Serpente Infinita | Respirar d’Ouvido | novembro de 2018
8.4/10
infinito | adj. | adj. s. m. | s. m. | adv.
in·fi·ni·to
1. Não finito; sem fim.
2. Ilimitado, eterno.
3. Absoluto.
4. Inumerável.
José Valente, violetista e um dos mais versáteis compositores e autores de música em Portugal, autor de discos como Os Pássaros estão estragados, uma obra magnífica de 2015, capaz de causar as mais diversas sensações no corpo e mente humana. Também é este José Valente, o músico que actuou em locais como o Arquipélago, no extraordinário concerto no Festival Tremor e na Casa da Música, no Porto. O mesmo que nos apresenta Serpente Infinita, ou como, após audição, lhe poderíamos chamar de “o ar que respiramos no dia-a-dia”. É um disco composto por dez faixas, contando com poemas de Ana Hatherly, declamados por Marta Bernardes, ajudando a dar mais magnificência ao disco do compositor.
“Serpente Infinita”, primeira faixa, é o início, um acordar tardio, que nos envolve pelo som da viola tocada pelo compositor, como se de uma banda sonora da vida quotidiana se tratasse. Imaginando-nos num filme, em que coube então ao artista musicar o dia desta personagem, que vive num sonho acordado, inebriado pela loucura e rapidez da vida moderna que faz com que vivamos embrenhados e sem tempo.
“Era uma vez uma serpente infinita, como era infinita não havia maneira de saber onde estava a sua cabeça.”
Mais à frente, nesta nossa fita cinematográfica surge-nos “Relações Entre Indivíduos”, uma faixa mais acelerada, como se de uma corrida com o tempo se tratasse, estando o nosso personagem talvez a correr para algo distante e não tendo muito tempo. Ressoam aqui as sonoridades do que poderá ser considerado também free jazz, puro improviso com muita da sabedoria que José Valente transmite ao longo deste Serpente Infinita, que é imagem da sociedade actual. Isso é possível ouvir em “Por mais 50 cêntimos” em que Marta Bernardes descreve um dia de um indíviduo, a sua rotina, entediante, cheia de actos que consideramos iguais todos os dias, como apanhar o metro, acordar, chegar ao trabalho.
É isto que faz com que este seja um disco de essencial audição apesar de lançado tardiamente em 2018. São faixas como “Todos os Dias”, “Laranja Mêcanica” ou até mesmo “Respiração Interrompida” que fazem corroborar todo o que acima foi dito e descrito. A música como meio de expressão dos dias, a música mais clássica que passa por contemporânea, algo que José Valente faz da melhor maneira tentando chegar às pessoas e tendo uma mensagem de que a música considerada clássica sabe reinventar-se, sabe ocupar o seu espaço na actualidade, ocupando cada vez mais espaço fruto do cansaço acentuado de uma sociedade que necessita de algo que expresse o que se sente, o suspense, o caos, o trauma, tudo neste disco como, mais uma vez, de um filme se tratasse e com a banda sonora levada a cabo por José Valente.
É de notar semelhanças a Bohren & Der Club of Gore, Penguin Café Orchestra, o misto do jazz com o ambient. O free jazz pode passar também pela viola, pelo violino ou mesmo pelo violencelo. Por isso, sente-se e acompanhe o filme, desfrute do que a música pode transmitir e pode causar dentro de si. Às vezes não são precisas palavras para demonstrar o que sentimos e é isso o que é feito em Serpente Infinita.