Reportagem: Preoccupations [Hard Club, Porto]

Reportagem: Preoccupations [Hard Club, Porto]

| Janeiro 31, 2019 2:01 am

Reportagem: Preoccupations [Hard Club, Porto]

| Janeiro 31, 2019 2:01 am


No passado sábado os Preoccupations tocaram no Hard Club, sendo esta a segunda data da sua tour europeia que começou na sexta-feira anterior em Lisboa. Ambos os concertos contaram com a assinatura da At The Rollercoaster. A última vez que os Preoccupations nos visitaram foi por ocasião do décimo aniversário do Musicbox.

Com concerto marcado para as 22h, a sala 2 do Hard Club estava a essa hora meio cheia, mas com uma plateia colada às grades (eu incluído) e ansiosa para os ver/rever (conforme o caso). “Os”,  que neste caso, são a banda anteriormente conhecida por Viet Cong. E a verdade é que muito mudou desde que os vi. A começar pelo seu nome

Conhecidos desde 2012 como Viet Cong, o seu nome é também sinónimo d’A Frente Nacional para a Libertação do Vietname. Este grupo surgiu antes da guerra do Vietname, e os seus integrantes eram designados por vietcongues AKA Victor Charlie (VC’s) pelas tropas norte-americanas. Para simplificar a equação, digamos que eles ficaram nos anais da história como o inimigo a abater na guerra do Vietname, sendo que os EUA e o Vietname do Sul eram os bons da fita. E o facto de quatro gajos brancos do Canadá terem adoptado este nome foi para alguns membros da comunidade internáutica um insulto (leiam comentários de gente ofendida aqui e aqui). A polémica atingiu proporções tais que a banda viu-se obrigada a lançar uma série de statements públicos para se desculpar do sucedido e anunciar a mudança de nome. É curioso pensar que quando há 40 e tal anos, quando quatro gajos de Salford decidiram adoptar para o seu colectivo o nome dos grupos das mulheres judias que, durante o holocausto, eram mantidas em campos de concentração para satisfação sexual dos nazis, este grupo se tornaria numa das mais celebradas, copiadas e mediatizadas bandas de todos os tempos. 

Sobre esta questão, o Andy Gill dos Gang of Four saiu em defesa dos canadianos:

It’s a little ridiculous to ban bands for their name. We can all think of dozens of bands with really quite offensive names and as soon as you get into being the guardian of public morality, taking it upon yourself to decide what’s OK and what is not, you are acting in an illiberal, undemocratic and anti-progressive way. People should be treated as grown ups, capable of making their own decisions. We should not be deciding for people what we think they are capable of understanding or not. Artists; film-makers, writers, musicians need to be un-censored so they can make their point, political or otherwise. (origem)

Questões políticas, liberdades de expressão e mudanças de nome à parte, a verdade é que eis que das cinzas dos Women se ergueu um dos mais complexos fenómenos do post-punk contemporâneo. Com raízes nos Birthday Party e na fase negra dos Bauhaus, os Preoccupations bebem também inspiração de grupos como os Rallizes Dénudés e This Heat. Enquanto que o Cassette e Viet Cong eram trabalhos mais crus e exploratórios, os dois últimos álbuns, Preoccupations e New Material são esforços mais estruturados. Os vocais estão mais presentes e as semelhanças com os Teardrop Explodes tornam-se mais aparentes. Estas mudanças resultam numa clara maturação da sonoridade dos Preoccupations. Está mais estruturada, mas um pouco mais contida do que nas suas primeiras incursões. Ouça-se por exemplo os temas “March of Progress” ou a “Death”. Agora comparem estes temas com “Disarray” ou “Anxiety” e observem como a sua faceta expansiva assente no noise se perdeu algures pelo caminho, privilegiando a repetição, as vozes e os teclados. Para os Preoccupations, esta necessidade de se reinventarem será possivelmente uma questão de sobrevivência artística e/ou uma vontade de trabalhar sobre novas linhas estéticas. Se a mudança é benéfica ou maléfica acaba por ser uma questão de gosto pessoal. Por um lado, temos direito a um produto final mais complexo em termos de camadas sonoras e, ainda assim, mais definido. Por outro lado, é possível que o estado de indefinição não-convencional dos seus esforços iniciais fosse a marca mais forte da sua identidade.  

Estas questões, porém, não se colocam quando falamos de performances ao vivo. 
No Hard Club, os Preoccupations interpretaram uma setlist de luxo. Tocaram o Viet Cong na integra, dois temos do Preoccupations e 3 temas do New Material, com o momento alto desta montra fresca a acontecer com a interpretação de “Disarray”, um dos novos singles dos canadianos. E mais do que uma setlist de luxo, teve lugar naquela noite uma performance de excelência.  A sinergia entre todos os elementos é sublime – o alinhamento dos Preoccupations é o mesmo que sempre foi e a cumplicidade dentro e fora de palco é evidente — e a sua faceta expansiva continua presente, amplificada pelo êxtase de uma performance ao vivo.



Fotografia capturada durante a performance dos Viet Cong no NOS Primavera Sound 2015.

Foi em 2015 que nos deslocámos de propósito ao Primavera para assistir à estreia ao vivo dos então Viet Cong em Portugal. E desde essa ocasião (a única em que os vi), muito mudou. Mas julgando por aquilo que testemunhei no passado sábado no Hard Club, as coisas para os Preoccupations mudaram para melhor. 

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