Brlin
The Dust Of Our Dreams

| Julho 13, 2020 12:00 am

The Dust Of Our Dreams | L’Autre Distribution | março de 2020
8.5/10

Os gauleses Bärlin têm-se mantido na sombra da celeridade desde que se estrearam nas edições de estúdio com Bärlin (2012). Em 2017, Portugal viveu o fortúnio de receber este grupo magistral numa estreia exclusiva em território nacional (a única até à data) que ainda hoje marca na memória saudosos momentos de puro deleite. Clément Barbier (voz/clarinete), Laurent Macaigne (baixo, voz secundária) e Simon Thomy (bateria, voz secundária) construíram uma máquina de música emotiva, cheia de vida e recheada de um virtuosismo ímpar ao qual já não estamos assim tão habituados nos dias que correm. Nos cinco anos que levaram a esculpir este novo The Dust Of Our Dreams o trio francês aproveitou para almofadar mais a sua aura contagiante num disco pautado pela criatividade e pelos ritmos lentos que, a pouco e pouco, se enriquecem de camadas profundamente intensas. Um pouco de paciência, perseverança e muito profissionalismo à mistura foram os elementos suficientes para criar mais um trabalho conciso com a alçada de qualidade a que nos têm habituado. 

Com uma sonoridade caracterizada entre um low-rock com elementos da jazz-fusion os Bärlin começam por iniciar o terceiro disco de estúdio com “Pagan Rituals”, um tema de cariz fortemente instrumental onde e, como já é habitual, o clarinete vem dar as boas vindas à sua aura sentimental que o seu trabalho aporta. A voz de Clément, grave nas tonalidades que emana, junta-se pontualmente à instrumentação para injetar uma trama de desconsolo enquanto o grupo nos vai projetando para uma amálgama de energia que, “violentamente” exploram com o crescendo de ritmos que transmitem. Não é um ritual pagão, mas é um tema absoluto que aporta uma sensibilidade difícil de atingir, mas que os Bärlin aqui moldam tão bem ao longo de cerca de 10 minutos. Se ao vivo são autênticos animais de palco, em estúdio os franceses não se deixam intimidar, conjugando caos e harmonia no mesmo esquema de som. 



The Dust Of Our Dreams começou por ser anunciado corria o mês de dezembro através do tema homónimo “The Dust Of Our Dreams”, a segunda faixa do alinhamento. Numa atmosfera enriquecida com elementos minimais e tendências progressivas, os Bärlin tecem um ambiente encantador que trabalha em torno da exploração do tempo, o contraste entre vocais aguçados e graves e um certo efeito de paixão ao qual é difícil ficar alheio. É também nesta música que voltamos a relembrar a voz doce e frágil de Simon Thomy que abre um novo caminho para atmosferas mais badaladas, mas sempre densas. Embora as duas primeiras faixas já se apresentem bastante promissoras é em “The Feast” que The Dust Of Our Dreams reavive na memória o porquê de os Bärlin serem um dos mais interessantes projetos no panorama atual. Entre um início algures sinistro e q.b. clássico – com as artimanhas do clarinete a fazerem-se ecoar forte (um instrumento sempre presente e distinto no seu trabalho) – é, no seu final profundamente intenso e de percussão ritmada, que a energia começa a emanar forte. 



Com uma presença mais madura que nos trabalhos anteriores, em The Dust Of The Dreams os Bärlin voltam a injetar notas sensíveis e memoráveis num corpo musical que, de certa forma, também evoca as sensações catastróficas da existência, numa presença avassaladoramente marcante. Depois da “depressiva”, “Glasshouses” – onde também se encontra inerente a delicadeza do ser – os franceses saem-se com uma poderosa “Black Heart” pronta para colocar o ouvinte no chão. Já a aproximarmo-nos da despedida podemos ainda encontrar a pérola “Emerald Sky”, o tema mais curto do álbum, mas também um dos mais densos e estimulantes, enquanto nos preparamos para culminar viagem em “Opium Fields”. Se até então o caminho parecia belo e envolvente é nesta canção que se encontra a cereja no topo do bolo. “Opium Fields” é um dos temas mais ricos do álbum com uma percussão estimulante, um baixo sisudo, um clarinete em desconsolo e a manejar uma personalidade musical altamente demarcada e ainda uma voz que se esconde por trás do altifalante. 


Ao longo das sete faixas que compõem o seu alinhamento, The Dust Of Our Dreams engloba um universo musical tão mágico quanto escuro, criando um cenário desolado, mas igualmente consistente e engradecido pela poesia sonora que o circunda. Ao apresentarem um preciosismo iminente na exploração de vibrações melancólicas, os Bärlin instilam um ambiente de paixão contagiante do qual é muito fácil sair-se enamorado. Ao terceiro disco de estúdio a banda francesa volta a deixar claro que o segredo para as suas criações inocentemente belas é o entusiasmo e esse, eles claramente sabem aplicar em perfeita harmonia no rock decadente de influências clássicas que, tão bem, nos entregam. The Dust Of Our Dreams é um disco que, embora dificilmente projete os Bärlin para o olhar do grande público, certamente os afirma como um dos mais interessantes atos na exploração da sensibilidade musical ao mais alto nível.


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