“Segundo a ONU, 20 anos é o tempo que resta para a humanidade desacelerar a sua queda inexorável. (…) Tentamos representar esse desafio impossível na capa do álbum: uma mão a afogar-se (referindo-se ao aumento dos oceanos) e a queimar-se até ao fim. Uma bela e global tragédia em câmara lenta“.
Desde a formação até à data do lançamento, deste 20 Years foram quatro os anos que a banda dedicou a forjar a sua sonoridade singular, fortemente trabalhada ao redor das melodias vocais, onde as letras são redigidas em sonância com a progressão dos ritmos criados. Numa atitude vigorosa, emergente e de apelo à ação – que é posteriormente camuflada entre uma digitalização vocal de texturas doces, sobreposta a um compasso rítmico bastante acelerado de ambiências selvagens e distorcidas – os SURE criam um disco ao qual, após o play, é impossível ficar indiferente. Tudo começa por se formar entre dois elementos cruciais: a água e o fogo. Em pano de foco na capa do disco, juntamente com uma mão que representa a frágil condição humana, a banda explora esta ideia de apocalipse, à qual dá continuação com os temas que integram o alinhamento do disco. A história completa relativamente à imagem pode ser lida numa entrevista que os SURE deram à Neoprisme aqui.
20 Years tem abertura com “What’s Left”, a primeira amostra da luz incendiária que o trio de Paris emana entre os seus sintetizadores amplificados de força brutal. Há um poder obscuro e fervoroso ao qual é inverosímil não formular qualquer espécie de emoção e ainda uma vontade inerte de o reproduzir por horas a fio. Segue-se “Morrows”, mais uma faixa amplamente abrasiva que é apresentada através de um trabalho audiovisual de autoria de Nicolas Di Vincenzo e Gregory Hoepffner, onde a força e a bravura das ondas do mar aparecem em plano de foco numa perspetiva humana de contemplação e fragilidade. Neste caos sonoro de essência batcave, surge no alinhamento “Tasting Revenge” o primeiro cocktail de som que os SURE criaram antes de nos terem oferecido o piromaníaco “Precious Words”, ambos, dois néctares de cor tendencialmente negra, com aromas a fumo e um sabor emergente a fogo de final longo e encorpado. Para dar fim ao lado A, a banda inteligentemente escolhe “Twenty Years”, a primeira faixa a servir de apresentação ao disco. Num tema cujo vídeo funciona como uma espécie de perambulação hipnótica diante do colapso, a banda mostra que, enquanto houver coisas para queimar, o seu som continuará a fluir de forma autêntica e iminente.
No lado B que se inicia com “Another Girl”, os SURE mostram uma essência romântica que até então, não se encontrava tão evidente. Por trás do som esteticamente violento e camuflado pela distorção ganham destaque as linhas do baixo a brilharem, pontualmente, nas quebras de ritmo ao longo da sua progressão. Pelo caminho encontramos “Relief”, single onde os SURE apostam forte na exploração de camadas melancólicas e experimentais, construindo um som mais badalado que o impresso até então. Tudo isto enquanto preparam o ouvinte para uma das grandes pérolas do álbum, “Lying Dead”. Entre a subordinada atmosfera poderosa de sintetizadores funestos – que tem sido destaque na abordagem musical que os caracteriza – é, quando chegamos ali ao minuto 1.44 que os SURE viram o jogo e colocam todos os focos de luz virados para si. Aquele riff de guitarra a emergir das trevas, entra numa harmonia perfeita com a eletrónica robusta que o sustenta enquanto prepara o ouvinte para paisagens sonoras ora sinistras e desoladoras, ora amplamente confortáveis e emotivas. Para a despedida fica “Sinking Story”, outro tema que, a par com o já mencionado “Relief” volta a explorar texturas nostálgicas, refletindo o tão conhecido estado de calma antes da tempestade.
Entre os quatro anos que levaram à conceção deste longa-duração os SURE aprimoraram não só a sua base como artistas DIY a nível musical, mas igualmente ao nível estético. A estreia pela alçada da Weyrd Son Records – uma das editoras que tem desenvolvido um forte cunho no design criativo de discos ímpares – resulta num trabalho que arregala não só os olhos, mas claro está, os ouvidos, ao apresentar uma imersão quase instantânea numa sonoridade contagiante que funciona como um convite inegável à pista de dança. Na tentativa de desacelerar a queda implacável da humanidade, em 20 Years os SURE retratam de forma eficaz este desafio de tragédia global em câmara lenta, num disco que apela à emoção do ouvinte para refletir um efeito de ação. Sem dúvida um passo corpulento na história de uma banda que tem tudo para se tornar no novo grito da cena underground.