Cinco Discos, Cinco Críticas #59

| Agosto 11, 2020 1:09 am


Num ano perdido no que toca a espetáculos ao vivo resta-nos consumir em grande escala os poucos lançamentos que vão emergindo mundo fora. No radar de julho fizeram escutar-se forte do nosso lado os mais recentes trabalhos de Yo La TengoWe Have Amnesia Sometimes (2020, Matador Records); MaufraisLuxury Of Complaint (2020, Sound Grotesca); Daisy MortemFaits Divers (2020, NAPP Records); Neptunian MaximalismÉons (2020, I, Voidhanger Records) e VlimmerXIIIIII/XIIIIIII (2020, Blackjack Illumininst Records). 


Assim, numa viagem multifacetada entre diversos territórios e géneros musicais convidamo-vos a clicarem no play enquanto (re)descobrem os mencionados lançamentos na íntegra. A nossa honesta opinião sobre os mesmos pode ler-se abaixo.



We Have Amnesia Sometimes | Matador Records | julho de 2020

7.8/10 

We Have Amnesia Sometimes é provavelmente o álbum mais meditativo dos Yo La Tengo, banda que tem vindo a marcar o panorama da música indie nas últimas décadas. Os autores de Painful e I Can Hear the Heart Beating as One presenteiam-nos este ano com um lançamento diferente do habitual, composto por cinco improvisos de música drone. Gravado na sua sala de ensaios com apenas um microfone, estes são minimalistas, longos e repetitivos. Todos eles se focam em notas e acordes sustentados ou repetidos inúmeras vezes, introduzindo esporádicas melodias subtis ou a presença, em algumas faixas, de ritmos percussivos sob os quais assentam as harmonias. 
Os Yo La Tengo são conhecidos pelas suas canções, mas mostram-se igualmente capazes de criar ambientes sonoros onde a nossa mente pode andar à deriva. Aqui não há vozes, refrões ou solos a que nos possamos agarrar, apenas texturas sonoras contemplativas e devaneadoras com as quais podemos relaxar, fechar os olhos e viajar para locais imaginários reconfortantes.
Rui Santos



Luxury of Complaint | Sound Grotesca | abril de 2020 

7.5/10 

Os Maufrais são uma banda formada por Sam (baixo), Phil (percussão), Ryan (vocais) e Chester (guitarra). Oriundos do Texas e inspirados pela trágica história de Raymond Maufrais ou talvez pelo mito urbano gerado em volta da constância da palavra “Maufrais” nos passeios de Austin, este quarteto lançou o seu primeiro trabalho na primavera deste ano, que conta com uma edição em cassete pela Sound Grotesca
A introdução de Luxury of Complaint é uma espécie de marcha fúnebre – “solitude and sadness / weakness exposed / all happiness dissolves / stuck in self-anguish / but I can’t avoid the fall” – que desemboca na primeira faixa oficial da cassete, “Preferred Death”, também ela bastante deprimente – “nothing right in my head / disappointed everything in my path / wish it wasn’t that way but / I forget“. “Christian Contradiction”, a terceira faixa de Luxury of Complaint, é uma crítica à religião organizada, à qual se segue “Sustain”, o momento mais positivo do disco e um testemunho à perseverança de triunfar face a enormes adversidades. Por oposição, “Rigor Mortis” – “I can’t move / I can’t yell / I only watch the days go by and let this world sink further into hell” – e “No Lease On Life”, a última faixa do disco, falam dos sentimento de apatia e resignação ao absurdo e à inconsequência da existência humana. 
Na véspera do desaparecimento de Vern Rumsey, membro fundador dos incontornáveis Unwound, eis um disco que não poderia existir sem a sua herança. Fãs dos Velvet Underground, dos Beat Happening e dos Minutemen, têm aqui pouco com que se entreterem – o disco, afinal de contas, dura menos de 10 minutos – mas muito por onde se inspirarem.
Edu Silva



Faits Divers | NAPP Records | janeiro de 2020 

8.0/10 

Cerca de dois anos após o primeiro EP de carreira La Vie C’est Mort (2018) os Daisy Mortem regressaram ao radar com Faits Divers o disco de estreia que marca um grande período de maturidade face ao que anteriormente nos tinham mostrado. Com uma eletrónica de difícil acesso – sorumbática, violenta e extremamente imprevisível – os Daisy Mortem têm criado uma estrada de curvas e contracurvas erradicada na excentricidade dos aparelhos digitais que lhe sucumbem. As, letras de cariz estranho e ousado são obtusas e aportam um sentimento rave bastante vívido num cenário de caos iminente e confusão existencial. Com referências culturais e artísticas num grande espectro de atuação, os Daisy Mortem estão a criar uma sonoridade que roça a música de qualidade intragável a produções de luxo amplamente coesas e aditivas. 
Faits Divers começou por ser apresentado através de “Arêtes”, o primeiro single a axompanhar o episódio de estreia da minissérie de vídeos de promoção do disco, que contou ainda com o hit de condução noturna “L’Accident Est Inévitable” e a curta-metragem Pasoliniinspired “La Nuit Sexuelle”. Composto por nove músicas criadas num âmago eletrónico amplamente poderoso, Faits Divers encontra-se recheado em criações esquizofrénicas feitas para fazer abanar a anca sem sentir culpa. Desde o arrojado tema de abertura homónimo, passando pelo marcante “Mange tes Morts” até à faixa de eurodance “Étoils”, Faits Divers marca um progresso muito agradável na carreira de uma banda que tem muito para ensinar e acrescentar ao cenário atual. 
O resultado é um disco que convoca sentimentos de desordem, mas de profunda inibição quando é amado, como é o caso deste Faits Divers. Um 8/10 perfeitamente sólido.
Sónia Felizardo





Éons | I, Voidhanger Records | junho de 2020 

8.0/10 



Resumir a experiência de ouvir Éons dos belgas Neptunian Maximalism pode ser traduzido por uma frase utilizada pelo antigo treinador do Benfica, Rui Vitória: “Estas coisas são para campeões, se fosse fácil não era para nós”. 
Efetivamente, ouvir Éons não é uma experiência fácil. É um álbum de duas horas e oito minutos, que mistura o free jazz de John Coltrane, com o drone dos Sunn O))) ou dos Earth e o noise dos Swans (a crítica do Bandcamp cita ainda as “inspirações globais dos Goat“, mas sinto que isso era ir longe de mais) e que pretende desafiar a audição do ouvinte com as suas ambições desmedidas. 
Sim, é um álbum que não é para todos os ouvidos, mas podemos garantir que se decidirem tirar um momento do vosso dia (ou vários, é um álbum longo, podem fazer uma pausa pelo meio sem se sentirem julgados), o sentimento de catarse ao longo desta experiencia irá compensar o desafio. 
Entre saxofones expirados selvaticamente, acordes com afinações gravíssimas e cânticos xamânicos, Éons é um álbum que mexe com as nossas entranhas, que altera a perceção do ouvinte e que expande a possibilidade do que é possível fazer com instrumentos musicais.

Hugo Geada









XIIIIII/XIIIIIII | Blackjack Illuminist Records | julho de 2020 


7.0/10 



Alexander Leonard Donat (Blackjack Illuminist Records, Feverdreamt, WHOLE) está quase a concluir o seu objetivo de lançar 18 narrativas sob o moniker Vlimmer. Num projeto, que teve início em novembro de 2015, Vlimmer pretende retratar a história de um jovem que procura descobrir o que o levou a tonar-se na pessoa danificada que é, ao longo de 18 EP’s. Segundo o artista este “estrago” emocional sentido pelo jovem é resultado da sua desastrosa viagem no tempo que o trouxe de volta ao presente numa mente disfuncional. 
Se no episódio 15 que culminou exatamente na tentativa do protagonista em retornar ao presente, tendo ficado preso num lugar desolado, sem noção de tempo e espaço; no episódio 16 (XIIIIII), o jovem comete um assassinato à meia-noite, rouba as chaves da vítima e entra no seu luxuoso apartamento, onde finalmente desmaia. Por sua vez, o capítulo 17 (XIIIIIII) retrata um sonho febril onde o protagonista é preso, julgado por assassinato e condenado. Sonoramente essa mudança de ação é bem denotada entre as diferenças de abordagens exploradas nos dois EP’s. Se, por um lado XIIIIII se destaca pelo aumento da experiência imersiva no som, num disco poderoso a embeber influências da darkwave contemporânea à dream wave e post-punk clássico, em XIIIIIII Vlimmer dá aso à exploração das intermitências do som numa eletrónica contemplativa de ritmos lentos e profundidade aumentada. Apesar disso Vlimmer consegue criar uma forte coerência entre as duas partes num disco de fácil audição. 
Enquanto o destino do jovem não é desvendado pode explorar-se a sua dimensão sensacionalista abaixo, num trabalho onde se recomenda a audição de temas estimulantes como “Taubheit” ou “Kopfkante”.

Sónia Felizardo






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