‘Poison’ (de NONE) revisitado
‘Poison’ (de NONE) revisitado
‘Poison’ (de NONE) revisitado
Comecemos viagem pelo mais óbvio, colocar no posto de escuta “Wailing”, o tema que tem a responsabilidade de dar início a este Poison. Enquanto os sintetizadores vão criando a sua essência hipnótica e condutora, por sobre cenários sinistros dignos de um conto de fantasmas, começamos por explicar que Anna Nin foi buscar o nome deste projeto, NONE, à liturgia das horas – a oração pública e comunitária oficial da igreja católica. Segundo a artista este edifício religioso deixou-lhe gravadas na memória más lembranças durante o seu processo de crescimento numa pequena região religiosa do norte da Alemanha. Talvez por isso, em certas passagens, a sua música reflita um certo santuário de adoração do negro, onde o caos é contido numa onda expansiva onda de eletrónica etérea.
No alinhamento sucede-se “Blacks Veils”, tema onde ganham foco as camadas coloridas da dream-pop, sem que NONE deixe de fora o negrume existencial que paira na mensagem que traz a público: o resultado de lidar com ansiedade, depressão, tristeza, solidão, saudade e auto-aversão. Neste vazio e baixa de auto-estima, NONE introduz “Insomnia”, canção tingida por sintetizadores nostálgicos, uma voz sedutora e uma coldwave contemplativa da beleza que o sentimento de vulnerabilidade aporta. Na mesma linha encontramos “The World Won’t Listen”, embora com NONE a mostrar uma certa confiança inerte na forma como canta – que apesar de matizada em reverb – se torna mais forte e evidente que nas canções que a antecedem.
Dentro das linhas mais poderosas e sombrias encontram-se temas como “Black”, “Slow”, “Low” ou “Poison” onde os sintetizadores expansivos e as caixas de ritmos se conjugam para dar voz a uma eletrónica ora espacial – no caso de “Black” e “Low” -; ora estimulante -no caso de “Slow” -; ora psicologicamente densa como é o caso de “Poison”. NONE não deixa, contudo, que esta tendência soturna se torne o foco da exploração sonora abordada em Poison, mas sim um elemento fulcral ao seu desenvolvimento. Além dos temas inéditos, Poison vai ainda buscar alguns temas a edições anteriores, sendo portanto, um bom pontapé de partida para iniciar a exploração do trabalho discográfico da produtora alemã. Do total das 17 canções que fazem parte do alinhamento do disco há cinco que foram repescadas de edições como Odium (2017), Alienari (2017) e Narcomania (2017).
Num álbum que inclui desde a conjugação entre camadas mais saudosas de veia rítmica a ambiências texturizadas cantadas numa voz desolada, destacam-se também temas como “Vibe” – faixa bastante mexida a garantir um efeito de imersão quase instantânea por parte do ouvinte – e “Dreams”, tema que dá por encerrado o disco de forma estritamente sideral, ainda assim com um certo trago de positividade à mistura. Numa duração aproximada a quase uma hora, Poison convida-nos a uma viajem concisa entre os territórios da coldwave e darkwave de aura sensitiva, sem nunca se desvirtuar do seu principal sentido: a forma de Anna Nin expurgar os seus demónios existenciais e se conectar com almas em situações similares.
Poison foi editado oficialmente a 1 de dezembro de 2017 pelos selos Uknown Pleasures Records e Black Verb Records. As últimas edições físicas em formato CD podem ser adquiridas aqui.