Primeiro, mostraram a sua “Condição” e, depois, disseram não mais ser preciso Esperar Pra Ver de que são feitos. De Aveiro, chegam Perpétua, uma banda indie emergente que, tal como a água que flui livremente pela cidade dos canais, também ela corre sem amarras entre várias sonoridades. Flutuam do disco para o pop alternativo e do shoegaze e do dreampop vão de encontro ao rock, procurando cruzá-los com a língua portuguesa, num processo que tanto tem de reminiscência de legados, como de rumo ao inexplorado.
No baú, há também espaço para baladas. Dizem-se ainda à descoberta de si mas, embora não saibam onde fica o X do mapa, sabem bem que o caminho se faz pela versatilidade e o amor à música. A lírica canta “experiências normais e mundanas”, esbatendo contornos, reais ou surreais, de aguarelas pintadas pelo “conforto, o crescimento e a perda”, segundo contam em nota enviada às redações.
O tom é sempre “melancólico e nostálgico, mas esperançoso e expectante”. Por ora, as águas são turvas e ainda não se sabe bem quando haverá concertos à vista. Mas houve já oportunidade para uma primeira brisa de contacto com os palcos, no Festival 23 Milhas de Ílhavo, que recordarão para a vida. Entre as salinas de Aveiro e a doçura deste “esforço de germinação”, os Perpétua florescem pela voz e as teclas de Beatriz Capote, aliada à guitarra de Diogo Rocha, bem como a bateria de Rúben Teixeira e o baixo de Xumiga, que também fazem os vocais.
Nos Perpétua, convergem influências, percursos e sonhos vários, alguns dos quais o guitarrista Diogo Rocha desvenda em entrevista à Threshold Magazine.
Assim para começar, como é que soubeste que querias fazer vida da música?
Bem, eu desde novo que me lembro de, nas viagens de carro ou mesmo cá em casa, estar sempre rodeado de música. O gosto foi acabando por acontecer dessa forma. Depois, também quis aprender a tocar um instrumento desde muito novinho e foi muito por aí. Mantive-me sempre por perto da música e a música perto de mim… E gostaria de fazer vida dela um dia, mas para já não é essa a prioridade, é irmos fazendo as nossas coisas, lançando os nossos discos e ver no que dá.
Sempre quiseste tocar guitarra?
Eu quando queria aprender um instrumento era o baixo, muito por causa do Roger Waters dos Pink Floyd. Quando era mais novo adorava aquilo e queria muito tocar baixo. Aconselharam-me a começar pela guitarra e depois fazer a transição para o baixo, mas acabei por nunca largar a guitarra.
Achas que um dia destes ainda te aventuras com o baixo?
Muito dificilmente. Como um complemento só.
Queres contar-nos quem são os Perpétua? Como se conheceram?
Nós começámos em 2019. Depois de algumas conversas, decidimos começar e já tínhamos a ideia de fazer um som debaixo daquilo a que normalmente se chama o indie, por assim dizer, ou pop alternativa. Várias referências que temos em comum são, por exemplo, o disco – uns grooves mais de disco – e também o dream pop, com bandas como Slowdive. São estilos, apesar de tudo, bastante estrangeiros, digamos, ou importados, não é? Nós com a decisão de querermos cantar em português também queríamos fazer esse cruzamento: trazer esses estilos para o universo da língua portuguesa que nós conhecemos e também cruzá-los com a tradição da herança ou da pop da música portuguesa dos anos 80. É neste cruzamento que nós nos encontramos, para já.
O Esperar Pra Ver é precisamente um reflexo disso; é um disco que passa por inúmeras sonoridades. É importante para a banda explorar diferentes géneros?
À partida, nós só definimos que íamos tocar o indie – que, só por si, é muito abrangente. Tudo o resto, essas vertentes por que passamos no álbum, desde o disco nos primeiros minutos ao dream pop ou ao pop alternativo, surgiram de uma forma bastante natural. Depois, algumas músicas saíram um bocado mais disco e outras um bocado mais… etéreas, por assim dizer. E foi também talvez pelo facto de ainda estarmos à procura da nossa identidade. Somos quatro pessoas a fazer música juntos pela primeira vez com referências diferentes e, por isso, é normal sair assim um trabalho bastante heterogéneo.
Não nos forçámos a fazer só um estilo de música nem nos esforçámos para que fosse assim tão diferente – simplesmente aconteceu, foi orgânico e nós gostamos dessa versatilidade. E acho que pode ser um bom presságio porque estamos ainda a descobrir quem somos. Não sei se vai ser assim no futuro, se vamos explorar outras coisas, mas, para já, é assim nesta flexibildiade que nós nos orientamos.
Tens alguma música favorita entre todas as do álbum?
Essa é sempre aquela pergunta com rasteira para uma pessoa da banda, não é? [risos]
Por acaso não [risos], é só mesmo uma curiosidade.
Eu gosto muito da primeira, “Perdi A Cor”, e da segunda, “Manhãs Longas”. Por acaso são as que têm assim uma onda um bocado mais disco. Não sei se é por eu andar particularmente dentro desse universo, atualmente… Também posso falar pelos outros da banda, por exemplo: o Ruben gosta muito da “Dores de Cabeça”, a balada do álbum. A Beatriz acho que partilha comigo a “Perdi a Cor” e o Xavier gosta da “Grilos”, que é uma das tais que se move no dream pop ou no new wave, por assim dizer.
Como funcionou o processo criativo desta estreia? Foi complicado ou achas que houve uma certa química a nível de colaboração musical?
Nós quando estivemos a compôr sempre foi uma coisa bastante democrática: não há só uma cabeça a pensar e nenhum dos outros tem pudor em dizer o que acha quando estamos a criar. Nós sempre funcionámos muito no formato de estúdio em vez de funcionar no formato de jam, que é bastante mais comum, por norma, nas bandas. Ou seja, alguém apresentava uma ideia – um riff de guitarra, uma malha de baixo ou às vezes até uma letra ou só uma melodia – e começávamos a trabalhá-la logo em estúdio, a fazer maquetes, a experimentar sonoridades, instrumentação e coisas do género. Nesse aspeto, o processo criativo beneficiou bastante da pandemia até, porque o facto de sermos obrigados a estar em casa permitiu-nos dedicar mais tempo a este trabalho de criação e de experimentação na composição das músicas. Se calhar, se funcionássemos em formato jam não podíamos ensaiar juntos e nem sequer podíamos compôr o álbum com tanta urgência, diga-se assim.
Levas alguma aprendizagem da produção deste disco?
Nós aprendemos sempre, não é? Eu aprendo muito com eles e creio que eles também aprendem comigo. Relativamente à questão musical, eu, por acaso, falo com prioridade porque fui eu que desafiei o resto da malta a criar a banda. Também os escolhi porque sabia que eles eram bons e sabia, à partida, que eram melhores que eu e também aprendo qualquer coisa de música com eles [risos].
Mas mesmo no processo de produção… O álbum é produzido por nós, foi gravado, misturado e masterizado por nós. Foram o Ruben e o Xavier que estiveram mais ao leme nessa etapa e nesse aspeto também aprendi muito com eles porque eles são mais interessados pela produção e pela pós-produção do disco e ajudaram bastante.
Mas é como te disse há pouco: nós somos quatro com referências muito diferentes e o todo é sempre mais do que a soma das partes, não é? Então, nós ainda estamos assim um bocadinho a descobrir quem é que somos, quem é que eu sou no contexto da banda e quem é que eles são no contexto da banda, quem é que a banda num todo, por assim dizer. Há sempre muita aprendizagem e muita partilha aqui nos Perpétua.
Guardas alguma memória em especial? Uma aventura que a banda tenha tido ao gravar os videoclips ou algo do género, por exemplo.
Olha, gravar o videoclip da “Condição” – que é o único que lançámos, apesar de já termos outro na calha. Aquilo foi nas salinas de Aveiro, foi muito giro: andámos por lá descalços e escorregávamos às vezes no lodo e picávamo-nos no sal. Foi muito engraçado. Mas pronto, isso é daquelas coisas que só vendo [risos].
Para já, o nosso percurso ainda é muito curto, mas as memórias que guardo com mais carinho são de quando acabámos precisamente de compor a primeira música. Estas primeiras coisas na nossa vida às vezes são muito importantes: a primeira vez que ensaiámos, a primeira vez que acabámos uma música. Porque após tantos meses a falar que íamos fazer uma banda nova, depois de ensaiarmos uma ou duas vezes, quando a primeira música fica pronta, é quase como um consumar da coisa, não é? E, mais tarde, o nosso concerto de apresentação. Tivemos o prazer de fazer a primeira parte do André Henriques na Fábrica das Ideias da Gafanha da Nazaré, que foi a primeira vez que subimos os quatro juntos a palco, estávamos muito ansiosos todos e foi super gratificante. Vou lembrar-me certamente disso para o futuro.
Fotografia por Bernardo Limas
Quão complicado é organizar uma estreia no meio de uma pandemia mundial? Como têm gerido as expectativas?
Bem, o álbum saiu agora no fim do março. Eu ia dizer que já estamos quase no fim, mas não quero arriscar-me a dizer isso para já. Quanto ao primeiro concerto, tivemos a oportunidade de ter uma boa estrutura, a estrutura local que apoia aqui os músicos, que é o 23 Milhas. A área de programação da Câmara Municipal de Ílhavo apoia bastante os artistas locais e, nesse sentido, temos muita sorte em estarmos inseridos neste Munícipio e ter esta ajuda. Se não fosse por eles, certamente não tínhamos tido a oportunidade de fazer o concerto, que foi em novembro, porque grande parte das salas até estavam fechadas. Mas, também, depois de estarmos tanto tempo fechados em estúdio só a compor, tínhamos era muita vontade de tocar, muita vontade de por as coisas cá fora. Já tínhamos posto um single em setembro e queríamos era mostrar-nos. A reação das pessoas também está a ser boa. Talvez o facto de estarem em casa pode motivar a ter interesse em descobrir coisas novas e ouvir o disco.
Assusta-te fazer parte de uma banda emergente perante o atual contexto do setor da cultura?
Bem, isso é uma pergunta com vários pontos. Se eu vivesse da música ou se planeasse viver da música a curto prazo estaria muito preocupado, como toda a gente. Imagino a insegurança que os trabalhadores da cultura estejam a passar. Para mim, não tanto. Se calhar para o Ruben ou para o Xavier, que são efetivamente músicos profissionais. Mas ainda surge um bocado como um hobby, vamos colhendo os frutos aos poucos sem a obrigatoriedade de ter não sei quantos quilos ao fim do mês, percebes? Eu estou a viver esta incerteza com alguma preocupação certamente, mas com expectativa e alguma esperança de que isto possa melhorar e ver o que é que os Perpétua podem dar.
Tens algum palco ou colaboração de sonho?
Cá em Portugal, nós gostávamos muito de tocar no Paredes de Coura. Tenho uma piada, que não é piada, mas eu sempre tive de trabalhar no verão, fazer aqueles part-times de estudantes e nunca pude ir ao festival Paredes de Coura, um festival ao qual já gostava de ir há muito tempo. Então, agora quando fiz Perpétua, disse: “epá, se ainda não fui até agora, a primeira vez que eu for ao Paredes de Coura é quando tocar”. Então, tenho essa quase promessa feita a mim próprio que só vou a esse festival quando nos convidarem para ir lá tocar. Esperamos que possa acontecer, adorávamos tocar lá. Acho que encaixávamos bem. Mas, para já, como ainda só pisámos um palco, qualquer palco é um palco de sonho, neste momento, não é? Também com esta incerteza e retomando a pergunta anterior, qualquer palco neste momento é um palco de sonho e, tendo em conta que nós cantamos em português, tendemos a olhar mais para o nosso circuito e nunca muito lá para fora. Não posso falar de palcos estrangeiros porque já sabemos a internacionalização para bandas portuguesas é muito complicada, especialmente se cantarem em português. Mas, em Portugal, o Paredes de Coura é uma referência e também adorávamos tocar no Bons Sons – achamos um festival super giro e acolhedor. Principalmente estes dois.
Já há alguma ideia alinhavada para o sucessor de Esperar Pra Ver ou vão passar assim mais por um processo de reflexão?
Já temos algumas ideias em que podemos pegar para começar a compor o disco [seguinte], mas também queremos ver a receção, como é que as pessoas recebem o disco. Acho que é um misto: nós vamos refletindo sempre à medida que vamos caminhando, não há aqui nenhuma pausa para meditação, por assim dizer. Este processo de criação e de composição é sempre ao mesmo tempo de reflexão e de instrospeção. Para já, estamos mais focados em apresentar o álbum e em promovê-lo, em tocá-lo. Mas já estamos certamente a pensar num sucessor e de que maneira pode surgir.