Nuno Leocádio em entrevista: “Karma é a consequência dos nossos actos”
Nuno Leocádio em entrevista: “Karma é a consequência dos nossos actos”
Maio 3, 2019 10:03 am
| Nuno Leocádio em entrevista: “Karma é a consequência dos nossos actos”
Maio 3, 2019 10:03 am
| Cartaz do Karma is a Fest. |
Tem início já no próximo dia 3 de maio o Karma is a Fest, um novo festival que promete abanar com as fundações da oferta cultural da cidade de Viseu. A propósito do Karma, entrevistámos o Nuno Leocádio, um dos fundadores da Acrítica, a associação cultural que está por detrás da fundação do Carmo’81, também responsável pela organização deste novo festival.
Como surgiu a ideia do Karma?
Nuno Leocádio: Karma é a consequência dos nossos actos e, em quase quatro anos de actividade, o Carmo’81 finalmente assume o seu karma, assume que dentro da sua acção multidisciplinar é na música que nos sentimos bem e melhor sabemos trabalhar. Foi até aqui que fomos conduzidos, a um evento multidisciplinar dedicado à música.
Porquê o Karma agora, na primavera de 2019? Porque não, por exemplo, na altura do aniversário do Carmo, em agosto?
Nuno Leocádio: Karma é a consequência dos nossos actos e, em quase quatro anos de actividade, o Carmo’81 finalmente assume o seu karma, assume que dentro da sua acção multidisciplinar é na música que nos sentimos bem e melhor sabemos trabalhar. Foi até aqui que fomos conduzidos, a um evento multidisciplinar dedicado à música.
Porquê o Karma agora, na primavera de 2019? Porque não, por exemplo, na altura do aniversário do Carmo, em agosto?
Nuno Leocádio: A opção foi simples, Viseu tem muitos e bons eventos (grande parte gratuitos) durante o verão e pretendemos colaborar para uma saudável regularidade da agenda de eventos culturais que a Cidade e vários promotores independentes têm para oferecer. Por outro lado, sendo um evento dentro de portas, não faz sentido fazê-lo no Verão em época de férias, praia e outros festivais já consagrados. O aniversário é importante para nos lembrarmos do esforço que foi e é construir o Carmo’81, o facto de ser no verão não é ideal mas aquece a emoção de celebrar o Carmo’81.
Referem que esta é a edição 0 do Karma, e que a vossa ideia é, no futuro, projectar o festival para além das paredes do Carmo. Em termos formais, qual é a vossa ideia? Um festival de verão na verdadeira aceitação da palavra? Um ciclo de concertos com vários palcos espalhados pela cidade? Algo que trespasse todos esses formatos ou algo completamente à margem?
Nuno Leocádio: Será um misto das soluções que apresentas, terá uma calendarização mais compacta, com mais artistas como um “Festival de Verão” e terá vários palcos com propostas distintas. No entanto, não será espalhado pela cidade. Há já um local seleccionado que nos permitirá deixar crescer o evento sem perder o que nos caracteriza, a proximidade/ intimidade entre público e artistas e a apresentação cénica distinta. Desta forma, queremos acreditar que será um “Festival de Verão completamente à margem”.
No passado, realizaram o Solos e Solidão e duas edições do Cultura Urbana, dois festivais com conceitos bastante distintos, Em termos conceptuais, o Karma é uma aproximação a algum destes eventos ou parte por um outro caminho?
Nuno Leocádio: O Karma é o resultado da aprendizagem de ambos! É, sinceramente, o melhor do que aprendemos no CultUrb e no Solos e Solidão. Por exemplo, o gosto por Fanzines foi-nos deixado pelo CultUrb, bem como interesses em estranhofones em utilizar materiais pouco usuais para concretizações artísticas. Essa forma punk está na origem do Carmo’81 e é legado do CultUrb. Por outro lado, por exemplo, o projecto Sr. Jorge será fruto do Karma mas filho do Solos & Solidão. Foi durante um ensaio de uma peça de teatro Audaxviator, realizada na Igreja da Misericórdia de Viseu, que conhecemos o Sr. Jorge, sacristão e zelador da Igreja, e a sua honesta e bonita voz de sotaque beirão. Foi graças ao Solos & Solidão que conhecemos o Sr. Jorge, mas será o Karma que junta Rui Souza (Dada Garbeck), Gonçalo Alegre (Galo Cant’às Duas), João Pedro Silva (The Lemon Lovers) e Jorge Novo numa residência artística que resultará num concerto, imagem, disco e identidade artística. Esta vontade de concretizar e criar algo para o futuro foi o que melhor nos ensinou o Solos e Solidão.
Em termos de projecção e dimensão, discutivelmente, o Solos e Solidão foi o projecto mais ambicioso e abrangente até à data, passando pelo cinema, concertos no Carmo, no Teatro Viriato e até fora da esfera dos habituais espaços performativos, com concertos em Ranhados e em Mundão. Porém, o que transparece é a sensação de que o Karma é o evento com que a Acrítica partilha um nível maior de ligação emocional. Existe algum fundo de verdade nisto?
Nuno Leocádio: Existe uma enorme verdade nessa afirmação. O Solos e Solidão foi a nossa concretização mais ambiciosa até agora mas foi pensada e criada para uma edição, era nossa intenção provar que enquanto agentes culturais sabemos fazer mais do que programar, e conseguimos provar isso com o livro e a peça de teatro Audaxviator ou a exposição de fotografia na central de camionagem de Viseu. Mas o Karma foi pensado para crescer, para conceber, para promover e programar, foi pensado pela relação que temos com o público, e por mais egocêntrico que possa parecer foi concebido de acordo com a nossa identidade.
Nuno Leocádio. Fotografia de Rafael Farias |
No espaço de 4-5 anos, deu-se meio que um boom cultural em Viseu, promovido por uma série de iniciativas, grupos culturais e espaços, nomeadamente o CAOS, os Jardins Efémeros, o Venha a Nós a Boa Morte e o Carmo’81. Tudo isto contribuiu para que se tenha respirado mais cultura em Viseu nestes últimos anos do que durante os anteriores 20e tal anos em que eu cá vivi. Pergunto-vos: sendo que muita luta decerto travaram para chegarem onde chegaram, o que é que fica por fazer, em termos de cultura em Viseu?
Nuno Leocádio: Ainda há muito por fazer, ouço histórias de uma época em que havia bandas, como os Lucrécia Divina, Major Alvega…em que havia vontade de criar, exprimir e experimentar… alguém de muito valor estava a construir algo muito bom, falta recuperar esse espírito de criação. O Carmo’81 ainda não chegou onde quer chegar à sombra dessas histórias. Muitos outros agentes e entidades trabalham para que Viseu fervilhe, o Teatro Viriato, a Gira Sol Azul, o Shortcutz, o Cine Clube de Viseu, a ZunZun… Muito graças a políticas de investimento na cultura, como o programa de apoios à cultura Viseu Cultura e/ou empresas como a LuzBoa ou o Fórum Viseu que assumem responsabilidades ao serem mecenas de eventos como o Karma, e/ ou empresas como a Lemos&Irmão ou a Só Sabão que apoiam com logística vários eventos. Vivemos outros tempos com muitas dificuldades mas também com mais informação, mais e melhores meios e vias de comunicação, com mais possibilidades de financiamentos e isso aumenta muito a nossa responsabilidade.
Encaram o facto do Carmo’81 se encontrar na periferia do circuito das grandes cidades (grandes cidades, entenda-se, são Lisboa e Porto, porque normalmente os eventos culturais de maior expressão dividem-se entre estas duas urbes) como uma vantagem ou como um obstáculo com o qual têm que lidar?
Nuno Leocádio: É obviamente um obstáculo e uma realidade que queremos contrariar, perdemos muitos amigos, colaboradores e clientes para a emigração seja de cidade seja de país, isto tem de parar. Viseu tem de ter a capacidade de criar condições de empregabilidade para parar esta realidade do interior. É incomparável o volume de negócio dos Maus Hábitos (Porto) ou Musicbox (Lisboa) com o do Carmo’81 (Viseu) e isso está directamente relacionado com a densidade populacional. Menos público, menos espírito crítico, menos curiosidade, não sendo uma responsabilidade exclusivamente nossa procuramos contrariar tudo isto. Alem disto, realizar actividades culturais no interior é mais caro (despesas de deslocação, estadias, menos oferta de serviços disponíveis e as mesmas obrigações legais sem nenhum tipo de discriminação positiva por se trabalhar no interior do país). Não gosto do discurso do coitadinho do interior mas a verdade é que há algumas dificuldades acrescidas…
É louvável o trabalho que fazem para estimular sinergias locais, ao darem tempo de antena à prata da casa (nomeadamente com a gravação do disco dos Galo no espaço do Carmo e a peça Audaxviator na Igreja da Misericórdia). Sentem que o facto de apostarem em talento local tem contribuído para a formação / angariação de um público que, por sua vez, é também local? Ou pelo contrário, sentem que têm cada mais atraído massa crítica que se desloca de longe?
Nuno Leocádio: As colaborações com a produção cultural local são uma feliz consequência do percurso realizado até agora, nunca caridade, se não nos identificamos com um artista ou entidade local não colaboramos, nunca o fazemos apenas por solidariedade. O nosso respeito pelo público e com quem trabalhamos localmente é enorme.Sem ter a presunção de que é apenas o Carmo’81 que “ Forma”, quero acreditar que artistas como Galo Cant’às Duas, José Pedro Pinto, Sr. Jorge olhem para o Carmo’81 como a sua casa, a sua fábrica. Olhamos para a produção local como um benefício artístico e não uma estratégia de marketing onde fica bem falar sobre % de produção local, nem como apenas uma estratégia para agradar o público.
Passados quase 4 anos desde o início desta “brincadeira” como tu próprio lhe chamaste por altura do aniversário do Carmo’81 em entrevista ao Jornal do Centro no ano passado, sentem que estão hoje numa posição mais confortável? Ou o desafio é hoje maior do que há um ano atrás?
Nuno Leocádio: O desafio é cada vez maior e o espaço para brincadeiras cada vez menor. A “brincadeira” nunca foi mais do que uma triste expressão porque o Carmo’81 é desde o início um trabalho muito sério, já provámos diversas vezes durante o nosso percurso do que somos capazes. Divertimo-nos muito com o que fazemos porque somos honestamente fans da nossa programação e daí a brincadeira possível. Mas o desafio é cada vez maior porque existe a obrigação de nos superarmos, de nos reinventarmos e de forma regular apresentar esse esforço ao público.
Teaser promocional do Karma is a Fest.
Sendo que são uma Cooperativa, estão abertos à entrada de novos membros? E se sim, quais são as condições para entrarem na Acrítica?
Nuno Leocádio: O Carmo’81 é uma cooperativa cultural com o intuito de cumprir os anseios dos seus cooperantes. Enquanto esse objetivo não for plenamente cumprido, não estaremos dispostos a acolher novos cooperantes, sobre o risco de desiludir as expectativas desses novos elementos. No entanto, enquanto cooperativa se a assembleia geral decidir ser útil acolher novos membros, obviamente, estaremos disponíveis. Mas mais do que novos cooperantes, o plano de crescimento (ao ser cumprido) obrigará à contratação de mais recursos humanos (evitaremos a todo o custo trabalhar com voluntariado).
Em resumo, peço-te para deixares algumas palavras de sabedoria.
Nuno Leocádio: Palavras de sabedoria? “Só sei que nada sei”. Numa época em que todos têm tanto para dizer e ensinar eu prefiro continuar a aprender. Não é o negócio da humildade é honesta esta minha opinião, sei muito pouco para partilhar palavras sábias, principalmente, porque não quero alimentar o culto da personalidade sobre o programador do Carmo’81, faço o que faço por vontade e gosto, não por reconhecimento à procura de estátuas ou medalhas. A minha sabedoria (para o bem ou para o mal) está espelhada no palco do Carmo’81.
Obrigado.
Entrevista por: Edu Silva