Em mais uma edição do Cinco Discos, Cinco Críticas fiquem então com as análises aos mais recentes trabalhos de Ele Ypsis – Linga Dei; SUSS – Ghost Box; KEN Mode – Loved; Tropa Magica – Tropa Magica e o muito aguardado disco de estreia dos RENDEZ-VOUS, Superior State.
Depois de um ostentável Meiosis, os Ele Ypsis, dupla que reúne a produção ambiciosa de Stélian Derenne aos vocais etéreos de Laure Le Prunenec, regressaram este ano às edições com mais oito músicas inéditas colecionadas em Linga Dei, o quarto disco de estúdio da dupla que saiu no passado mês de setembro. Através deste novo trabalho, conduzido pelo desejo do seu resultado final ser tão temido quanto a música de Igor Stranvinsky, os Ele Ypsis absorvem-nos até a um limite onde a música clássica entrelaça as mãos com a música contemporânea e a lírica, que sobrepõe esta ato num estrangeirismo irreconhecível, soa à poesia mais vanguardista dos dias atuais. É através de composições encantadoras, de ritmos tão depressa exóticos como expansivos e dos vocais ora apoteóticos, ora celestiais, que os Ele Ypsis criam estruturas harmoniosas difíceis de não fazer tremer quem as ouve. Temas como “Oro” e “Chaoskra” começam por ser construídos sobre paisagens calmas que, no desenvolvimento sofrem mudanças caóticas, envolvendo temporais sonoros e um nível de exigência extremamente exímio. Por outro lado, músicas como “Turmali” ou “Linga Dei” emanam toda uma energia que não consegue parar de se ouvir em loop. Se Meiosis já nos tinha mostrado que não há limites de eras na música, este Linga Dei funciona como uma epopeia ainda mais gloriosa aos períodos da música barroca com um toque de vanguardismo abissal.
Os SUSS são um quinteto de Nova Iorque que lançou o seu primeiro álbum no início deste ano. É um grupo de músicos experientes que aproveitam este projeto para misturar a música ambiente com o country, criando o que pode ser a banda sonora para westerns imaginados, com personagens misteriosas e um ritmo lento. As guitarras, sintetizadores, assobios e outros instrumentos criam atmosferas suaves que fazem pensar nos sons e melodias de Morricone filtrados por Brian Eno. Seguindo os títulos das músicas, Ghost Box é uma roadtrip que vai de “Wichita” a “Laredo” e dá a volta para regressar ao ponto de partida, com “Canyonlands (Return to Wichita)”. Uma viagem musical que nem sempre pára em locais tão fascinantes como “Wichita” e “Late Night Call”, mas que prossegue sempre interessante. Em novembro esta aventura solitária pelo velho oeste vai tornar-se mais longa, quando sair a versão expandida do álbum com quatro faixas novas.
Os canadianos KEN Mode regressam com Loved, a sua oitava coleção de faixas contundentes e com o noise a mil à hora. Apesar do facto de os KEN Mode contarem vinte anos de carreira, só recentemente, pela altura do lançamento de Entrench e com a crescente popularidade da nova vaga de noise rock multifacetado, é que eles conseguiram ganhar algum reconhecimento pelo seu percurso consistente em termos de registos e performances ao vivo, apesar da ligeira recaída na forma de Success. Posto isto, é seguro dizer que a banda está de volta ao topo de forma com o lançamento de Loved, que conta com um alinhamento de nove faixas cujo objetivo é tomar de assalto o ouvinte. Durante os cerca de 35 minutos que cobrem o disco, a banda apresenta o seu som habitual caracterizado por um poderio lamacento e ruidoso de forma coesa. No entanto há certas faixas a quebrar um bocado o molde, como “Illusion of Dignity” – em que aparece um saxofone a rasgar -, “Very Small Men” – a ser mais apunkalhado e frenético que o resto – e a faixa de encerramento “No Gentle Art” que evolui gradualmente, de uma relativa amenidade para uma brusca investida sonora.
O projeto de tropicalia psicadélica, Tropa Magica, composto pelos irmãos David e Rene Pacheco lançou o seu primeiro álbum longa duração depois de ao longo do ano estrearem um EP (Y La Muerte de Los Commons) e diversos singles. Desde 2012 a espremer as influências psicadélicas californianas na sua banda Thee Commons, neste novo projeto os irmãos tiveram a liberdade para polvilhar o seu cocktail musical com um pouco de tropicalia brasileira e ritmos de cumbia colombiana. Produzido por Cesar Mejia (Herbie Hancock, Brian Eno, Los Lobos), o som de Tropa Magica é uma autêntica festa, um dos discos mais animados e dançáveis do ano. A introdução surge com um piano romântico em “Ya Viejo” e abre as portas para o baile, seguida pela apropriadamente chamada “Disco Queen”. A música que melhor identifique a personalidade da banda é “Morena”, onde os irmãos Pacheco convidam “todos a bailar” por cima de uma secção rítmica contagiante. Outro destaque do álbum vai para a satírica “Primus Sucks”, referencia à banda californiana liderada pelo icónico baixista Les Claypool, enquanto utilizam algumas linhas de baixo inspirados na técnica do mesmo. Apesar de lançado no final de setembro, a Tropa Magica aproveitou os resquícios do verão para lançar um disco inspirado com inúmeros rasgos de genialidade. Atenção a estes meninos que mostram um enorme potencial para o futuro.
Os RENDEZ-VOUS editaram este ano o seu muito aguardado disco de estreia, Superior State, que vem dar sucessão aos bastantes aclamados EPs Rendez-Vous (2014) e Distance (2016). Quatro anos depois do primeiro EP a banda parisiense – que se destacou rapidamente dentro do panorama underground após o lançamento do single “Distance” – regressa agora aos holofotes com o novo disco Superior State, uma coleção de novas sonoridades, além do post-punk abrasivo a que nos têm vindo a habituar. Apresentado através de “Double Zero”, que teve direito a um vídeo marcante, numa sonoridade aproximada aos ritmos de The Soft Moon foi, mais recentemente, em “Sentimental Animal” que os RENDEZ-VOUS nos mostraram que Superior State não é um disco para meninos, mas o reflexo de uma banda matura e pronta a exibir o seu enorme potencial. Nesta estreia os RENDEZ-VOUS mostram que rótulos não lhes fazem jus e que a sua música transmite o que tem de transmitir com eles bem a querem e condicionam. Uma coleção de dez canções da vanguarda com temas como “Exuviæ” e “Superior State” a atirá-los para os campos da música industrial dos anos 2000, “Midle Classe” – a fazer lembrar a synthpop influenciada pelos 80’s de bandas como M83 – e ainda a balada “Last Stop”, a refletir as malhas mais depressivas do post-punk contemporâneo. Um disco prontinho para arrasar as pistas de dança mais arrojadas.