Noite de encantamento na Casa da Música
Noite de encantamento na Casa da Música
Noite de encantamento na Casa da Música
Com a sala Suggia a fervilhar face ao passar das 21:30, o quinteto entra em palco com mais um elemento, Stanley Staples (filho de Stuart, vocalista dos Tindersticks) que, munido da guitarra acústica, teve uma prestação magnífica e cativante.
“Running Wild” de Waiting For The Moon, álbum um pouco esquecido e que colocou um fim à chamada primeira vida dos Tindersticks, seria a primeira do alinhamento. Serena, acústica, onde o piano, a guitarra e as batidas delicadas da bateria enalteceram a voz de Staples. Ouve-se de seguida “The Amputees”, que justapõe a tristeza dolorida de letras como “Miss you so bad” com uma valsa comemorativa e peculiar desejando um ente querido ausente. O palco veste-se de vermelho e o timbre belo e intenso de Stuart envolve-nos num ritmo mais acelerado. “Second Chance Man” é acompanhada pela baqueta insistente de Earl Harvin na bateria, mas com uma suavidade que nos traz de volta à “intimidade” da voz de Stuart Staples. “How We Entered”, declamada sobre a melodia aconchegante e minimalista das teclas precedeu “Medicine” marcada por um diálogo entre bateria e guitarra, mais acústica, mais instrumental e a receber a primeira grande ovação da noite.
“Black Night”, cover de Bob Lind, instala-se num palco iluminado. “Trees Of Fall” entra-nos no ouvido antes da luminosa e esperançosa “Pinky In The Daylight”, uma canção de amor que nasce de um momento de felicidade ao contrário da maior parte dos temas da banda que são marcados por um limbo entre beleza e dor. Tempo ainda para “Carousel”, antes da belíssima “Willow” que integra a banda sonora do filme High Life, mais instrumental, mais melódica em que o palco se foi iluminando e escurecendo compassadamente. Ouve-se então “See My Girls”, um verdadeiro hino, um encantamento tribal que vai ficando mais agitado e ameaçador a cada frase pronunciada. Acompanham a voz de Stuart, todos os instrumentos, destacando-se o som dos ferrinhos, que simbolizam o ruído do mundo em que vivemos.
“The Old Mans Gait” é um instantâneo comovente, um ponto de contato fugaz numa vida de “passos mal calculados”. A música tem um ritmo profundo e gratificante, um tipo de magnetismo que nos envolve e agarra lentamente. “Tough Love” traz-nos de volta algum alento e “Her”, mais animada e com uma iluminação “cor de carne”, provoca alguns arrepios.
Aos primeiros acordes, o público reconhece “Show Me Everything”, reagindo com um forte aplauso, silenciado com “Another Night In”. A despedida foi acompanhada com um rendilhado de luzes para a magnifica “For The Beauty” que nos invade e se entranha, sem aviso, em todos os poros da pele. Fala-nos da relação entre beleza e dor e de como aprendemos a lidar com a dor no quotidiano. O público reage novamente com uma enorme ovação, não arredando pé até sinais de encore, que foi preenchido com “A Night So Still” e “Take Care In Your Dreams”, a derradeira, “a song to send us home”.
Para muitos, este foi talvez dos melhores concertos dos Tindersticks. Continuam a ser imemoriais, sem se deixarem levar por modas ou pressões. Stuart Staples não desapontou, pelo contrário, encantou pela coerência e pelo magnífico tom de voz que mantém. Conseguiram levar o público numa viagem através de vários álbuns, percorrendo os singles mais sonantes, deixando quem os ouvia ao rubro. Stuart manteve a sua habitual posição intimista, tímido e esquivo com o público, mas completamente entregue à música. Isto sentiu-se e viu-se quando cantava, tocava, dançava e se contorcia com trejeitos muito pessoais, numa gestualidade controlada.
Há ainda a referir a simplicidade da produção. Apenas luzes e tela negra ao fundo, que por vezes tinha cor a oscilar entre os verdes, os azuis, os brancos e os vermelhos. Os feixes luminosos iam incidindo em determinados músicos, nos pequenos solos. Foi o caso do bandolim em “Pinky As The Daylight” e a belíssima, e por isso destacada, guitarra em “Tough Love”. A ausência de estímulos visuais permitiu ao público uma maior envolvência e concentração nos temas que iam sendo “declamados”, criando uma maior proximidade e ligação com os músicos. Por vezes, Less is more!
Uma noite de encantamento, intensa e um dos concertos a preservar nos nossos arquivos musicais!