IAN em entrevista: “Sou quem sou, sou quem quero ser”

IAN em entrevista: “Sou quem sou, sou quem quero ser”

| Dezembro 16, 2020 2:26 am

IAN em entrevista: “Sou quem sou, sou quem quero ser”

| Dezembro 16, 2020 2:26 am
© Ana Hop 

Depois de uma passagem por Guimarães, onde integrou a programação do Westway LAB 2020, e por Tavira, IAN apresenta RaiVera em Lisboa, no Altice Arena, no dia 18 de dezembro, integrando  a programação do Rádio SBSR.FM em Sintonia. 

Editado a 21 de agosto pela Vespertine RecordsRaiVera é o disco de estreia de IAN, projeto a solo de Ianina Khmelik

RaiVera é um neologismo composto que em russo significa “paraíso” (rai) e “fé” (vera). Nesta aglutinação dos dois termos, nasce o nome do disco que, tal como IAN, é a conjugação das várias influências musicais, pessoais e profissionais. Este trabalho assume-se como um exercício de liberdade, algo que a artista muito preza e pratica, quer na forma magnífica como funde a eletrónica com melodias cativantes, quer na atitude que transmite, procurando distanciar-se do seu trabalho como violinista clássica. 


Numa conversa em formato eletrónico, falámos com IAN, que nos deu a conhecer um pouco de si, das suas motivações e inspirações, assim como o desejo e determinação em abraçar novos desafios, passando pela participação, já confirmada, no Festival da Canção 2021. 

Aqui fica o registo completo desta conversa. 

A Ianina tem tido bastante projeção nos últimos tempos, especialmente devido ao lançamento do seu primeiro trabalho enquanto IAN. Fale-nos um pouco de si, das suas origens, do seu gosto pela música, da sua formação. Para os que ainda não a conhecem, quem é Ianina Khmelik?

IAN – Ianina Khmelik nasceu numa grande cidade chamada Moscovo, cidade de muitos contrastes, na altura de muitos acontecimentos políticos. Acompanhei a PERESTROIKA com os olhos de uma menina de 4/5 anos. Vivi os acontecimentos e mudanças políticas bastante de perto, uma vez que a minha família estava ligada ao governo da Rússia. A minha avó trabalhou na Procuradoria Geral da União Soviética, entre outros membros da família que estiveram sempre ligados ao Governo… Isto, desde muito cedo, trouxe um conhecimento maior sobre a estrutura do país no qual vivíamos. Aos 4 anos comecei com aulas de violino. Não foi uma escolha minha, queria tocar flauta, pensava eu na altura, mas ainda bem que não fui por aí. Desde sempre o violino tem sido o meu companheiro, nos bons e nos maus momentos, faz parte de mim. Foi com a ajuda do violino que percebi quem sou e o que quero, o que me faz feliz. 

Em Moscovo cheguei a frequentar a famosa Gnessin Music School, uma das melhores escolas da música do país e integrei a Orquestra Virtuosos de Gnessin, que deu inúmeros concertos pela Rússia e pelo mundo fora. Cheguei a obter um vasto conhecimento da música clássica. 

Com a vinda para Portugal, abriu-se uma porta maior para o mundo. O facto de ser uma cidadã europeia deu-me possibilidade de tocar e obter conhecimentos musicais além-fronteiras. E aí começa realmente a descoberta de quem sou enquanto artista. 

Com uma formação em música clássica e integrando os primeiros violinos da Orquestra Sinfónica do Porto, “encarnou” em IAN. Porquê esta viragem tão díspar no seu percurso profissional? 


IAN – Não é uma viragem, é apenas um complemento. Enquanto violinista da Orquestra Sinfónica Casa da Música interpreto não só música clássica, mas também muita música contemporânea, música dos nossos dias, com técnicas e texturas novas, compositores vivos e presentes nos ensaios para explicar os seus conceitos. Isto tudo é muito interessante para mim. Muitas vezes, depois do ensaio, faço um resumo para não esquecer nenhuma das partes que falaram, que partilharam connosco. 

Enquanto violinista clássica, não canta. Já em IAN utiliza a voz como um instrumento. Como é que fez a descoberta deste “dom”? Era um guilty pleasure? Existia em si a vontade, o desejo de o mostrar? 


IAN – Sou uma pessoa que gosta dos desafios. Enquanto violinista nunca cantei, apenas no coro, em criança. O violino cantava por mim, mas sentia que me faltavam línguas para completar as minhas composições e, quando digo línguas, falo na sonoridade que cada língua tem. E uma vez que falo 5 línguas, quis usar isso como instrumento musical, acrescentando o desafio de começar a cantar, claro. 


IAN apresenta-se como uma mescla de vários elementos, do pop ao trip hop e eletrónica. Mas há também a presença de instrumentos clássicos como o piano e o violino, como é que tudo isto se encaixa? 

IAN – Acho que tudo encaixa bastante bem. A vontade de completar as composições que fazia no violino e piano com a eletrónica surgiu de uma forma bastante natural. Creio que foi o culminar de entendimento de mim própria enquanto artista. Agora, no ano 2020, sei que sou uma pessoa completa. Sou quem sou, sou quem quero ser. 

RaiVera é o primeiro grande ponto de encontro de IAN? Fale-nos deste trabalho. O que pretende transmitir-nos ou dar-nos a conhecer com RaiVera?

IAN – RaiVera é o primeiro capítulo do conto sobre a minha pessoa, tanto ao nível pessoal como profissional. Em RaiVera encontram as tais cores das línguas que vos falei, o som do violino, piano, eletrónica, voz e muitas histórias. Influências de bandas e compositores que me marcaram, desde Prokofiev, Stockhausen, Goebbels ao Sakamoto, Kraftwerk e Tricky. Encontram solidão, felicidade, fé e o desafio à liberdade de ir além-fronteiras dos estilos, do som convencional, junção de melodias com ruído. O meu RaiVera é isto tudo. 

No RaiVera incluiu uma citação de Arthur Schopenhauer “It is difficult to find happiness within oneself, but it is impossible to find it anywhere else.” Este projeto é a realização dessa felicidade interior exteriorizada nas faixas do álbum? 

IAN – Sem dúvida. IAN é decididamente o elo que me faltava para ser feliz. 

Um dos temas chama-se “Temporary Perfect”. Tem esta ambição da perfeição? 

IAN – Sou bastante perfeccionista, sim. Essa qualidade (eu considero uma qualidade) vem da minha família. Sempre me disseram “nunca deixes nada a meio, se te comprometes em fazer algo, tens de o fazer muito bem. Não interessa se é mais ou menos pago, se terá mais ou menos visibilidade, se te comprometes, tens de o fazer por ti, pelo teu brio.” E é esse o meu lema de vida. 


Sabemos que teve a colaboração e produção de Nuno Gonçalves, tendo mesmo atuado em vários espetáculos onde fez a primeira parte dos concertos dos The Gift. Como surge esta joint venture, se é que assim se pode designar?

IAN – Foi uma grande sorte os The Gift terem-me apoiado, dando-me a possibilidade de tocar na primeira parte de alguns dos seus concertos. Foi uma enorme ajuda pela qual estou-lhes eternamente grata. Quanto à produção do Nuno Gonçalves, é uma dádiva conhecer pessoas que tens em grande consideração, o Nuno é uma delas. Com toda a bagagem e toda a sabedoria que ele tem não só ao nível da música pop, mas também ao nível de outros estilos musicais ajudou a limar o RaiVera sem o desvirtuar. 

RaiVera assume-se como um trabalho de eletrónica em que os sintetizadores ganham protagonismo. Atualmente existe uma massificação de projetos eletrónicos. Como é que IAN se diferencia neste universo da eletrónica? Acha que há publico para tal? 

IAN – A meu ver o RaiVera é um trabalho bem definido ao nível das histórias que quero passar às pessoas através da minha música. De facto diferencio-me dos outros projectos pela mistura de estilos e elementos musicais, mas creio que muitos irão perceber e identificar-se com algumas das canções. 

Ao primeiro contacto visual com IAN, vem-nos à memória a “Leeloo” (Milla Jovovich) do filme O Quinto Elemento de Luc Besson. Um ser aparentemente solitário no desconhecido mas que possui dentro de si vários outros mundos e uma riqueza de conhecimentos ímpar. Tal como “Leeloo”, IAN é a concentração de um todo nesse corpo e neste projeto mostra-nos a sua essência no mundo da música? 

IAN – IAN mostra a parte da Ianina Khmelik que ninguém via até há bem pouco tempo. 

Nesta analogia, à semelhança de “Leeloo” que usa figurinos de Jean-Paul Gaultier, a imagem da Ianina, vestida pela dupla dos Storytailors é visualmente muito forte e fascinante, algo salivante para o nosso olhar…. Como é/foi ou por quem foi pensado este conceito? 

IAN – A parceria com os Storytailors foi maravilhosa e emocionante, e ainda continua a ser. Somos muito amigos e sinto um enorme carinho ao falar desta marca. O “mirror dress” foi uma visão linda que tivemos, o vestido conseguiu reforçar o conteúdo do projecto. 

© Ana Hop 

Voltando ao RaiVera, integrou recentemente a programação do Westway LAB, em Guimarães. Os concertos acabaram por ser transmitidos on-line, sem presença de público em sala. Como é para um músico atuar neste formato? 

IAN – Foi uma pena não ter havido público, mas numa altura tão difícil como a que estamos a viver foi sem dúvida muito positivo ter havido o festival. Claro que atuar neste formato é diferente, mas para uma pessoa como eu, que está habituada a tocar para uma plateia mais serena e silenciosa enquanto violinista clássica, creio que poderá ter sido mais fácil. 

Posteriormente, em novembro mais precisamente, teve concerto marcado no Lux Frágil, para apresentação deste álbum ao vivo. Infelizmente, devido aos tempos conturbados que vivemos ficou adiado para 2021. Como é que se lida com esta inconstância e com este contínuo adiar de agenda? 

IAN – Fiquei muito triste por saber que o concerto tinha sido adiado, também por ser o Lux, a mítica casa pela qual tenho uma enorme admiração e carinho. No entanto, espero ainda poder apresentar o meu disco ao vivo nesta sala mítica de Lisboa em 2021. Melhores dias virão e, quem sabe, para muito breve. Tento ser positiva. 

No próximo dia 18 teremos a oportunidade de assistirmos à apresentação do RaiVera ao vivo, no âmbito do evento Rádio SBSR.FM em Sintonia, no Altice Arena, em Lisboa, atuação que terá público presente em sala. É o seu primeiro espectáculo nestas condições tão restritivas desta era pandémica? 

IAN – Não é o meu primeiro concerto, já tive um concerto em Tavira nestas condições, temos de nos adaptar a elas, pelo menos para já. Mas o dia 18 será a estreia do RaiVera em Lisboa e por isso é muito emocionante para mim! 

Em palco, atua sozinha. Considera integrar outros elementos em futuros espetáculos? 

IAN – Quem sabe, no futuro. Uma coisa posso dizer, sinto-me muito bem sozinha, entre música, vozes, vídeo e instrumentos somos muitos, mas somos um. 

Se um dia dividisse o palco com alguém, quem gostaria de ter a seu lado? 

IAN – Já cheguei a dividir o palco com grandes bandas de pop/rock e continuo a dividir com grandes mestres da música clássica enquanto violinista. A partilha com artistas que admiro deixa-me feliz claro. Como IAN tenho uma grande lista, mas como sou uma pessoa um pouco supersticiosa preferia não a desvendar. 

Nestes últimos meses, houve espaço para ouvir muita música? Quais os géneros musicais que gosta, bandas, para além da música clássica? 

IAN – Nestes meses houve espaço não só para ouvir música, mas também para ler, uma coisa que já não fazia há algum tempo. Reler Mário Cesariny e António Maria Lisboa. Reforcei a escuta de uma cantora que gosto muito, a Catnapp. O Modeselektor deu-me tanta energia e o Trentenmoller acariciou a minha melancolia.

Tivemos conhecimento que a IAN acaba de ser confirmada como uma das compositoras do Festival da Canção 2021. Sabemos que a presença dos autores neste certame acontece a convite da própria RTP. Foi o seu caso? Como é que recebeu esta notícia? 

IAN – Foi o convite da RTP, sim. Fiquei bastante emocionada, confesso. 

Podemos perguntar-lhe qual é a sua motivação para participar neste concurso? Quais são as suas expectativas? 

IAN – Eu sempre gostei muito do Festival Eurovisão da Canção. Desde muito pequena que tenho memórias de ver o Festival, não aqui em Portugal, mas em Moscovo, juntamente com os meus avós. Agora em Portugal, a minha casa, é uma grande emoção fazer parte de um evento tão importante quanto o Festival da Canção, que engloba tantos significados e boas causas. E claro, muito grata à RTP pela oportunidade de mostrar a minha música a um público tão atento e tão vasto. 

Não sei se nos pode avançar esta informação, mas a IAN é a autora da letra e da música do tema que vai interpretar? Em que língua é que vamos escutá-lo? 

IAN – Creio que ainda não posso revelar essa informação, vão ter de esperar para ver. 

Independentemente do Festival da Canção, quais são os projetos futuros da Ianina para a IAN em termos de carreira? 

IAN – Para março estão agendados dois concertos da IAN em Lisboa e no Porto. Um no Teatro Maria Matos, no dia 8 de março, e outro na minha “casa” – Casa da Música no Porto, no dia 14 de março. Os bilhetes para estes concertos estarão à venda muito em breve.  Em nome individual, estes são os concertos de apresentação do álbum RaiVera que vão incluir outras surpresas. 

Aqui fica desde já o nosso agradecimento a IAN por esta entrevista. Esperamos com alguma expectativa vê-la e ouvi-la já no próximo dia 18 e bastante curiosos relativamente à sua participação no Festival da Canção, agendado para o primeiro trimestre de 2021. 

Podem ouvir as nove faixas do RaiVera aqui:


Entrevista por:
Armandina Heleno e Virgílio Santos

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