As 16 revelações nacionais de 2020

As 16 revelações nacionais de 2020

| Dezembro 18, 2020 1:06 pm

As 16 revelações nacionais de 2020

| Dezembro 18, 2020 1:06 pm

Não foi fácil, mas o longo pesadelo que tem sido 2020 está finalmente a chegar ao fim. Foi um ano especialmente difícil para músicos, que viram a sua principal forma de criar rendimento a ser limitada com a atual pandemia, e para inúmeros espaços de concertos que tiveram de fechar portas por não conseguir criar receitas para pagar as suas despesas. 

Neste espaço pretendemos homenagear aqueles que tiveram coragem de começar uma nova aventura musical e oferecer a todos os curiosos uma companhia para enfrentar o confinamento. Desde o jazz tuning dos Yakuza ao club distópico de Swan Palace, eis as revelações nacionais de 2020 para a Threshold Magazine.




Henrik Ferrara e Guilherme Correia são ATA OWWO e GUILLIO, artistas que trabalham em música experimental e eletrónica que uniram esforços para a composição e gravação do seu álbum de estreia como dupla, Songs for Green Tea and Peppermint Pope. Desenvolvido durante quatro dias passados em retiro rural, este baseia-se no improviso e na experimentação, que deram origem a temas que atravessam territórios variados.

“Rico em Riscos de Ferrugem” e “Chá Frio/Chá Quente”, faixas de abertura, adivinham desde cedo as várias facetas do projeto. A primeira combina melodias robóticas sintetizadas a guitarras barulhentas e ritmos de bateria fluídos e dinâmicos, gerando um pandemónio musical de grande intensidade. A segunda apresenta um ambiente sonoro pormenorizado e suave, sobre o qual sintetizadores e flautas são tocados de forma hipnotizante, transportando-nos para uma floresta encantada de um mundo de fantasia. O resto do álbum continua a brincar com as nossas expetativas, passando por diferentes sonoridades e ambientes.

Songs for Green Tea and Peppermint Pope é a inevitável conclusão de um encontro entre músicos em consonância. Uma breve, mas forte explosão de criatividade e sabores que nos transporta para diferentes mundos e nunca nos deixa ficar confortáveis durante demasiado tempo. Rui Santos. 


Bonifácio

Já estávamos nos últimos dias de Verão quando o produtor portuense Bonifácio deu à margem, com o seu EP de estreia, Hanami. O disco, que guarda na essência uma série de experiências assimiladas por João Bonifácio aquando uma viagem ao Japão ganha destaque nas edições do ano e afirma-o como uma das revelações em tempos vindouros. 

É facto que a música ambiente é um dos grandes motores da produção nacional e Bonifácio aproveita esse mercado emergente para projetar o seu nome no meio. A aposta vem claro da Regulator Records, um ninho para a acensão de novos projetos, como foi o caso de Forest Fires e Misfit Trauma Queen no ano passado e agora de Bonifácio. Ao longo de quatro temas – nos quais forja o seu rumo muito próprio, ao condensar camadas luminosas, sintetizadores despretensiosos e uma bateria tão suave quanto hipnotizante – Bonifácio aposta na exploração de ambiências sonoras situadas entre a doçura da pop eletrónica e os sentimentos alucinogénios da correria social evidenciada no séc. XXI. Dinâmico na abordagem, com este Hanami, Bonifácio tece um disco suave, translúcido e sedutor pronto para o fazer efervescer. Sónia Felizardo


Cátia Sá

Da Barriga, o primeiro trabalho de Cátia Sá em nome próprio, nasce de um desejo de superação e da vontade da cantora escrever, compor, gravar e produzir o seu próprio disco. Para o efeito, a vocalista dos extintos Guta Naki serviu-se do material que tinha à mão e de um pequeno theremin que a própria construiu para elaborar preciosas canções de uma electrónica tropical e onírica. Introduzindo uma abordagem mais exploratória que nos seus projetos anteriores, Cátia Sá constrói um universo sedutor de samples e batidas fragmentadas, melodias luminosas e texturas atmosféricas que dão corpo a um trabalho que tem na voz o seu principal elemento – ora limpa e graciosa como em “Mareh”, ora metálica e processada como em “Freirinha”, num misto entre a canção popular de B Fachada e a devoção espiritual de EartheaterFilipe Costa




Intenção é o trabalho de estreia de EVAYA, nome artístico de Beatriz Bronze. A cantora, produtora e compositora utiliza elementos pop combinados com música eletrónica, composta por sons que a rodeiam no dia-a-dia. EVAYA tenta dar a mão ao ouvinte, para que este a acompanhe numa viagem onde aborda temas como a natureza, a guerra, a paz e a esperança. Enquanto procura despertar neste o interesse de se tornar íntimo com a dinâmica das suas emoções.

Beatriz Bronze apresenta-se ao público com um trabalho conceptual, em que o registo vocal terno se envolve amiúde com uma melodia eletrónica, formada pela heterogeneidade de sons do quotidiano da artista. Os conceitos de intenção guiada pelas emoções, progresso pessoal e a atual dinâmica de grupo vivida mundialmente são temas que se encontram intrinsecamente presentes nas músicas de EVAYADavid Madeira


Fashion Eternal

Da união entre o produtor Vítor Bruno Pereira (Aires, Shikabala) e o baterista João Valinho nasceu Fashion Eternal. Fashion is Never Finished é o primeiro esforço desta entusiasmante sinergia, uma peça de 18 minutos que propõe interrogar os limites da música ambiente através de um diálogo provocador entre eletrónicas abstratas e palpitações rítmicas em forma de percussão. Através de um processo exaustivo de reapropriação – feito de cortes, colagens e repetição – Fashion is Never Finished explora “a integração (e desintegração) dos efeitos e manifestações da cultura popular sónica no quotidiano”, sublinha-se nas notas de edição, orientando o ouvinte por uma narrativa debordiana em tempo real que pretende desconstruir o “estímulo musical viciado ao qual estamos sujeitos por esta sociedade espectacular”. Filipe Costa


himalion

O álbum EGRESS – an introduction to himalion, uma edição de autor, é a estreia nos discos em nome próprio do músico aveirense Diogo Sarabando com a sua nova identidade artística himalion. EGRESS é, acima de tudo, um registo que retrata uma jornada – que tipo de jornada, isso depende da interpretação de cada um – que é retratada pelas oito faixas que compõem o seu alinhamento, e que possuem uma aura mais introspectiva e esotérica na sua narrativa lírica. A sua sonoridade denota um apego a sonoridades mais etéreas e pastorais próprias do indie/alternative folk (com um leve teor a sons reminiscentes do ambient) que transportam o ouvinte para um imaginário similar ao de nomes como Sufjan Stevens. Os singles “Around the Mend” e “(海岸) Hour + Glass” são um cartão-de-visita bastante atrativo para o resto do conceito de EGRESSRuben Leite


João Vairinhos

O menino prodígio da bateria dedica-se agora à produção a solo com Vénia, o seu primeiro esforço que pauta pela toada instrumental dinâmica, tão familiar em certas instâncias, como distante e surreal, noutras. 

Depois de anos a tocar em palcos nacionais, escondido dos holofotes, João Vairinhos dá a cara num EP de excelência rico em atmosferas negras e psicologicamente densas. Ao equilibrar ambientes inertes de ritmo a cenários sonoros energéticos e de profunda catarse, João Vairinhos constrói um disco conciso que, apesar da sua curta duração já o consagra como um dos grandes nomes da produção nacional na componente dark da música eletrónica.

O disco de três temas vai beber inspiração a várias obras de ficção científica nascendo entre o negrume da existência e a própria redutibilidade do ser. Sem medo de recriar na mente do ouvinte um estado de surrealismo inerte, João Vairinhos apresenta um disco que cai bem nos estranhos tempos que caracterizam o novo modernismo e que bem reflete os seus traços promissores na produção nacional. Uma vénia. Sónia Felizardo


Lorr No

Nuno Loureiro deixou de ser um nome novo há algum tempo: o membro integrante de grupos como Fugly ou Solar Corona e a cara por detrás de Mada Treku não é uma presença invulgar na cena musical portuguesa. Lorr No é o seu novo projecto e vemo-lo a envergar por caminhos distintos daqueles que tem traçado. Desta vez, em Alergia, escolhe retratar novas paisagens sonoras armado por sons sintetizados e etéreos, trazendo à memória ecos distantes de Tangerine Dream e Vangelis em melhores dias. A electrónica progressiva de Lorr No cria um bom contraponto com o que Nuno desenvolveu enquanto Mada Treku, deixando no passado o ambient negro e cru que Learning Exercises on How to Move On tão bem mostrou. As peças compostas em Alergia têm espaço para brilhar e criar a sua própria voz, não deixando que essa singularidade evite os momentos em que comparações ao trabalho de Daniel Lopatin se tornam inevitáveis. José Almeida



Rosa Pano, a estreia de Luís Pestana em longa-duração, encontrou casa no lugar mais improvável. A americana Orange Milk Records, conhecida por albergar alguns dos mais inventivos documentos da música eletrónica progressiva moderna, é responsável por selar o mais recente trabalho do guitarrista dos extintos LÖBO, que apresenta no seu primeiro álbum um tratado de eletrónicas pastorais inspiradas nas canções de embalar que a sua mãe lhe cantava em pequeno. Composto por oito faixas que balançam entre a insustentável beleza do drone e as qualidades renovadoras da música tradicional portuguesa, Rosa Pano distancia-se das paisagens oníricas da editora americana – que tem em Foodman, Giant Claw e Machine Girl alguns dos seus maiores representantes -, apostando nas potencialidades da composição eletroacústica para construir o seu próprio folclore. Filipe Costa



Night Princess


O ano é 2020 e o sabor do momento é o autêntico festival de incertezas e alienação que projecta uma reestruturação da maneira como vemos o mundo. Talvez seja isso que motiva Night Princess. Talvez não. O que é certo é que o álbum homónimo que editou em Junho deste ano é uma ode à hiperactividade, ao apelo orgânico que a incerteza e distorção conseguem ter. Night Princess, editado pelo Dismiss Yourself Archive, é uma força da natureza movida a chiptune e BPMs altos, sintetizando combinações orelhudas de vozes manipuladas e batidas distorcidas em sequência. Os canones da música de dança revelam-se regularmente neste frenesim enterrados numa produção hyperpópica, com especial destaque para o drum and bass elevado a um quase drill and bass, para as visões/ficções de Xanopticon a canalizar os grandes êxitos de goreshit e 100gecs. Talvez o melhor seja simplesmente descrever toda esta agressão cativante como glitch lolicore hiper-saturado e criativo e ficar por aqui. Talvez não. O que é certo é que Night Princess soa àquilo que espero do futuro e isso – talvez – baste. José Almeida


Noiva

Após a sua participação na coletânea RIP 2020, do Coletivo Colunas, Noiva, projeto a solo de Sara Vigário, tem em Condominium o seu primeiro EP. Este é composto por quatro faixas que aliam os sintetizadores a uma série de samples, vários deles retirados de vídeos ou filmes, como a popular comédia de ação ugandesa Who Killed Captain Alex?

Os sons provenientes de diferentes fontes encaixam todos de forma coerente, integrando texturas sonoras e ritmos incomuns, mas dançáveis. “Foreign” é o melhor exemplo disto, com as suas variadas melodias, associadas a diferentes timbres, que aparecem e desaparecem continuamente, gerando uma agitação muito cativante que é segurada pela percussão constante. Esta e as restantes composições navegam pelos caminhos da música eletrónica progressiva, do glitch e da música de dança eletrónica mais alternativa.Condominium é um lançamento totalmente independente, digital e gratuito que pode ser encontrado no Bandcamp da artista. Rui Santos




O duo de produtores Rúben Silva e João Coutinho, conhecidos por Satha Lovek, lançam-se nos registos em nome próprio com o EP PT Malacca pela chancela do Coletivo Farra. O EP demonstra uma ausência acentuada de sentimento patriótico, transportando o ouvinte a um percurso entre Portugal e o bairro português de Malacca, com o propósito de demonstrar uma mensagem satírica ao ultranacionalismo. Tendo isso em mente, a sonoridade que caracteriza a identidade dos Satha Lovek demonstra uma ofensiva caótica mas bastante aliciante que envolve free-jazz, plunderphonics e IDM e que demonstra um espírito bastante sinistro por via de sons de drone tenebroso, batidas ofegantes e samples miscelâneos que não deixam ninguém indiferente. Tudo isto para, ao fim dos 22 minutos que preenchem PT Malacca, ilustrar uma devastadora desconstrução das ornamentadas lendas do império colonial. Ruben Leite


Swan Palace

Depois de anos a aprimorar um corpo de trabalho tão celestial quanto cibernético, com várias composições esporádicas lançadas de forma independente, Swan Palace prossegue a sua missão pelos mundos distópicos da club futurista com No Miracles, tratado alquémico de eletrónicas rarefeitas que assinala a estreia em longa-duração de Pedro Menezes. Composto por seis faixas originais e três remisturas de Odete, UNITEDSTATESOF e Concrete Fantasies, No Miracles é o retrato de uma nova geração de produtores que não olha a géneros e que encontra nas potencialidades dos graves e dos ritmos quebrados o material sónico necessário para exteriorizar os seus sentimentos. Alternando entre a deriva ambiental e a força bruta do noise, do metal e das power eletronics, e com o auxílio de figuras familiares como FARWARMTH e DRVGジラ, que prestam preciosos contributos nas faixas “Rose Gold Skin” e “7777 Angels”, respetivamente, No Miracles carimba a posição do músico sediado em Lisboa na sempre efervescente cena eletrónica da cidade. Filipe Costa




Das periferias de Sintra vem Tristany, artista multidisciplinar que tem no seu Meia Riba Kalxa um dos mais admiráveis álbuns de 2020. Música sem rótulos, dotada de um sincretismo raro nas esferas do hip-hop português: aqui há fado e dor na entrega, combate e resiliência na rima, calor e morna na cadência, afrofuturismo no horizonte. Há, acima de tudo, uma vontade visível de testar, sem medos, qualquer tipo de cânones – Meia Riba Kalxa é um verdadeiro alien na produção nacional. É Frank Ocean nos momentos mais vulneráveis, Valete na hora do combate. É música “apátrida”, como explica na entrevista que concedeu ao Rimas e Batidas, influenciada tanto pelos círculos que frequentava em Mem Martins, quando ainda assinava enquanto Tristany Time Old, como pela música da diáspora africana (o rap crioulo está bem representado nas participações de Chullage e Julinho KSD). É, enfim, um bálsamo, uma obra carregada de emoção e esperança que, não sendo o antídoto, é o escape necessário para estes tempos conturbados. Filipe Costa


Vitor J. Moreira

Engrama é o primeiro disco a solo de Vitor J. Moreira, na vertente mais erudita da sua formação, e é de notar que paralelamente à sua formação clássica, o pianista é teclista dos IAMTHESHADOW, Hot Pink Abuse e membro fundador dos Haus En Factor.

Engrama é um álbum de piano a solo que promete e cumpre exactamente o que expõe, uma colecção de dez canções, quanto a mim belíssimas e que por isso não desiludem. Desde o tom melancólico mas esperançoso de “Amor Maior”, peça que abre o disco, e até ao “Amanhecer” que o encerra, somos transportados para uma viagem íntima ao mundo das teclas brancas e pretas, aos tons maiores, aos sustenidos, à interpretação (sempre tão difícil de registar) de um só instrumento tocado na perfeição onde uma inflexão errada pode desvirtuar todo um sentimento que se quer perfeito. O equilíbrio entre as teclas graves e os registos mais luminosos da mão direita fazem-nos viajar, e é nesse sentido que o disco em questão é sublime. Lucinda Sebastião


YAKUZA

YAKUZA é um trio lisboeta que apresenta em AILERON, o seu álbum de estreia, uma sonoridade nu jazz muito groovy e dançável, repleta de ritmos irresistíveis.  As primeiras três faixas mantêm uma pulsação constante e progridem de forma muito natural, tendo mudanças de secção tão fluídas que podem ser impercetíveis. Onde poderiam ser tocados solos ou melodias adicionais, a banda deixa espaços abertos. O foco está no groove, nas interações dinâmicas entre os membros da banda, que vão introduzindo pormenores deliciosos no meio dos riffs e das batidas.

É nas colaborações com outros músicos que se encontram alguns elementos mais tradicionais do jazz, como solos e o uso de piano em vez de sintetizador. A composição que mais avança nessa direção é a brilhante “PICHELEIRA”, mas até esta conta com o som mais característico do trio nos seus minutos finais, durante os quais os timbres do sintetizador passam para primeiro plano. O primeiro disco dos YAKUZA é uma excelente surpresa que alia o jazz à música eletrónica, recomendável a fãs de artistas como BADBADNOTGOOD ou Kamaal WilliamsRui Santos

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