameson URBAN Routes, que sem qualquer sombra de dúvida será uma experiência única.