Os melhores álbuns do primeiro semestre de 2018

Os melhores álbuns do primeiro semestre de 2018

| Julho 9, 2018 6:57 pm

Os melhores álbuns do primeiro semestre de 2018

| Julho 9, 2018 6:57 pm

Os primeiros seis meses do ano trouxeram-nos uma abundância no que toca a registos de estúdio de qualidade, dentro dos mais diversos géneros. Com o segundo semestre posto, chegou também aquela altura do ano de filtrar os álbuns que mais rodaram na playlist e que reúnem todas as condições para serem considerados uma das melhores edições do ano até à data. Desde a darkwave, eletrónica, free jazz industrial, hip-hop, stoner rock, estes são os melhores álbuns do primeiro semestre de 2018. 


Anna von Hausswolff – Dead Magic

Três anos após o lançamento de The Miraculous, Anna von Hausswolff volta a surgir com a sua mistura de neoclassical darkwave, drone e rock experimental, e com o órgão a ser novamente o instrumento em destaque. Em Dead Magic, a jovem sueca parece finalmente aperfeiçoar esta fórmula, combinando de forma sublime os elementos clássicos da sua sonoridade com as suas influências mais tenebrosas em cinco composições bastante coesas que abordam principalmente a temática da mortalidade.
A misteriosa odisseia inicia-se em “The Truth, The Glow, The Fall”, com os vocais de Anna a serem o nosso guia no crescendo inicial. O órgão acaba por surgir, tendo de imediato uma presença colossal. Os vocais da sueca, ora etéreos ora assombrosos, são perfeitamente acompanhados pela sua banda e conseguem envolver a composição numa aura noturna. Segue-se “The Mysterious Vanishing of Electra”, com uma estrutura rítmica que facilmente leva a comparações com alguns dos trabalhos mais recentes dos Swans e um dos pontos altos do disco, com Anna a proferir “My love is not enough to save me” através de uivos agoniantes. “Ugly and Vengeful” fecha a parte mais obscura e tensa do álbum, com uma secção inicial talvez demasiado longa mas que é compensada por vocais ferozes e esotéricos que parecem conjurar um ritual primitivo, e que evoluem para berros arrepiantes e uma jam maníaca. A peça instrumental “The Marble Eye” e a mais drony “Källans återuppståndelse” transportam-nos para ambientes mais esperançosos e solenes, onde os elementos clássicos e góticos se destacam, mas ainda que confiram maior diversidade ao disco poderão ser uma travagem demasiado brusca após a intensidade dos temas anteriores.
Embora Ceremony e The Miraculous já fossem obras sólidas e com ideias interessantes, Dead Magic é indubitavelmente o disco que eleva Anna Von Hausswolff a um patamar superior e que continuará certamente a ser visitado nos próximos anos.

João Barata






Blume AttemptJust Like You EP

Blume Attempt, projeto a solo do produtor Javier Vivancos, é um caso de um jovem prodígio a que as publicações influentes no meio musical ainda não tiveram a oportunidade de dar destaque, mas daqueles projetos prontos para influenciar uma geração dentro da música eletrónica/industrial. Foi apenas com este seu segundo EP que o descobrimos, mas ainda muito a tempo de o destacar como uma das grandes edições e revelações do ano. Em quatro músicas, com uma duração aproximada a 17 minutos, Blume Attempt conduz-nos ao seu mundo sombrio onde a música experimental eletrónica moderna se entrelaça com fortes influências da música industrial dos anos 80, criando uma experiência sonora imersiva, sinistra e igualmente poderosa.
Além do desenvolvimento conciso que o disco apresenta, Blume Attempt eleva ainda mais a fasquia pela introdução inesperada do saxofone logo no primeiro tema de avanço, “(Seed D.D.)”, criando um ritmo desenfreado e encerrando a faixa de forma seminal.  Aliás Just Like You apresenta uma estética sonora muito singular. Sem nunca se prender num ritmo ou base, o EP vai conduzindo, progressivamente, a novos pequenos mundos dentro do mundo industrial que lhes deu vida, todos eles desenvolvidos ao pormenor, todos eles com uma produção de excelência.
Não esqueçamos nunca que é do underground que nascem as grandes estrelas. Just Like You EP, sonicamente, tem todo o potencial para fazer de Blume Attempt uma delas. Fãs de Nine Inch Nails, Trent Rezor e/ou The Soft Moon: tudo a clicar no play.

Sónia Felizardo






Fire!The Hands

Os Fire! são por Mats Gustafsson (saxofone), Johan Berthling (baixo) e Andreas Werliin (percussão). Três músicos da cena exploratória escandinava que alcançaram o estatuto de lendas: Gustafsson é um teórico do jazz e elencou colaborações com grandes como os Sonic Youth, Merzbow,  Barry Guy, Peter Brötzmann, o Ken Vandermark, entre outros; Berthling é uma das caras da editora Häpna, já fez bandas sonoras para filmes e trabalhou com o Paal Nilssen-Love, a El Perro del Mar, o Steve Noble, entre outros; Werliin integra os Wildbirds & Peacedrums e também compõe músicas para filmes. Em atividade desde 2009, os Fire! já assumiram diversas formas: em 2010 andaram em digressão com o Jim O’Rourke, resultando dessa colaboração o LP Unreleased, lançado no ano seguinte; em 2012 colaboraram com Oren Ambarchi, resultando dessa colaboração o LP In The Mouth – A Hand; em 2013, expandiram-se para 31 membros, formando a Fire! Orchestra e editando o álbum Exit. Atualmente, os Fire! atuam em formato trio (com o alinhamento original dos 3 membros fundadores da banda) e lançaram este ano The Hands, o primeiro álbum em três anos composto apenas pelo trio original. Dada a escolha formal dos Fire! em gravar The Hands em formato trio, não é possível estabelecer um termo de comparação entre este trabalho e as anteriores colaborações. Porém, há um claro sentimento de continuidade entre The Hands e os seus último álbuns editados enquanto trio. A veia explosiva dos Fire! continua a dar lugar a momentos de tensão sonora, tudo interligado pela linguagem do free jazz (esperem ainda encontrar algumas semelhanças com o baixo do Cisneros e o sax de Mackay na era Stooges). Em suma, The Hands é uma refinada amostra daquilo que os Fire! se propuseram começar a fazer há 9 anos atrás: explorar as fronteiras do free jazz e as suas intersecções com os domínios do rock.

Edu Silva










Johnny JewelDigital Rain

Johnny Jewel é um produtor norte-americano mais conhecido pelos seus aclamados projetos Chromatics, Glass Candy, Desire (lembram-se de “Under Your Spell”, tema que teve o seu reconhecimento em Drive?) e Symmetry. Assentou que nem uma luva nos universos surreais e insólitos da última temporada de Twins Peaks de David Lynch, tendo composto alguns dos temas da sua banda sonora, como é exemplo a enigmática “Windswept”, e ainda atuado em dois episódios da série com os Chromatics.
Dono da editora Italians Do It Better, editou em janeiro o seu terceiro álbum de originais, Digital Rain, e sucessor de Windswept (2017). Digital Rain transporta-nos para uma atmosfera futurista e misteriosa, ao jeito de Blade Runner, onde a chuva está tão presente. Nostalgia foi o que motivou Jewel a compor este trabalho. Estando a viver em Los Angeles com um clima mais árido, a nostalgia da presença constante da precipitação em todos as cidades (Houston, Portland, Montreal) em que o artista viveu veio ao de cima. De cariz gélido e suave, Digital Rain é um álbum que não apresenta vocais, guitarras ou bateria, sendo meramente composto por texturas sintéticas e ambientes. Transmite-nos sensações confortáveis, em que conseguimos ouvir e sentir a água, como se a chuva estivesse a cair numa janela à nossa frente. Os maiores destaques de Digital Rain vão para o tema homónimo (por favor vejam o vídeo), “Air Museum”, “What If” e “Houston”.

Rui Gameiro










Organ TapesInto One Name

Organ Tapes é o projeto do rapper e produtor Tim Zha, figura prolífica do cenário underground londrino cujo mais recente álbum, Into One Name, marcou a sua estreia pela Genome 666 Bpm, editora sediada em Xangai com o qual Zha mantém boas relações.  O seu percurso na indústria musical apresenta-se bastante ativo desde 2015, ano em que editou o seu primeiro trabalho como Organ Tapes, editando ainda um EP no ano transacto e figurando em diversas compilações por parte de algumas das mais urgentes editoras do momento (Bala Club, Posh Isolation, NON). Into One Name volta a trazer as atmosferas ricas e texturadas dos seus anteriores trabalhos, mas com um progresso notório em termos de hooks e refrões orelhudos propícios para as pistas de dança. Inspirado pelos conceitos da poesia oculta do poeta espanhol Juan Ramón Jimenez, Tim Zha explora um universo envolto em mistério onde os versos servem como veículo para algo que é transcendente ao seu significado, que se intensifica com o uso exacerbado de autotune.  Aplicando um jogo de samples que vai desde os Clipse (“New”) ao crunk (“Seedling”),  Zha apresenta um conjunto de dez canções viciantes que revelam o imaginário fascinante de um autor com muito por desvendar. 
Filipe Costa










serpentwithfeetsoil

Estamos continuamente a ouvir que o hip-hop é o novo rock pela inovação e consistência que oferece nos dias de hoje. No entanto, o R&B alternativo e contemporâneo começa a merecer com alguma facilidade este cunho – facilmente nos lembramos de Anderson .Paak, Frank Ocean e FKA Twigs como boas razões para ter esta opinião. serpentwithfeet, nascido em Baltimore, e agora baseado em Brooklyn, NY, é mais uma das fortes razões que tornam este raciocínio evidente. Sem entrar ainda na produção, soil oferece-nos um alcance vocal admirável, com laivos de Nina Simone com ANOHNI e reinvenções/“alternativersões” das harmonizações vocais que tornaram muitos grupos de R&B populares nos anos 90 e que continuam a ser um hallmark forte deste género. As letras são um historial de tristeza e perda que apanham boleia dos contornos e cornucópias da voz de Josiah Wise. A criar o ambiente ideal para que a voz brilhe sem esforço, temos a produção de Clams Casino, Paul Epworth, mmph e Katie Gately, a oferecer uma recriação do instrumental típico de R&B: continuamos a ter ritmos suaves com a ocasional síncope e secções instrumentais sublimes e sensuais, mas não tão frontais – é a voz de Josiah Wise que brilha em soil, contando com o brilho escondido de uma das produções mais interessantes de 2018.

José Guilherme Almeida










Sleep  The Sciences

Duas décadas depois do lançamento de Dopesmoker, os titãs do Stoner, Sleep, voltaram aos lançamentos e deram uma lição com um álbum que é uma lufada de ar fresco, num género algo saturado por bandas, que por vezes, são demasiado fieis aos seus ídolos.
Com quase 30 anos de carreira, as ideias aplicadas podem não ser novas (riffs pesados e repetitivos, ode às drogas recreativas), mas a sua execução mostra uma banda rejuvenescida e com as arestas bem limadas em termos de trabalho de estúdio, conferido pelo selo da Third Man Records de Jack White, que permite que todos os músicos se façam ouvir na mistura sem perder qualquer tipo de qualidade. A primeira faixa “The Sciences” é um rugido em forma de feedback da guitarra de Matt Pike que dura três minutos, e não poderia imaginar um álbum começar de uma forma tão gloriosa.
As faixas dividem-se essencialmente em dois “moods”: um mais contemplativo, reminiscente ao trabalho de Al Cisneros (baixista e vocalista) na sua banda OM, com linhas de baixo meditativas e arrastadas com cânticos atonais e hipnotizantes, como é o caso de “Antarcticans Thawed” ou a faixa tributo ao baixista dos Black Sabbath “Giza Butler”. Também é evidente a forte presença da guitarra de Matt Pike e do trabalho que tem vindo a desenvolver com os seus High on Fire, sendo que este álbum é onde apresenta a sua guitarra com um som mais selvagem e alguns dos seus melhores solos da carreira, destacando “The Botanist”, que encerra o álbum.
Mesmo sem ter nada a provar, o terceiro LP dos californianos não se limita a cimentar a herança da banda, mas faz crescer o seu legado. The Sciences tem autorização para sentar-se orgulhosamente, lado a lado, com os restantes álbuns icónicos do conjunto.

Hugo Geada








TWINSThat Which Is Not Said

Matthew Weiner, o produtor norte-americano e codiretor e diretor dos selos DKA e CGI, regressou este ano aos discos com a sua obra-prima de carreira com That Which Is Not Said, registo que chega três anos depois de Nothing Left (2015) e dois depois de Music From The Insider II (2016), com um conceito baseado na aprendizagem da aceitação do eu e da realidade de tudo o que vem de fora. 
Influenciado por incontáveis nomes relevantes da época dos anos 80, este novo álbum afirma a sinceridade sinistra e auspiciosamente engenhosa de TWINS nos sintetizadores, num total de oito canções que espelham uma eletrónica contemporânea conjugada com as influências de bandas revolucionárias como Suicide e Kraftwerk, por exemplo. Este disco foi também o resultado de uma escolha criteriosa entre várias demos que Matthew Weiner foi produzindo ao longo de dois anos e é por isso que não existe uma única música má neste longa-duração. Temas como “Glass Breaks Glass”, “Stuck” ou “What We All Sing” são daquelas malhas que rapidamente ficam coladas na cabeça e que não dá para ouvir de início ao fim sem voltar a ter aquela vontade instantânea de clicar novamente no play. 
Em That Which Is Not Said, Weiner afirma-se, mais que nunca, como um produtor exímio ao abordar subtis flagelos de som de forma ousada, numa eletrónica rítmica e sonicamente expansiva, explorando tão depressa uma darkwave como logo a seguir a posicionar-se em territórios da synth-pop, do kraut-rock e do post-punk. Indiscutivelmente uma das grandes edições do ano.

Sónia Felizardo






Yamantaka // Sonic TitanDirt

O conjunto de música pesada experimental/colectivo artístico Yamantaka // Sonic Titan impulsa o seu imenso emaranhado sonoro para novos patamares com o seu terceiro álbum, de seu nome Dirt. O estilo musical ‘patenteado’ pela banda, de seu nome Noh-Wave, revela-se assombroso, estimulante, complexo e versátil, revelando influências de géneros como o rock progressivo, o heavy metal, música industrial e até mesmo pop japonesa e chinesa, além de outros mediums como teatro Noh e Kabuki, os estilos anime e manga, e as temáticas de cultura indígena americana e filosofia budista. Quanto aos espectáculos ao vivo em si podem tanto ser num formato de concerto normal como numa performance artística mais teatral. Dirt demonstra uns Yamantaka // Sonic Titan em topo de forma, mais afinados e imprevisíveis que nunca. Se palavras não chegarem, então é deixarem os tímpanos serem conquistados pelo caos de “Hungry Ghosts”, o ambiente atmosférico de “Somewhere”, o teor arrepiante de “Tawine” e o frenesim do tema homónimo. Em suma, apontou-se este álbum como um dos destaques da primeira metade deste ano entre a redação devido ao turbilhão sonoro que o invade e à crença de que há algo para todos neste rock opera imponente.

Ruben Leite



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