Cinco Discos, Cinco Críticas #55

| Março 30, 2020 5:24 pm


Do Japão ao Brasil, passando pela Polónia, Escócia e América do Norte, a 55ª edição do Cinco Discos, Cinco Críticas coloca no radar os novos trabalhos de Gezan, com o disco KLUE (2020, 13th records); Haroldo Nono, com We’re Almost Home (2020, Bearsuit Records); Michał Olczak com o seu marcante zgubiłem się (2020, 𝓰𝓵𝓪𝓶𝓸𝓾𝓻.𝓁𝒶𝒷𝑒𝓁); Wasted Shirt – o novo projeto criativo de Ty Segall com Brian Chippendale do qual nasce Fungus II (2020, Famous Class) e, por fim, VRUUMM projeto sediado em São Paulo que traz o segundo disco Tony Brizza (2020, Freak) à calha.


Os mencionados discos estão em revisão abaixo, acompanhados dos respetivos players para que tirem as vossas próprias conclusões:


KLUE | 13th records | janeiro de 2020 

7.5/10 

A banda de shamans do noise rock frito Gezan lançou no passado mês de janeiro o seu quinto álbum de originais de seu nome KLUE. O álbum, a contar total de treze faixas, é toda uma espécie de ópera psicadélica trippy com toda uma paleta cromática que se estende dos sons mais obscuros até ao mais vibrantes, e surpreendentemente, como que fluem bastante bem entre elas para formar uma faixa longa e coesa no seu todo. A confeção sonora consiste basicamente numa orgia de main vocals bizarros (que rangem de passagens mais nasaladas até growls mais intensos) e ritmos marciais intercalados com cânticos que parecem vindos de rituais todos marados (nomeadamente em faixas como “EXTACY”, “Kunkoku” e “TOKYO”) e sons com ADN que deve muito ao hardcore punk (“Sekiyoubi”) que casam bem com uma temática bastante virada para intervenção sociopolítica (como explicitamente descrito em “Free the Refugees”, por exemplo). 
Enquanto que algo desta envergadura é certamente ambicioso e urgente, infelizmente perde alguma pedalada em algumas partes chave do álbum devido a um punhado de faixas mais fracas. Ainda assim, este álbum é certamente uma experiência com momentos interessantes, tendo argumentos suficientes para ser considerado por aqueles que querem sonoridades desafiantes e/ou que simplesmente soam a fritaria pura e dura para o ouvido humano.
Ruben Leite



We’re Almost Home | Bearsuit Records | março de 2020 

7.5/10 

Harold Nono não é um nome novo dentro do panorama da produção musical. O músico sediado em Edimburgo, conta com uma discografia pomposa e bastante dinâmica que inclui cinco álbuns a solo até o momento entre outras séries de edições, que gravou com artistas em projetos colaborativos. A sua música desafiadora, explora a essência do classicismo, juntamente com elementos de vanguarda do jazz e uma eletrónica bastante camuflada em efeitos e tendências estéticas. Quatro anos depois do seu último esforço em nome próprio, Ideeit (2016), o músico escocês regressa com We’re Almost Home, uma coleção de 13 temas que exploram desde sensações mais vigorosas e brutais a sonoridades calmas e contemplativas. 
São quase 20 anos que solidificam a sua experiência como produtor. Desde 2002 o produtor também juntou-se a nomes como Eric Cosentino – com quem lançou Plenty Time (2013) sob o moniker Jikan Ga Nai; Hidekazu Wakabayashi com quem lançou um disco self-titled em parceria; o projeto electro-acústico Taub; e ainda com a dupla japonesa N-qia onde surgiu o projeto Haq – do qual resultou o álbum mais recente Evaporator (2019). Ao longo dos anos Harold Nono foi adquirindo uma certa sensibilidade para a composição que se encontra fortemente estratificada em We’re Almost Home. Há espaço para explorar sensações desde o desconforto, inerência, contemplação e a decadência das máquinas. 
Num exercício de sound-design, onde entram em ação os elementos futuristas, sci-fi e uma certa poesia na conjugação de elementos experimentais, We’re Almost Home apresenta-se como um disco de relevância afincada, onde cada pormenor sonoro é embutido com um sentido muito focado: conduzir o ouvinte a um mundo novo onde a era industrial, clássica e romântica são revisitadas e imersas num cenário contemporâneo.
Sónia Felizardo



zgubiłem się | 𝓰𝓵𝓪𝓶𝓸𝓾𝓻.𝓁𝒶𝒷𝑒𝓁 | fevereiro de 2020 

8.7/10 

Michał Olczak é um jovem músico polaco que lançou o mês passado zgubiłem się, o seu novo álbum, pela 𝓰𝓵𝓪𝓶𝓸𝓾𝓻.𝓁𝒶𝒷𝑒𝓁. Este navega pelos mares da música eletrónica mais progressiva, mas inclui ingredientes muito variados que dão origem a paisagens sonoras densas e admiráveis. Para além de gravações de campo feitas em estações ferroviárias e os locais que as circundam, inclui instrumentos acústicos e eletrónicos, desde o saxofone, que é aproveitado na faceta mais jazzística do disco, aos elementos mais glitchy e assumidamente digitais. 
zgubiłem się significa “estou perdido”, e a verdade é que este álbum, tão dinâmico e imprevisível, faz com que nos percamos dentro dele. “pociąg do białegostoku” começa com um ambiente misterioso que vai descendo de intensidade e culmina num solo de saxofone envolto em sons distorcidos; “nocny bieg” apresenta um drone que se dissolve num desabafo jazz com uma bateria explosiva; “za dużo”, pela sua progressão de acordes e pela nova presença da bateria, tem o seu quê de triunfante e épico, mas termina com uma batida eletrónica quase dançável. 
Todas as partes encaixam, algumas tão distintas das antecedentes que é impressionante como as transições são tão subtis. Este é um álbum de sensações opostas, onde a paz e a agitação estão sempre de mãos dadas, surgindo uma de cada vez em primeiro plano.
Rui Santos



Fungus II | Famous Class | fevereiro de 2020 

7.0/10 

Ty Segall dispensa introduções. Brian Chippendale pode não ser um nome que todos os amantes de música alternativa reconheçam, mas se dissermos que é o senhor mascarado responsável pela bateria dos Lightining Bolt, talvez desperte um clique. Apesar das diferenças entre o loirinho, um dos mais prolíficos guerreiros do garage rock no Séc. XXI, e o touro que comanda os ritmos maníacos e caóticos do duo de noise rock baseado em Providence, Rhode Island, os dois juntaram-se neste casamento, de nome Wasted Shirt, e podemos afirmar que é um casamento bem barulhento. 
O seu primeiro filho é Fungus II, que se tivesse uma forma física bem que podia ser o bebé do filme Eraserhead de David Lynch, e é uma experiência que leva os dois músicos a testarem os seus limites. A grande maioria das músicas apresentam-nos descargas energéticas, tanto da guitarra como da bateria que nos fazem sentir no meio de uma batalha onde nenhum dos músicos quer admitir a exaustão. Por isso, no meio deste despique, tanto Ty como Brian martelam os seus instrumentos até o primeiro desistir e cair no chão exausto. Felizmente, isso não acontece e somos prendados com nove faixas delirantes em excesso de velocidade. Em “Zepellin 5” a bateria é espancada sem piadade enquanto a guitarra distorcida apresenta uma melodia e ritmo hipnótico, tudo isto acompanhado por back vocals alegres e catchy (desta vez é Segall a cantar, mas Chippendale também empresta a sua maníaca voz em diversas faixas). Na última faixa, “Four Strangers Enter the Cement at Dusk”, os Wasted Shirt, mais uma vez a surpreender, optam por uma marcha instrumental, lenta e sinistra, num stoner doom que deixaria os Melvins orgulhosos para encerrar o disco. 
Este super-grupo faz jus ao seu nome e é uma das experiências musicais mais alucinantes do ano. É uma incógnita se este projeto vai ter uma sequela ou se vai ser apresentado ao vivo, mas, até lá, ficamos com uma banda sonora ótima para correr a maratona ou para quando precisarmos de destruir uma das paredes de nossa casa com uma marreta.
Hugo Geada



Tony Brizza | Freak | fevereiro de 2020 

7.0/10

Corria o ano de 2014 quando o saxofonista Anderson Quevedo (que acompanha artistas como Criolo, Bixiga 70, Otto, Emicida e Trupe Chá de Boldo) fundou os VRUUMM, um projeto musical com um objetivo bem claro: transportar a cultura dos samples para o universo do jazz de conceção moderna. Desde então a banda passou a desenvolver as suas paisagens sonoras características com a integração de samples melódicas, batidas suaves e uma presença dominadora do saxofone na essência. 2015 viu o primeiro álbum ser lançado, ao qual sucederiam posteriormente os EP’s RAGGAVRUUMM (2017); Segue no Caminho (2017) e Gomes Smit é o Terror! (2018). Agora, 5 anos depois da estreia, os VRUUMM regressam ao ativo com Tony Brizza, um conjunto de oito faixas que combinam elementos do jazz com soul, funk e disco, para criar um disco arrojado e artístico. 
Com o objetivo de “criar paisagens sonoras tanto para a alma como para o corpo“, os VRUUMM apresentam em Tony Brizza um conjunto movimentado de acid jazz que inclui vertentes tradicionais da música popular brasileira, da música erudita e uma certa cultura hip-hop na conceção de oito faixas puramente instrumentais. O resultado traz à memória uma junção entre Bad Bad Not Good, Kamasi Washington, David Bruno e Bruma, sem nunca descurar das influências que Anderson Quevedo deixa claras: desde Miles Davis a James Brown, passando por Eumir Deodato e King Crimson (cujo disco VROOOM VROOOM serviu de inspiração ao nome da banda). 
Deste Tony Brizza destaque para faixas como “The Ditch Dimension” – a elevar o pedestal do saxofone; “Brizzas Também Amam” – onde entram no ataque os riffs românticos da guitarra elétrica; o brutal “Fake News” e ainda “Peraí” – a mostrar uma progressão rítmica de excelência com cunho VRUUMM.
Sónia Felizardo


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