Conferência Inferno em entrevista: “Inspiramo-nos numa realidade ilusória, em sonhos, memórias”

Conferência Inferno em entrevista: “Inspiramo-nos numa realidade ilusória, em sonhos, memórias”

| Fevereiro 19, 2021 12:00 am

Conferência Inferno em entrevista: “Inspiramo-nos numa realidade ilusória, em sonhos, memórias”

| Fevereiro 19, 2021 12:00 am


Francisco Lima e Raul
Mendiratta
juntaram-se em finais de 2018, no Porto, para esboçar as primeiras músicas dos Conferência Inferno.
Após a gravação de uma demo no
Postlab, em Aveiro e de várias apresentações ao vivo, encontraram-se com Ricardo Cabral para darem inicio à gravação e
produção do primeiro EP,
Bazar Esotéricoque saiu em formato digital pelo Coletivo Farra, em junho de 2019, e em formato físico pela Saliva Diva, em fevereiro de 2020.

Dos escombros encontrados no Bazar Esotérico que revelavam o esboço de um ritual anarco-religioso, inspirado nos ensinamentos da dark wave e post-punk, os Conferência Inferno, passam de duo a trio, integrando José Miguel Silva, e estreiam-se na longa duração com a saída, no passado dia 5 de fevereiro, de Ata Saturna. 

Este trabalho, que revela “novos achados arqueológicos sobre a misteriosa Conferência Inferno” foi o mote para a entrevista que se segue com os “3 cientistas encarregues de sintetizar uma figura robótica, mais consciente e senciente que os humanos seus contemporâneos”.

Para quem não vos conhece, quem são os Conferência Inferno? 

Conferência Inferno (CI) – Somos 3 amigos que nos juntamos para fazer música e beber uns copos. 

Em janeiro de 2020, aquando do concerto em Lisboa no Sabotage Club (um dos espaços icónicos que sucumbiu à crise), apelidamos-vos de “Música de Salvação Nacional” – recriam uma atmosfera muita ligada aos anos 80, ao nível da sonoridade, o que não deixa de ser surpreendente, tendo em conta a vossa geração. Qual a conceção que está na vossa origem? 

CI – Está em fazer música, divertirmo-nos, ver se as máquinas funcionam. Quando não temos nada para fazer no final da tarde, compomos. 

Em 2019, editaram o EP Bazar Esotérico com a chancela do Colectivo Farra/Saliva Diva. Já este ano, juntaram-se à família da Lovers & Lollypops para o lançamento de Ata Saturna. O que mudou nos vossos objetivos? Qual a razão desta mudança? 

CI – Os nossos objetivos são os mesmos. A única coisa que mudou foi a casa, mas jogamos da mesma maneira. 

De que modo é que Ata Saturna se diferencia de Bazar Esotérico? Encaram-no como um prolongamento e uma evolução natural do vosso EP ou traz-nos algo de novo? 

CI – Não diríamos que há propriamente uma evolução, pois acabamos por seguir a linha do que fazíamos. O som acaba por ir mudando, porque temos máquinas diferentes e porque introduzimos um novo elemento. 

Capa de Ata Saturna

O título deste trabalho não deixa de nos suscitar alguma curiosidade. Como é que surgiu? Existe alguma mensagem subliminar ou algum tipo de simbolismo? 

CI – O nome Ata Saturna conjuga a ideia de ata enquanto registo e Saturna, como palavra inspirada pelo festival Saturnália, evento durante o qual os romanos “deitavam abaixo” todas as convenções sociais e entravam num deboche globalizado. Como procurávamos inspirar-nos numa forma de representação do deboche, chegamos a este nome. 

Dos vários temas, há algum que elegeriam como o “porta estandarte” do álbum? 

CI – Não conseguimos fazer isso. De alguma forma todos eles são importantes para aquilo que o álbum representa. 

Ao ouvirmos Ata Saturna sentimos uma ansiedade constante. Não há a certeza de amanhã, é como se o “futuro fosse hoje”. Esta ansiedade que as letras nos provocam é de alguma forma anulada pela música que se assume como o ansiolítico. Como é que sentem ou definem Ata Saturna

CI – Isso tem a ver com a forma como cada um interpreta a música. É muito pessoal. Uma pessoa pode interpretar dessa maneira, mas outra poderá achar que os temas são só irritantes, outra pode achar calmo. É algo que está mais do lado do ouvinte definir do que do nosso. 

Este novo trabalho, que se apresenta como a vossa estreia na longa duração, é composto por 8 faixas (7 das quais tivemos a oportunidade de ouvir, ao vivo, no início de 2020). Querem falar-nos um pouco dos temas? 

CI – No geral as faixas falam muito sobre o tentar desvendar problemas e situações da vida, assimilar o que está a nossa volta. Também falam sobre mudança e arrependimentos, angústia e ansiedades num cenário urbano, cinzento e que nos faz sentir minúsculos e motivados ao mesmo tempo.


Ao longo da história da música foram produzidas bandas sonoras, musicadas ao vivo, que serviram de pano de fundo a filmes intemporais. Se vos colocassem perante um desafio destes, que filme ou realizador escolheriam? 

Raul Mendiratta – Os Abismos da Meia Noite, António Macedo. 
Francisco Lima – Alta Fidelidade, de Tiago Guedes e Frederico Serra.
José Silva1ª Vez 16 mm, Rui Goulart.

Como têm vivido a vossa “normalidade” nestes tempos pandémicos? 

CI – Ficar em casa, ver mais filmes, ler mais. Temos também tocado mais e feito mais música que não apenas para os Conferência Inferno

O que vos move ou vos inspira nas vossas criações, a ficção ou a realidade? E a nível musical, que bandas e projetos nacionais e internacionais vos inspiram? 

CI – Inspiramo-nos numa realidade ilusória, em sonhos, memórias turvas e degradadas ou alteradas. 


A nível nacional a editora Ama Romanta, os Pop Dell’Arte e a nível internacional, inspiram-nos movimentos distintos, como o kraut alemão, a música belga, os anos 80 de Manchester e Nova Iorque. 

As audiências dos media não estão viradas para as pequenas editoras e projetos que na realidade vão proliferando, muitas delas assentes numa filosofia DIY. Como tencionam contornar estes “privilégios” só para alguns? 

CI – Não é algo com que nos preocupemos numa base regular, pois na realidade nós só queremos fazer que gostamos. No entanto, achamos que é muito importante que, ao mesmo tempo, surjam meios mais ligados a circuitos independentes, para que as coisas se mantenham frescas. 

Colocando-nos num cenário pessimista despoletado por esta nova realidade que nos atormenta a todos, nomeadamente com a Cultura que se encontra num estado moribundo, quais as alternativas que têm pensadas para promoção deste novo trabalho? Espera-se alguma apresentação em streaming de Ata Saturna para breve? 

CI – Vai ter de acontecer por streaming. É claro que não substitui a forma como se faziam as coisas antes da pandemia, mas estamos a tentar trabalhar com aquilo que se pode fazer atualmente e fazer o melhor possível com as alternativas que agora se criaram. Por isso esta primeira apresentação vai ser online, através das plataformas digitais do Teatro Municipal do Porto, Rivoli. 

Se criássemos uma rubrica denominada em “Em busca do tempo perdido”, o que é que gostariam de fazer para recuperar estes longos meses, que de alguma forma sentimos que nos foram “roubados” e em que o futuro está envolto em tanta incerteza? 

CI – Não foi assim tão perdido, porque aproveitamos para gravar o álbum, mas se pudéssemos íamos numa rave com cinco dias, pelos menos! 

Para terminar, têm alguma recomendação para os nossos leitores de artistas que tenham escutado nos últimos tempos? 

CI  Colectivo Vandalismo, Love is Fine dos Sal Grosso, 3i30


Citando Manuel Molarinho, “quem já se cruzou com Ata Saturna descreve um novo messias, que traz novas niilistas em melodias simples e cativantes, gritando constantemente que o apocalipse já aconteceu, a sina cumpriu-se, a anarquia conteve-se, o amanhã não é promessa, a ansiedade é perpétua, o Sol nunca nasce aqui. O engenhoso invento, encomendado com o objetivo de viciar os humanos nas suas contradições mais básicas, foi testado confidencialmente e os resultados, agora disponíveis para o mundo, mostram que o planeta pode ter construções mais empáticas que os seus criadores e semelhantes.”

Deixem-se viciar por este “engenhoso invento”, assistindo à apresentação de Ata Saturna na plataforma online do Teatro Municipal do Porto – Rivoli, num contínuo, entre os dias 19 e 21 de fevereiro através da aquisição de bilhete na Bilheteira Online.

Entrevista por: Armandina Heleno 

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