Mesmo antes da década chegar ao fim, o ano de 2019 foi forte em conteúdo nacional de excelência. O talento nacional diversificou-se pelo rock, pop, hip hop, eletrónica, folk, trap, reinando uma vez mais a pluralidade musical. Este foi o ano da crueza e fúria política dos Sereias, da viagem hipnotizante e progressiva dos Montanhas Azuis, da eletrónica exótica e solarenga dos Sensible Soccers, da aventura sonora em Miramar de David Bruno e da fusão de musical popular portuguesa com o trap de Chico da Tina.
Fiquem a conhecer os 30 melhores álbuns nacionais que se destacaram este ano.
25- HIFA – It Spreads Underground
10- Sallim – A ver o que acontece
“Acordo, café, rissol de leitão / queimo a placa, fecho o canhão”, esta é a barra que melhor descreve o estilo de vida do minhoto que mais corações e ouvidos conquistou em 2019. Chico da Tina surgiu da viralidade da internet e para um sucesso que se tem materializado em palcos por todo o Portugal e até no Brasil, depois de ter conquistado o primeiro Prémio Mimo de Música, entregue a jovens talentos no mundo da música. Em Minho Trapstar a sua mistura de trap com música popular portuguesa e o humor das letras, que já nos tinha feito apaixonar por artistas como PZ ou David Bruno, fez-nos render a Francisco da Concertina. Se o jovem teve este impacto em 2019, é intimidante pensar o que conquistará em 2020.
Depois de um ano estrondoso de 2018 para David Bruno com a edição de O Último Tango em Mafamude, o produtor de Gaia decidiu apostar este anos as fichas todas em Miramar Confidencial. Neste disco David Bruno leva-nos a passear pelo seu já característico universo imaginário luso-kitsch à moda de Vila Nova de Gaia, uma ode aos anos 90 e aos seus filmes de acção, e a todos os sítios icónicos que definem a praia de Miramar, a Benidorm portuguesa, como o Aparthotel Céu Azul, o Chez Maurice e a Capela do Senhor da Pedra. Pelo meio, Miramar Confidencial serve como “intimidação” a Adriano Malheiro, o caloteiro, que deve dinheiro a personalidades como Samuel Úria, Fernando Alvim e Este Senhor. Nesta nova aventura, David Bruno conta com o já habitual contributo de Marquitos (Marco Duarte) e dos seus riffs de guitarra bem calientes, a conferirem um mood mais sensual à synthwave produzida por David Bruno. Outro dos senhores que deixou a sua marca em Miramar Confidencial foi Mike El Nite, rapper que espalhou o seu charme no single de apresentação “Interveniente Acidental”.
Rui Gameiro
Sempre que uma banda muda de som, seja porque motivos forem, os seus fãs correm para as redes sociais para cuspir todo o tipo de ódio. “Vendidos”. “Prefiro o som dos primeiros álbuns”. Ora, nunca uma nova vida foi tão bem recebida como a metamorfose eletrónica e dançável dos Sensible Soccers. Depois de terem marcado a década com 8 e Villa Sociedade, denotado pelas suas influências post-rock, em Aurora (produzido por B Fachada), a banda decidiu que, agora, queria que todas os portugueses dançassem até ficar com bolhas nos pés e, com malhas como “Elias Katana”, quase conseguiram tal proeza. Misturando sensibilidades eletrónicas, ritmos krautrock, instrumentos como flautas transversais e percussões exóticos, a banda formada por André Simão, Hugo Gomes e Manuel Justo apresentou um dos discos mais solarengos do ano e que vai perdurar nos ouvidos de fãs da velha e nova guarda dos Sensible Soccers durante bastante tempo.
Hugo Geada
Montanhas Azuis não precisam de introdução após Ilha de Plástico, álbum editado em 2019 pela Revolve. Nele, a união flutuante de Norberto Lobo, Marco Franco e Bruno Pernadas pinta paisagens de um mundo alienígena através de música que, no meio da sua complexidade, contém toda a simplicidade que torna a canção pop num vício para melómanos. Algures neste escapismo, as fronteiras entre a pop, o jazz e a electrónica dissolvem-se num outro mundo verde, bem diferente do imaginado por Brian Eno, mas ancorado no mesmo porto – um impressionismo musical de ambições elevadas, mas resolvidas. Ilha de Plástico leva-nos a um mundo em que o chão se dissolve sob os nossos pés, em que o ar é tão denso que não nos deixa cair. Cada nota segura-nos à realidade tanto quanto nos tira dela.
José Guilherme Almeida
O País a Arder é um caso bastante peculiar no cenário musical português. Editado pela Lovers & Lollypops, o primeiro álbum dos portuenses Sereias apresenta um discurso cru de intervenção e protesto carregado de fúria e frustração acerca do panorama sociopolítico nacional, utilizando como veículo uma combinação devastadora de letras spoken-word bastante intensas e provocativas e uma sonoridade dissonante e radical que cruza influências do punk e free jazz, fazendo lembrar os tempos idos da era do no wave. Faixas como o single “Primeiro Ministro” e “Putas da TV” reflete de forma bastante eficaz um ponto de vista negro e angustiante a que ninguém fica indiferente.