Todo este cenário começou a ganhar forma em 2018 quando os XDZVØNX colocaram cá para fora TAPE_01, o primeiro álbum longa-duração – a colocar em voga uma certa vibe sinistra com grande foco de exploração no witch house e algumas tonalidades do trap experimental – ao qual se sucedeu, um ano mais tarde, o EP MAYKO, onde a eletrónica arrojada e negra começou a mostrar-se evidente na sua abordagem. Se na Rússia os Ic3peak construíam o seu império bizarro, na Polónia eram os XDZVØNX que rugiam no underground com “KOLKHOZ” a tornar-se grande hit de carreira e a projetar esta dupla como uma das novas atrações da eletrónica DIY. Já com o estranho 2020 enraizado no espaço temporal, o grupo coloca cá para fora Everything We Dreamt About, o segundo longa-duração de carreira que incorpora o glitch como ingrediente principal e os projeta para as pistas de dança mais underground Europa fora, antes de vigorarem à conquista do mundo.
Apesar da eletrónica brutal que exploram com afinco e ruído à mistura, os XDZVØNX optaram por abrir Everything We Dreamt About de forma contemplativa com a balada sintetizada “WHY I CALLED YOU”, a primeira brisa de ar fresco antes das colunas ganharem presença com “FACE BY FACE”. Na maioria das vezes ruidosos e distorcidos entre as ondas eletrónicas que conspurcam é, quando abraçam os ritmos mais melancólicos que os XDZVØNX mostram todo um novo lado de fragilidade. Lýlka Kørbová mostra o potencial envolvente e poético da sua doce voz que é notório em temas como “PRAY” (apesar da progressão da eletrónica que culmina bem negra), “BUъъLES” e “I WANT TO FIND THIS GIRL”. Equilibrando o espectro sonoro entre energia poderosa e iminente e uma aura de certo modo sonhadora, os polacos conseguem criar um ambiente altamente sinistro num mundo de violência contida onde, ainda assim, existe esperança.
Everything We Dreamt About começa por chamar a atenção dos ouvintes alheios ao projeto essencialmente pela veia eletrónica que vai beber influências a nomes como Crystal Castles e que vigora com força em temas como “THE FINAL BOSS”, “PANIC” ou “NO EYES”. É aqui, no meio das consolas “em crash”, que nasce a vontade de explorar melhor a parafernália sonora que os XDZVØNX criam. Se nas primeiras seis músicas já há pano para enaltecidos elogios, em “YOU HAVE TO BE ALONE”, a dupla aproxima-se de uma estética mais Bestial Mouths dando vida a mais um tema inquieto e perturbante que desenha o cenário de maldição numa eletrónica psicologicamente densa. Está a ser uma viagem deveras imersiva, não está?
Mais ligados às raízes, numa segunda parte escutamos “LITZMANNSTADT (feat. BELMONDO)”, a primeira faixa do disco onde SNUFKIN decide mostrar a sua voz imperativa e trazer à ribalta algumas das tendências trap e hip-hop que têm integrado alguns dos capítulos da existência dos XDZVØNX. Depois do transe desvirtuado em “PLAYGROUD”, em grande destaque nesta última metade do disco podemos encontrar a faixa “STUPID SMILE”, uma das criações mais avant-garde que este Everything We Dreamt About nos traz. Num tema absolutamente camaleónico que inaugura de forma celestial e caminha de forma ténue para uma vertente darkwave é, a partir da sua metade que o ritmo se perde no tempo e no espaço, sendo distorcido, amolgado e arrastado num foco de dispersão altamente difícil de assimilar. Fora de tudo o que tinha sido anteriormente abordado neste Everything We Dreamt About, em “STUPID SMILE” os XDZVØNX fazem imperar uma força sobre-humana altamente surpreendente, num experimento sonoro brutalmente artístico. Em modo despedida surge a injeção “I AM SAINT”, mais uma malha macabra ao jeito de “LITZMANNSTADT (feat. BELMONDO)” que finaliza o disco em modo suspense deixando aquele trago de saciedade, bem como a vontade de beber da próxima colheita.
Parte integrante do coletivo artístico TRØPY – cujo trabalho se foca na glitch art inspirada pela arquitetura brutalista – os XDZVØNX enaltecem em Everything We Dreamt About uma obra de expressionismo pós-moderno, criado por trás duma máscara e vastamente influenciada pela arquitetura gótica e barroca tão característica de terras polacas. A banda consegue embeber no mesmo produto estéticas que vão do witch-house, hard-core trap, nintendocore, ravepunk ou synthwave num disco que mantém uma coerência altamente assimilável de início ao fim. Produto de consumo altamente recomendável e pronto para se fazer escutar forte abaixo.