Noiserv em entrevista:” A música portuguesa está numa das melhores alturas”
Noiserv em entrevista:” A música portuguesa está numa das melhores alturas”
Fevereiro 1, 2017 1:25 am
| Noiserv em entrevista:” A música portuguesa está numa das melhores alturas”
Fevereiro 1, 2017 1:25 am
|
Três anos depois da edição do último longa duração, noiserv regressou com disco novo. 00:00:00:00 é o nome do sucessor de Almost Visible Orchestra, e foi descrito pelo músico lisboeta como “a banda sonora para um filme que ainda não existe, mas que talvez um dia venha a existir”.
Neste disco noiserv substitui a sua tão característica “orquestra de sons” para nos mostrar um piano tocado a muitas mãos e uma voz que nos conta histórias em português.
Threshold Magazine (TM) – O que podemos esperar de 00:00:00:00?
Noiserv – O esperar é relativo. Cada um tem que ouvir e perceber se gosta ou não gosta, perceber o que as músicas dizem. Embora este disco seja um bocado diferente dos outros e de se focar só no piano, acho que as músicas todas passam pelo mesmo género, de auto-crítica minha. Tenho de gostar muito das músicas para elas saírem. O que as pessoas podem esperar é um conjunto de músicas que eu gosto, à partida. Agora se as pessoas vão gostar disso ou não, depende das suas próprias conclusões.
TM – O que te levou a deixar a tua “orquestra de sons” e a pegar no piano?
Noiserv – Não foi bem deixar porque não sei se o meu próximo disco será obrigatoriamente em piano. A escolha dos discos, pelos menos para mim, é uma coisa que tu defines à partida, de como é que vai ser o disco. É tudo uma consequência de consequências, de coisas que tu vais fazendo e pequenos rascunhos de músicas que vais escrevendo. E de repente tens 10 rascunhos de músicas, e neste caso, esses 10 rascunhos que tinha eram em piano. Sendo um instrumento que eu gosto tanto, se não fosse agora, seria mais tarde que iria fazer um disco em piano. Como já tinha tantos rascunhos de músicas, pensei em fazer agora esse disco. Portanto, não foi obrigatoriamente a ideia de fugir ao que já tinha, foi mais aproveitar as coisas que surgiram ao piano.
Noiserv – Não foi bem deixar porque não sei se o meu próximo disco será obrigatoriamente em piano. A escolha dos discos, pelos menos para mim, é uma coisa que tu defines à partida, de como é que vai ser o disco. É tudo uma consequência de consequências, de coisas que tu vais fazendo e pequenos rascunhos de músicas que vais escrevendo. E de repente tens 10 rascunhos de músicas, e neste caso, esses 10 rascunhos que tinha eram em piano. Sendo um instrumento que eu gosto tanto, se não fosse agora, seria mais tarde que iria fazer um disco em piano. Como já tinha tantos rascunhos de músicas, pensei em fazer agora esse disco. Portanto, não foi obrigatoriamente a ideia de fugir ao que já tinha, foi mais aproveitar as coisas que surgiram ao piano.
´
TM – E a parte de contares estórias em português?
Noiserv – Isso vem também das primeiras brincadeiras que fiz com melodias, a cantar por cima dessas ideias ao piano. Fez-me sempre mais sentido em português, não sei muito bem porquê. A língua portuguesa encaixou melhor nos espaços que o piano deixava. Cheguei a fazer um ou dois testes em inglês e pareceu-me mais forçado. Aquilo que para outra estética me parece forçado em português, em inglês encaixa melhor. Aqui o português fez-me mais sentido. Mais uma vez, não foi “vou fazer um disco em piano e em português”, nunca pensei isso. As coisas foram acontecendo e depois tomei decisões consoante aquilo que se foi passando.
TM – Porque é que todas os títulos das canções são números?
Noiserv – Deve-se ao conceito do disco. A ideia é ser a banda sonora de um filme que ainda não existe, e se o filme não existe, então não existem as cenas onde aquelas músicas iriam aparecer. Nas bandas sonoras o que define o titulo da música acaba por ser o capítulo. Como isso não existia, pensei que não podia dar um nome à música, para não limitar a ideia desse possível filme. Desses rascunhos todos que tinha, na altura eram à volta de 30, as músicas que foram ficando mantiveram-se com o nome que tinham inicialmente. Portanto, a “SETE” foi o sétimo rascunho que fiz. Fui mantendo a ordem com que as músicas foram feitas.
TM – Se alguém quisesse utilizar a tua música como banda sonora, isso seria possível?
Noiserv – Penso que sim. Acho que se o filme fosse todo feito, as músicas utilizadas no filme fossem todas aquelas e isso fizesse sentido, justificaria todo o conceito do disco. Por isso, sim, se esse filme surgisse acho que seria engraçado perceber como aquilo funcionaria.
TM – Em que é que te inspiraste neste disco?
Noiserv – Nunca há assim nada que me inspire muito, o que inspira é eu gostar daquilo que está a acontecer, daquela mudança de acordes fazer sentido. E o que me leva a tomar as decisões não é estar a ser influenciado por um disco que ouvi, mas é a minha intuição, aquilo que gosto de ouvir ou não. Nestas músicas de piano, foi o conjunto das oito músicas que eu tinha, aquelas que eu mais gostei e que gostaria de ouvir num sitio qualquer. Não houve uma inspiração transversal às músicas, a ideia de ser filme acabou por condicionar um bocadinho a parte toda instrumental e de não serem mais músicas cantadas. Enquanto filme, haver uma grande componente instrumental seria importante. Isso terá sido a única coisa que influenciou alguma decisão mais relativa às músicas.
TM – Algumas das músicas fizeram-me lembrar a banda sonora de Good Bye Lenin! do Yann Tiersen.
Noiserv – Pois, eu acho que a sonoridade pode lembrar, o ambiente poderá ser parecido até porque vem do piano.
TM – Aqui estamos também no espaço da banda sonora.
Noiserv – Sim, portanto ainda mais se liga. Mas lá está, não foi ouvir aquela e pensar “Vou fazer um disco igual àquele”.
TM – Como surgiu a ideia para o vídeo de “SETE” e “VINTE E TRÊS”?
Noiserv – Os vídeos são todo um processo grande de ouvir a música e perceber o que pode acontecer ou não. A “SETE” era aquela do disco que era claramente uma banda sonora, quase até separada de uma coisa qualquer. Rapidamente percebi que podia criar um género de um mundo alternativo para aquela música ser a banda sonora desse tal mundo. Mais ou menos em simultâneo com isso, acabei por conhecer as pessoas que são os donos daquela maquete e estavam a pensar em fazer um vídeo para a promover. Então juntamos as duas coisas e resultou num mini-filme com banda sonora.
A “VINTE E TRÊS” vem toda de uma série de coisas, da própria letra falar da ideia de olhares para o mundo que te rodeia e o que é que podes ou não mudar nele. Há uma teoria qualquer que as pessoas nunca se olham nos olhos durante muito tempo e que desviam o olhar. Achei que tinha piada olhar de frente para a câmara e, se a pessoa quiser, pode estar dois minutos a olhar claramente para mim, sem desviar o olhar. E isso também com a ideia da letra estar a passar ao contrário. É a pessoa que está a olhar, que está a ler aquilo. O olho representa uma série de metáforas, por isso experimentei fazer o vídeo e vi que funcionava.
TM – Uma das coisas que me surpreendeu no álbum foi a maneira como acaba repentinamente.
Noiserv – Sim, eu acho que as músicas até acabam todas um bocadinho assim.
TM – A primeira vez que ouvi o álbum, pensei que vinha uma música a seguir à ultima música. Isso tem algum significado em especial?
Noiserv – Vem da ideia de que tudo na vida, e as músicas também, tudo isto poderá ser uma coisa contínua. Essa paragem que tu sentes pode, em particular naquele disco, fazer com que tu o oiças desde o princípio outra vez. Aquilo não tem que terminar ali, não tem que ter um princípio, um meio e um fim fechado. E quando tens um corte abrupto é como se aquilo ficasse no ar, o final fica no ar, o final desse tal ‘filme’ ou da tua vida. Muitas vezes eu sentia que, como estava a dizer, todas as músicas são um bocadinho assim, que todas elas estão a respirar, enchem-se de ar e aquilo corta. É precisamente para a seguir teres espaço para o vídeo.
TM – Isso é muito normal nas bandas sonoras.
Noiserv – Sim, cria ali um espaço vazio que depois pode ser preenchido ou não.
TM – Quando estamos no filme não se nota isso, só quando se ouve a banda sonora em separado.
Noiserv – No filme elas acabam por ser mais cortadas, e nunca ouves a versão total.
TM – O que podemos esperar do concerto de apresentação no São Luiz? Há alguma surpresa em especial?
Noiserv – A surpresa maior é eu tocar estas músicas ao vivo. Mas como acredito sempre, não é por o disco ser diferente que as outras músicas não fazem parte também do que é Noiserv. O concerto será um conjunto das músicas mais antigas e com estas novas lá pelo meio. Até para eu próprio conseguir perceber de que forma é que o registo dos vinte instrumentos em simultâneo de repente passa apenas para um.
TM – Eu já vi alguns concertos teus e em alguns tinhas um apoio visual.
Noiserv – Aqui neste não vai haver. É mais fechado na parte dos instrumentos e na parte da música mesmo.
TM – Vi que tens atuado em França e ainda tem muitas datas pelo país dos gauleses. Como é que está a ser essa experiência?
Noiserv – Está a ser boa. Acho que quando se faz música, ou outra coisa qualquer que gostas, falando então da música, o melhor que pode acontecer é teres mais pessoas para mostrar. É por isso que a música está a chegar a cada vez mais pessoas.
Claro que sendo Portugal o meu país, sinto sempre um grande orgulho de conseguir perceber que cá a música está claramente a chegar a mais pessoas. Mas conseguires sair do teu próprio país, perceberes que noutros países essa pequenina coisa também vai crescendo, e secalhar, num concerto que fazes um dia, um mês depois és capaz de ver uma ou duas pessoas que estiveram nesse concerto. Parece que o “passa a palavra” e a música vão furando o país, e perceber que isso está a acontecer é uma coisa que me deixa muito contente. Faz-me perceber que a música também poderá funcionar lá fora.
TM – Agora há imensas bandas portuguesas que fazem tours pela Europa.
Noiserv – Sim, eu acho que se está numa das melhores alturas para a música portuguesa. E então acho inevitável que isto não poderia ficar tudo aqui.
TM – E nem são as bandas assim mais conhecidas, são as ditas mais alternativas.
Noiserv – As bandas mais conhecidas acabam por ter uma logística já tão complicada, que a ideia de ir com malas às costas para o estrangeiro custa muito mais.
TM – Agora se for uma banda, por exemplo First Breath After Coma.
Noiserv – Sim, ainda agora estiveram em tour.
TM – Pegaram na carrinha, foram e andaram por vários paises. É mais fácil assim.
Noiserv – Isso faz bem à música portuguesa. Não só a eles que estão a tocar, mas a todas as bandas portuguesas. Eu pelo menos sinto que cada vez que dou um concerto (lá fora), e as pessoas percebem que sou de Portugal, há um interesse em perceber o que se faz cá. E depois é quase como uma “bola de neve”, se começa a ir uma banda começa a ir uma, duas, três, por aí fora.
TM – O que tens ouvido ultimamente?
Noiserv – Sei lá, nem sei. (risos)
TM – Assim um disco que tenhas no carro.
Noiserv – Tenho o do Kendrick Lamar, que não tem assim muito haver com os pianos (risos). As pessoas falavam muito bem mas nunca tinha dado muita atenção, mas depois de ter ido ao SBSR e ter visto o concerto deu-me assim alguma coisa.
TM – É curioso que bastantes pessoas dizem que ouviram o Kendrick Lamar. Por exemplo, o ano passado entrevistamos o Bruno Pernadas e ele disse que andava a ouvir muito. A Joana Barra Vaz também. Mas é engraçado como ouvem estilos tão diferentes (dos que produzem).
Noiserv – Acho que por norma uma pessoa ouve quase todos os estilos, por isso aquela questão das influências também é sempre relativa. Não tens sempre que ouvir a música que fazes, até faz sentido ouvires de tudo um pouco para a tua ser diferente das outras.
TM – E a nivel dos melhores concertos que tenhas visto este ano?
Noiserv – O Kendrick Lamar foi fixe. Acho que não houve nada assim incrível que tenha visto este ano. Quer dizer, houve os Radiohead, mas que foram um bocado desilusão pelo concerto em si, não por eles. Aquele sitio também não é para eles.
TM – Sim, o espaço não é o melhor.
Noiserv – Mas eu tinha-os visto lá há 3 ou 4 anos e achei incrível. Acho que o som estava mau mesmo, houve ali uns problemas técnicos.
TM – Mas nesse concerto eles tocaram o que quiseram. E eles agora também quiseram tocar alguns hits.
Noiserv – Sim, a parte do “Creep” achei um bocado fora.
TM – E Primavera Sound?
Noiserv – Primavera não fui porque tinha um concerto num sitio qualquer. Este ano só fui um dia ao Alive, ao Super Bock e Paredes de Coura, nem vi LCD Soundsystem, fui mais tarde. Até achei o cartaz deste ano assim mais fraco. Acho que gastaram o dinheiro todo nos LCD e então não houve nada que me surpreendesse. Os Cigarettes After Sex foram fixes, mas do palco principal não achei assim nada especial.
TM – Pronto é tudo, obrigado!