Quase a chegar à meia centena de edições regressamos com mais cinco críticas a cinco discos que se têm realçado nossa playlist. Num ano que começa lentamente a aproximar-se do seu fim, destaque então para as novas edições de Black Mass – Animated Violence Mild (2019, Sacred Bones Records); Silent EM – The Abscence (2019, Disko Obscura); Glass Beach – The First Glass Beach Album (2019, self-released); The Black Furs – Stereophonic Freak Out Vol.1 (2019, self-released) e drowse – Light Mirror (2019, The Flenser).
Podem ler a 49ª edição do Cinco Discos, Cinco Críticas, bem como ouvir os mencionados discos, na íntegra, abaixo.
Animated Violence Mild | Sacred Bones Records | agosto de 2019
Animated Violence Mild é o título do mais recente trabalho de Benjamin John Power, um dos membros fundadores da banda Fuck Buttons, mais conhecido por Blanck Mass. Depois do sucesso de álbuns como Dumb Flesh ou World Eater, Power reformulou o seu estilo e tornou a sua eletrónica mais poderosa e catártica, criando assim uma torrente viciante de ruído apocalíptico que culminou neste seu último trabalho.
Neste álbum, Power cria uma espécie de pista de dança onde se alia uma evisceração industrial a um techno que já é habitual em Fuck Buttons. Talvez arrisque dizer que este álbum é uma espécie de “música de carrinhos de choque” com uma dose avassaladora de música electro-industrial e gritos viscerantes, tornando-o único e extremamente viciante. Fica claro que Benjamin John Power poderia facilmente optar por um género musical mais dançante se assim o entendesse. Não obstante, parece não ter interesse nisso, já que cada música é mais uma experiência sonora inigualável.
Um trabalho surpreendente, abrasivo e incandescente. Pode muito bem ser o melhor disco a solo de Power, congruente com a última década e meia de exploração por novos domínios no mundo da música. Nos últimos oito anos, Blanck Mass avançou lentamente para se tornar um dos produtores experimentais mais empolgantes do Reino Unido. Animated Violence Mild é uma experiência sonora fantástica e delirante, que estará certamente nos tops musicais de 2019.
David Madeira
The Abscence | Disko Obscura | julho de 2019
Jean Lorenzo, o artista por trás da identidade Silent EM lançou em julho deste ano mais um longa duração pronto para arrasar as pistas de dança mais góticas mundo fora. Com um historial por trás de bandas de post-punk desde a tenra idade foi, em 2010, com a mudança para uma nova cidade que as caixas de ritmos e os sintetizadores construíram o seu caminho a solo no mundo da música. Cinco anos mais tarde, depois de alguns EP’s e 7” singles surge então o primeiro trabalho em colaboração com Ortrotasce, Common Loss (2015) que o leva a algum reconhecimento pela América. Em janeiro do ano passado, na alçada da Detriti Records, Silent EM lançou o LP Foreign States e chega um ano depois para se afirmar na Europa com The Abscence, um disco recheado de hits altamente energéticos e aliciantes para os fãs da eletrónica mais gravativa e obscura.
A explorar temas como desilusão, guerras e utopias de amor perdido, Silent EM cria uma sonoridade que vai beber influências ao industrial, EBM, synth-punk e alguma coldwave francesa. Neste The Abscence destaque para temas como “Machine” – altamente recomendado a fãs de QUAL e Lebanon Hanover; “Last Rites” – a explorar a interseção entre synthwave e techno; a grande malha do álbum “No Rest” e, ainda, “Wraith” a fazer lembrar nomes icónicos da EBM como Nitzer Ebb e Front 242 e ainda as paisagens mais contemporâneas de nomes como Poison Point.
Numa eletrónica contextualmente negra e pesada Silent EM constrói um disco que – sem acrescentar algo novo ao que já se tem vindo a produzir dentro destas atmosferas eletrónicas mais sombrias – consegue surpreender e proporcionar uma certa reação no ouvinte. Sem dúvida, o trabalho mais coeso de Jean Lorenzo até à data.
Sónia Felizardo
The First Glass Beach Album | self-released | maio de 2019
Nas suas músicas mais diretas, os Glass Beach apresentam um power pop e pop punk moderno, mas a banda parte dessa essência para múltiplas direções, fundindo várias sonoridades. As fronteiras entre a música pop e géneros como o midwest emo, a indietronica e o pop mais progressivo são desafiadas em faixas que ultrapassam os seis minutos de duração ou curtos interlúdios eletrónicos. Entre os refrões emotivos e as guitarras energéticas – que evocam artistas como Jeff Rosenstock – há espaço para sintetizadores (“Bone Skull”), pianos jazzy (“Bedroom Community”), baterias digitais (“Dallas”) e, ainda, auto-tune (“Soft!!!!!!”).
The First Glass Beach Album é bastante dinâmico e equilibra músicas bombásticas e calmas, guitarras distorcidas e sintetizadores limpos, composições simples e complexas. Esta diversidade torna-o ocasionalmente confuso, mas a ambição e versatilidade da banda dão um encanto especial ao disco. As linhas de baixo são funky, algumas melodias de voz catchy (como nas primeiras duas faixas) e a produção e mistura de J McClendon, líder do projeto, são excecionais. As letras agridoces, cantadas de forma sincera e impetuosa, retratam temas como amor, solidão e alienação.
Os Glass Beach estreiam-se em grande, com uma coleção de canções imprevisível, eclética e muito peculiar, onde se destacam as enormes “Bedroom Community” e “Dallas”. É um álbum longo, mas que nunca se torna cansativo. Não o deixem passar despercebido.
Rui Santos
Stereophonic
Freak Out Vol.1 LP | self-released | agosto de 2019
8.0/10
É da Argentina que nos chega um dos melhores álbuns de stoner (e de qualquer tipo género de música que envolva distorções e fuzz em instrumentos de cordas) do ano. Stereophonic Freak Out Vol.1 LP é o segundo álbum de longa duração dos The Black Furs e apresenta-se com tal pujança que os argentinos já parecem uns veteranos nesta cena musical. Um casamento perfeito entre o mais sujo dos blues e os punitivos graves do doom metal, com uma narrativa colada através de emissões de rádio (recordar o Songs For the Deaf dos Queens of the Stone Age) este álbum vai certamente revelar-se um grande deleite para todos os fãs deste som descendente dos Black Sabbath.
Apesar de ser fácil etiquetar esta banda como stoner ou doom, os The Black Furs têm uma personalidade e identidade muito forte. As raízes latinas não são esquecidas com ritmos exóticos nas percussões, algo que ajuda a banda a conseguir o seu distintivo som, auxiliado também pela utilização de instrumentos pouco convencionais como o mandolim, o berimbau, shakers e guitarras slide. Algo que os afasta do esterótipo stoner, é a ritmada cavalgada com muito groove e mais acelerada do que é mais frequentemente associado a este género. O único problema que este afastamento pode acarretar é agravar o risco de um torcicolo provocado pelo headbang descontrolado.
Na introdução da música “Black Limousine Blues”, um dos interlúdios radiofónicos do álbum, uma apresentadora pede aos ouvintes para ouvirem a nova música da banda “mais pesada, mais suja, e mais maléfica da Argentina, os The Black Furs” e, sem qualquer tipo de bazófia, ela é capaz de ter acertado por completo na sua descrição.
Hugo Geada
Light Mirror | The Flenser | junho de 2019
8.0/10
O sucessor do LP Cold Air (2018) é o terceiro disco lançado por Kyle Bates sob o pseudónimo drowse e o segundo que conta com a chancela da Flenser, uma casa que se dedica à oferta e curadoria de música extrema e experimental, na qual podemos também encontrar os Have a Nice Life, o Planning for Burial, os Wreck and Reference, entre outros. Light Mirror é, à imagem do que sucede em Cold Air, um trabalho extremamente pessoal, marcado pelo extenso período em que Bates permaneceu na residência artística NES, que teve lugar em Skagaströnd, uma região localizada no norte da Islândia. Ainda que tenha desenvolvido durante essa residência o projeto Fog Storm, grande parte do tempo de Bates foi passado em isolamento forçado durante o qual ocorreram largos períodos de introspeção e contemplação acerca da natureza humana e de como esta reage à solidão.
De regresso aos EUA, seguiu-se um trabalho quase ininterrupto e obsessivo de gravação de um disco que refletisse o seu estado de espírito emocional. Bates foi diagnosticado com Transtorno Bipolar Tipo I, o que o obrigou simultaneamente a lidar e a aceitar não só a sua condição de saúde, mas também o forçou a lidar com a sua postura introspetiva em relação a tudo o que o rodeia, encontrando na sua música um escape e uma forma de conectar com essas diferentes realidades. Desse confronto interno resulta um álbum extremamente pessoal, que trespassa o seu recente diagnóstico no tema “Bipolar 1” – Bipolar 1 / Definition is a mirror / So I’ve been running half my life / Alone with voices in the night / Can you feel their floating warmth in the night sky? / All the fields are swelling up, giving new – a sua introversão crónica em “Between Fence Posts” – Fence in Winter / Overgrown / And closed / Four sides / Nothing enters / Just silent snow / Trust that it won’t open up; / Seasons change and it remains untouched – e a perda de entes queridos em “Betty” – You never pictured you’d live to watch / Your own body giving up / Your hands shake too much to paint; / Alone at 93, all thoughts and memories / Know that I found love / She’s an artist too; / She faces the world openly / Shining through / Just like you.
Lírica à parte, a sonoridade é complexa, com várias camadas que compreendem vocals, instrumentação, field recordings de elementos naturais e gravações de conversas antigas entre Bates e amigos seus. Fãs de Grouper, Slowdive e Mount Eerie irão encontrar aqui motivos de alegria ou talvez, melhor dizendo, algum consolo e conforto emocional ao saber que alguém algures a tentar transformar alguma da tristeza desta existência terrena em algo belo.
Edu Silva