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Devendra ama-nos, e não há nada que possamos fazer sobre isso
Devendra ama-nos, e não há nada que possamos fazer sobre isso
Fevereiro 18, 2020 3:47 pm
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Devendra ama-nos, e não há nada que possamos fazer sobre isso
Fevereiro 18, 2020 3:47 pm
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©Daniel Dias / Comunidade Cultura e Arte |
O ar jovial e asseado com que Devendra Banhart se apresenta hoje não denunciam os seus quase 40 anos, mas por trás dos sorrisos e dos gestos cordiais, projetados serenamente enquanto olha o público nos olhos, está uma carreira com quase duas décadas e uma dezena de álbuns lançados e apresentados por todo o mundo. Ouvi-lo hoje, ao vivo ou em estúdio, não é o mesmo que ouvi-lo no virar do milénio, quando ainda lançava cruas canções sob a alçada da Young Gods, histórico selo de Michael Gira, dos Swans, que editou os seus primeiros três álbuns – o ainda verde Oh Me Oh My… (2002) e os preciosos Rejoicing in the Hands e Nino Rojo (2004), obras primordiais da folk vanguardista e dois dos pináculos da new weird america.
Devendra é hoje um homem mudado, carregando consigo um sem fim de histórias e novas canções. A sua música tornou-se, ao longo da última década, num produto confortavelmente meticuloso e, ainda que algo desinspirado, detentor de uma notável maturidade. Veja-se Ma, por exemplo, décimo álbum de carreira que serviu como pano de fundo para o regresso do americano de descendência venezuelana a Portugal. Sereno, poético e acolhedor, o disco segue o registo dos anteriores trabalhos sob um ângulo mais sombrio, informado pela morte recente de seu pai, que faleceu durante o processo de gravação. “Is This Nice”, que abre esse mesmo disco, foi o tema escolhido para arrancar a primeira de três noites esgotadas, que teve lugar no sábado no Hard Club, no Porto. Acompanhado por um quarteto que alinhava baixo, bateria, teclados, guitarras várias e a visita ocasional de Andy Cabin, que tratou de fazer a primeira parte do concerto, Devendra foi recebido de forma calorosa por parte de um público que, ainda que acanhado, fazia soltar alguns uivos tímidos enquanto o acompanhava nas suas tenras canções.
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©Daniel Dias / Comunidade Cultura e Arte |
O legado de Haruomi Hosono fez-se ouvir em “Katori Ongaku”, primeiro, e depois em “Fancy Man”, duas canções de uma pop rica e sofisticada que bebem em muito da obra do homem que integrou a histórica Yellow Magic Orchestra. Pelo meio, e sob um português pouco treinado, Devendra fala-nos da sua estadia pelo Porto e sobre as inúmeras obras que habitam o museu de Arte Contemporânea de Serralves, que afirma ter visitado horas antes. Assim, o músico convidou o curador e atual diretor artístico Philippe Vergne para um momento insólito onde o próprio leu “Touch Poem for Group of People”, um poema de Yoko Ono (em abril, o museu recebe uma mostra dedicada à artista e viúva de John Lennon) onde se lê simplesmente “touch each other” (“toquem-se”, em português).
Na solarenga “Abre Las Manos”, também do novo Ma, o músico senta-se ao centro do palco, desta vez sem o auxílio da banda, para cantar algumas canções a pedido do público, que foi presenteado com versões intimistas de “Brindo” e “Golden Girls”, a última a anteceder uma muito antecipada “Carolina” que, de novo na companhia da banda, pôs o americano à prova ao cantar o seu primeiro tema exclusivamente em português. A paz e doçura da canção não deixou o público indiferente, que recebeu o tema com especial carinho após o verso “eu deveria aprender português”.
Os ritmos da música disco chegariam ao som de “Fig In Leather”, tema do anterior Ape in Pink Marble, de 2016, e “Für Hildegard von Bingen”, que transportou o Hard Club para uma dimensão quase bollywoodesca. Depois de “Never Seen Such Good Things Go So Wrong”, um dos temas favoritos do público, Devendra e companhia guiaram a noite para novas coordenadas, mais áridas e rebuscadas, com as jams vitaminadas de “Seahorse” e “Celebration” a trazerem novo músculo à performance. Depois de uma curtíssima amostra de “Santa Maria da Feira”, tema do mais celebrado dos seus discos, o radiante Cripple Crow, de 2007, fazer o público vibrar em uníssono, a banda encerrou a noite com as melhores energias ao som da alegre “Carmensita”, que chegou já durante o encore para mover a sala maior do Hard Club neste dia de São Valentim tardio.
Os ritmos da música disco chegariam ao som de “Fig In Leather”, tema do anterior Ape in Pink Marble, de 2016, e “Für Hildegard von Bingen”, que transportou o Hard Club para uma dimensão quase bollywoodesca. Depois de “Never Seen Such Good Things Go So Wrong”, um dos temas favoritos do público, Devendra e companhia guiaram a noite para novas coordenadas, mais áridas e rebuscadas, com as jams vitaminadas de “Seahorse” e “Celebration” a trazerem novo músculo à performance. Depois de uma curtíssima amostra de “Santa Maria da Feira”, tema do mais celebrado dos seus discos, o radiante Cripple Crow, de 2007, fazer o público vibrar em uníssono, a banda encerrou a noite com as melhores energias ao som da alegre “Carmensita”, que chegou já durante o encore para mover a sala maior do Hard Club neste dia de São Valentim tardio.
“Eu amo-vos, e não há nada que possam fazer sobre isso”, disse-nos a dada altura. E nós, deslumbrados, retribuímos o sentimento.