Reportagem: ENTREMURALHAS 2017 [Castelo de Leiria] – 3º dia
Reportagem: ENTREMURALHAS 2017 [Castelo de Leiria] – 3º dia
Reportagem: ENTREMURALHAS 2017 [Castelo de Leiria] – 3º dia
A minha mãe bem me dizia que o que é bom não dura para sempre. Tão boa que foi esta oitava edição de Entremuralhas e tão depressa se chegou ao fim.
Os catalães Àrnica ficaram responsáveis pela abertura do terceiro dia do Entremuralhas, na Igreja da Pena, para apresentarem a público o seu “ritual sonoro de reminiscências tribalistas” e fazer os expectadores ingressar numa viagem às tradições puristas do folclore primordial. No palco, a horas, e em formato trio os Àrnica fizeram ecoar por entre as ruínas da Igreja da Pena o seu “¡Leukade! ¡Leukade! ¡Leukade!” (retirado do novo Cabeza de Lobo (2017)), como tema de abertura. Através de um vestuário muito característico (camisas brancas + calças esverdeadas/vestido branco e um lenço/manta vermelho) e alguns “apetrechos” nos instrumentos utilizados, os Àrnica conseguiram criar uma sonoridade pura e orgânica e prender a atenção de todos os curiosos. Antes de “Monte Nublado”, os dois membros masculinos dos Àrnica, que se apresentaram com máscaras retiraram-nas, para dar um trago de uma bebida “espirituosa” que guardavam nas suas garrafas ancestrais. Aproveitando a pausa para trocar de instrumentos, ouviram-se na Pena “Monte Nublado” e “Alzada Pétrea”, enquanto se iam evocando desde os espíritos do “Castelo”, dos bosques, as lendas licantrópicas e perpetuando as práticas ancestrais e pagãs.
Não sei se estava programado, ou não, mas no início de “Una Bestia Astada” juro que senti um cheiro muito característico a surgir pela Igreja da Pena (e não era a drogas). Pelo que, até então, a banda estava a apresentar ao público do Entremuralhas, fazia todo o sentido que aquele elemento sensorial fizesse parte do seu espetáculo ritualístico, contudo acabei por não confirmar se mais alguém o tinha sentido ou não. De qualquer das formas foi curioso e decidi reportar. Além desta experiência olfactiva os Àrnica também passaram para o público uma das garrafas que trouxeram consigo e que continha a tal “bebida espiritual”, (com a qual se hidrataram ao longo da sua performance), para um aumento da experiência retirada do seu ritual (não cheguei a provar a bebida, não vos sei dizer ao que sabia). Recorrendo a algumas samples sonoras para complementar o seu som, os Àrnica foram enfeitiçado o Palco Igreja da Pena com o medieval “Caballos Solares”, trazendo ainda a palco os novíssimo single homónimo “Cabeza De Lobo”, o já conhecido “Cuerno Roto” e o tema de encerramento do novo álbum e concerto, “Ataan”.
Os Àrnica fizeram uma excelente abertura deste último dia de festival, alcançado notórios aplausos do lado do público, e surpreendendo o público pela sua sonoridade extremamente enriquecida, ao nível instrumental e composicional. A banda foi igualmente uma enorme surpresa para aqueles que, tal como eu, nunca antes os tinham visto ao vivo.
Os Selofan, dupla composta por Dimitris Pavlidis e Joanna Badtrip, estavam de regresso ao país depois de em 2014 se terem estreado em Lisboa, na Caixa Económica Operária pel’A Comissão. Com novo disco na bagagem, Cine Romance (2017), além dos já lançados Στο Σκοτάδι (In The Darkness) (2016) e Tristesse (2015), os Selofan subiram a palco, já doze minutos depois da hora prevista, tendo recebido palmas de boas-vindas do público, que foram agradecidas com um simpático “thank you”. A abrir concerto com “Schwarz” a performance dos Selofan prendeu, desde o início, a atenção dos espetadores pelo look irreverente e atitude teatral de Joanna Badtrip. Ainda a apresentar o disco Στο Σκοτάδι (In The Darkness), os gregos fazem “Nightclub” ecoar pelas ruínas do Castelo, enquanto Joanna Badtrip, além da voz, agarra num turíbulo com sininhos para complementar a prestação da música ao vivo (Afinal não foram só os Àrnica a apostar nos apetrechos instrumentais).
“Romance” foi a primeira música de Cine Romance a ser apresentada no Castelo de Leiria, tendo-se seguido as já mais antigas “Fosforizo” e “A Whimper”. Um dos grandes momentos do concerto ficou marcado pelo single “La industria del sexo”, retirado do mais recente disco da banda. Após dizer que este seria o próximo tema a ouvir-se na Pena, Joanna Badtrip perguntou a nós, público, se já conhecíamos a referida música. Retórica ou não, Joanna deixou as interações de lado e dirigiu-se para perto do microfone colocando, à volta do seu pescoço, as luzes vermelhas que o enfeitavam. Dando uns passos de dança aqui e ali, a vocalista encerrou o tema com o pormenor “te quiero Portugal”. Ouvem-se vários aplausos no palco e, de regresso ao xilofone, começam a tocar o já hit “Love Is a Mental Suicide”. Ainda em apresentação de Cine Romance, Joanna Badtrip fez-se acompanhar do baixo de Dimitris Pavlidis e de uma peça de arte em forma de lagosta em “Shadowmen”. Com o concerto já a aproximar-se do fim ouviram-se ainda no Castelo, “Snakes” (com o pessoal a delirar lá à frente), “The One You Wanted” e “Στο Σκοτάδι (In The Darkness)” que serviu de mote para Joanna Badtrip dar uns golos na bebida espirituosa dos Àrnica (cedida pelo público), sentar-se no chão, tocar o seu instrumento e deixar Dimitris Pavlidis conduzir os timbres.
A fechar a sua performance em grande os Selofan despediram-se com “The Wheels Of Love”, que serviu para mandarem flores vermelhas para o público, como demonstração do seu amor pelo nosso Portugal. Joanna Badtrip acabou o concerto de sorriso rasgado na cara, avançando ainda com um “thanks a lot, enjoy the rest of this Castle’s festival”. Muitos aplausos no fim e estava assim encerrado o concerto e a temporada de música na Pena. Finalizado às 20h00 em ponto, entramos na hora de jantar.
O cancelamento do concerto de Darkher no Entremuralhas foi uma das baixas mais custosas de toda esta edição de festival, ainda por cima tão em cima da hora, como aconteceu. Apesar de no dia 26 de agosto já vários dos festivaleiros se terem consciencializado que não ia haver ethereal dark no Alma, mas sim fado negro, o concerto do português Paulo Bragança, icónica figura do fado português nos anos 90 foi, ainda assim, recebido com muitos aplausos, apesar de pouco atendido.
Uma vez, numa entrevista ao Carlos Matos, que li na Ultraje (podem aceder aqui) o presidente da Fade In afirmou que o Fado era um dos géneros que em breve poderia vir a ingressar o cartaz do Entremuralhas. Aconteceu este ano, embora inesperadamente, e acabou por ser muito bem recebido pelo público. Afinal e, citando o presidente, “Existe sonoridade mais gótica que o Fado?”.
Com início previsto para as 21h00, só às 21h15 cheguei ao Palco Alma para ver a endeusada e arrojada figura do fado underground português, Paulo Bragança. Acompanhado pela banda, que aproveitou para tocar a introdução do hino em formato guitarra, Paulo Bragança apresentava-se em palco descalço e vestido a rigor, para uma performance, por vezes teatral. A revisitar antigos temas, com destaque para “Mistérios do Fado” (já com um total de cinco músicos em palco), “Descalço” e “Soldado” e ainda a apresentar novos temas, nomeadamente “Lume Lume” – cujo fim foi aproveitado para a apresentação dos músicos que o acompanhavam – “Entre Dois Cigarros”, “A Névoa”, “Ultimatum” (nome ainda temporário) e as sucessivas canções que foram interpretadas até ao fim do concerto – Paulo Bragança conquistou quem o viu e soube surpreender todos aqueles que não conheciam bem a discografia, roubando ainda vários “Ah Fadista” do público, ao longo de todo o concerto. A fechar com “Dark Horse”, Paulo Bragança despediu-se do público com vários “obrigado”, um deles muito especial e dirigido à Fade In e ao seu presidente. Palmas ao alto e o concerto estava encerrado. Apontavam 22h10 no relógio.
A espera por Nicole Sabouné foi longa. Após a atuação de Paulo Bragança muitos mantiveram-se nos lugares da frente para poder ver a sueca mais de perto e, portanto, arranjar um lugar de luxo tornou-se uma tarefa hercúlea. Com concerto agendado para as 22h30 a banda de Nicole Sabouné subiu a palco já pelas 22h37 para iniciar o concerto com “The Body”, malhão de abertura do reeditado Miman(2017). Com dois microfones, um casaco vermelho, saltos altos e um ar tímido, Nicole Sabouné mostrou ao público do Entremuralhas que a sua voz de timbre camaleónico não se fica pelo formato em estúdio. E que voz incrível caros leitores, não tem como esquecer o amor que se sente quando se a ouve cantar. A pegar na sua guitarra acústica Nicole Sabouné e banda fazem ouvir-se “Right Track” pelo Alma, começando também a surgir os primeiros braços no ar e os vocais secundários da baixista e do guitarrista Niklas Stenemo (vocalista dos Kite, que o ano passaram também tiveram a sua dose de Entremuralhas).
Entretanto (e eu já toda entusiasmada) começam a tocar a “Win This Life” e pronto, foi sentir a introdução e elevar os braços naquele refrão que é tão fofinho como a Nicole é em palco (ela é mesmo fofa, genuinamente fofa, só apetece dar abracinhos). E depois há aquelas guitarradas do Niklas Steno, que entram sempre no ponto certo e contagiam todo o público que os rodeia (e que se voltaram a repetir em “We Are No Losers”, por exemplo). A fechar a “primeira parte” de concerto, Nicole Sabouné e companhia fazem ouvir-se “Under Stars (For The Lovers)”, uma das baladas do seu Miman. Muitas palmas de ouvem no Alma. “For Us” (a música precedente) foi apresentada por Nicole Sabouné como uma nova música (possivelmente a integrar um futuro registo). Com a sua voz de boneca, a sueca de ascendência libanesa aproveitou também para agradecer ao público e avançou que ao contrário de “For Us” a próxima música era bastante “velhinha”. Sabem o que me passou pela cabeça? (Ainda bem que não foi a Nicole Sabouné a cancelar) Estavam mesmo a dar as batidas da “Unseen Footage from a Forthcoming Funeral”! Caramba aquilo é que foi ver o público a balançar. E depois entrou ali mesmo bem a “Rip This World” para o pessoal poder beber o resto da bebida mais descontraidamente e por aqui e ali um braço no ar.
Curiosamente não estava à espera que a Nicole Sabouné e banda tocassem a cover da “Frozen” da Madonna ao vivo, mas acabou mesmo por acontecer. Então assim já podia descartar certamente alguns dos singles que eu queria tanto que tocassem ao vivo como a “Haters Don’t Dance” e possivelmente a “Conquer or Suffer”. Mas música que não poderia faltar na setlist era a “Bleeding Faster” (OMG a música que eu mostrei a todos os meus amigos para os persuadir a ouvir a Nicole) que acabou por ser a décima música que a sueca e companhia apresentaram em palco. Agarrando novamente na guitarra acústica, para tocar a introdução e o refrão, Nicole Sabouné fez-nos viajar até aquelas caixinhas de música, só que num ambiente gótico e de tanto amor conjunto. A fechar um enorme concerto, o também enorme “Withdraw”. Ai Nicole, Nicole, como não te amar? E à tua banda? E à Fade In que vos trouxe cá?
Prontísismos para rebentar com o sistema de som do Entremuralhas, os Atari Teengae Riot entraram em palco, a horas, para prepararem o público para a sua filosofia revolucionária sobre a vida. Ainda estava eu cá atrás, perto da bancada da Fade In, quando se começou a ouvir o single “J1M1”, bem amplificado, no Palco Corpo. A substituir os Tuxedomoon e em apresentação do mais recente trabalho de estúdio, Reset (2015) os Atari Teenage Riot trouxeram o seu digital hardcore até Leiria prontos para fazer história no Castelo. Com “Reset” a fazer-se ouvir nas colunas era tempo de avançar mais para a frente para dar uso à voz e ao corpo. Sempre a saltar (aqueles pulos de Alec Empire não passaram despercebidos) e a pedir ao público para meter os braços no ar, bater palmas e cantar com eles, Alec Empire e Nic Endo (membros formadores), foram os responsáveis pela interação com o público ao longo do concerto e fizeram deste “Reset” um bom aperitivo para começar a partir a loiça toda. Antes de “Death Machine”, Alec Empire perguntou algumas vezes “Is anybody out there”? para colocar o pessoal a dar os primeiros gritos, apesar de ainda ser notória alguma inibição entre as centenas de pessoas que se encontravam pelo recinto do Palco Corpo.
Um dos momentos altos e icónicos deste concerto no Entremuralhas aconteceu com “Transducer”. Os ânimos estavam tão elevados no Castelo de Leiria que aconteceu ali, durante uns segundos, um pré-mosh entre o público central das filas da frente. (Nunca tinha experienciado nada assim no Entremuralhas, mas lá está, este é um festival que surpreende sempre a cada edição). Era notória a diferença da adesão do público no início do concerto face àquela que se verificou neste “Tranducer” e na sucessora “Blood In My Eyes”, onde já meia multidão estava de braços no ar a dar pulos e gritar. Viva à adolescência, à fase de revolta, da energia infindável e de partir tudo. Os ânimos permaneciam em altas no Castelo e a setlist ainda prometia muitos saltos e gritos, ouvia-se então “No Remorse (I Wanna Die)” – a versão cover dos Slayer com os Atari Teenage Riot -, e já estava todo o público a adaptar um estilo de dança diferente, mas sem nunca esquecer uns movimentos corporais aqui e ali. Depois de “Speed” (e além das letras de apelo à revoluçã), Alec Empire insistiu em relembrar que é importante que nos unamos para erradicar ideologias nazistas (“neo-nazis remarched in the streets of Germany and now they are marching again in the streets of Europe and the US. We have to keep up the fight!” (…) “their ideology existed, you know, in the 30’s the 20’s, things built up to that shit in Germany, but (..) thousands of years before, it did not exist. So we’ve got to fight until this fucking violence is erradicated for this fucking planet”). Um diálogo (monólogo) que se estendeu um pouco demais para um público que já só pedia mais música, por favor.
Ouve-se “Activate!” entre o Palco Corpo e volta a sentir-se aquela energia contaminante entre o recinto. É para arrebentar tudo, afinal é o último dia do festival gótico que agora só se volta a repetir para o ano. Pena já só faltarem “Collapse Of History” e “We Are From The Internet” para se chegar ao fim do concerto. Muitos foram os gritos, palmas, assobios e todas as formas possíveis de chamar a atenção que os elementos do público usaram como argumento para tentar convencer os Atari Teenage Riot a voltar ao palco para o derradeiro final, com direito a encore. Nunca chegou a acontecer (chorando por você). Uma pena.
A fechar o dia (e também a contagem das estreias em Portugal) os canadianos Front Line Assembly traziam ao Palco Corpo 31 anos de carreira e os seus também quase 30 discos de estúdio. Em palco às 01h33 e a abrir concerto com “Resist”, os Front Line Assembly foram conseguindo, aos poucos, atrair o pessoal que se encontrava sentado nas laterais do Castelo (possivelmente a repor as energias de Atari Teenage Riot) para a zona central do palco. Os Front Line Assembly foram também o cabeça de cartaz diário que definitivamente conseguiu atrair um maior número de público no espaço junto ao palco. Dedicados ao industrial desde 1986 e em formato trio, a estreia dos canadianos em território nacional era uma das mais aguardadas do festival. A convencer os mais indecisos com “Killing Grounds”, Bill Leeb e companhia começaram por meter o público a dançar, através de uma performance dominadora em formato aquecimento. Agradando e captando a atenção dos espectadores com “Neological Sppasm” que, após o seu término, levou Bill Leeb a uma pequena interação com o público (“I just want to say hello Portugal!!! This is our first time here and what a beautiful place, what a beautiful venue and thanks for having us, thank you”) os Front Line Assembly arrasaram em “Blood”.
A pedir ao público para bater palmas e levantar os braços, os Front Line Assembly alcançaram um enorme envolvimento dos espectadores em retorno, com vários assobios e gritos de “curtição”, palmas e braços no ar durante a icónica “Plasticity” e a mais recente “Exhale“. Depois de um concerto com imensa interação (e incontáveis thank you) os Front Line Assembly deram por fim à sua performance com “Prophecy”, retirada do álbum Implode (1999). O público pedia por mais. Eram muitas as palmas e as emoções que se sentiam ali, no já saudoso Castelo de Leiria, os Front Line Assembly tinham de voltar porque não dava para fechar a oitava edição do Entremuralhas sem encore. Em coro, todo o público pedia mais. E houve mesmo mais! Bill Leeb e companhia regressaram ao Corpo para entreter um público por mais uns escassos minutos, os últimos minutos de música ao vivo desta oitava e surpreendente edição de festival gótico. Para encerrar em altas e até para o ano, ouviram-se no Corpo “Gun” e “Mindphaser” retirados do clássico Tactical Neural Implant (1992).
Ainda assim, ficaram muitos singles por ouvir (quem nos dera que houvesse música ao vivo até às 04h00 da manhã no Castelo). Contudo, não faz mal nenhum, até porque foi um concerto memorável e igualmente imperdível, dado que só após 31 anos da formação dos Front Line Assembly os conseguimos ver ao vivo por terras lusas e que, muito possivelmente, não os voltaremos a ver por cá, tão cedo. Incrível, e sem dúvida que para muitos o melhor do último dia.
Obrigada a todas as bandas que fizeram isto possível e a todo o público que veio e que, mesmo tendo de aguentar as intermináveis filas para as escassas wc’s existentes, não perdeu as oportunidades de se afirmar. Foi lindo. Até para o ano!