Herlander em entrevista: “Quero sempre exceder-me e surpreender”

Herlander em entrevista: “Quero sempre exceder-me e surpreender”

| Julho 15, 2021 2:13 am

Herlander em entrevista: “Quero sempre exceder-me e surpreender”

| Julho 15, 2021 2:13 am

Herlander é um produtor, compositor, performer e cantor lisboeta. Membro da Troublemaker Records, família que o apresentou ao mundo em algumas das salas mais emergentes de Lisboa, prepara-se para editar este ano o seu disco de estreia, sucessor de 199, EP que  produziu no quarto em 2018, durante o período em que viveu no Reino Unido.

Após um hiato de dois anos, Herlander assume-se agora como um artista mais confiante, que cresceu “não só de caráter e habilidade como também em termos de ambição”, mantendo a essência extravagante e pouco convencional da pop na sua música. A prova disso são os singles que apresentou no último ano, sendo o mais recente “Gisela”, tema dissecado um pouco mais abaixo.

Para nos falar um pouco sobre a sua história pessoal e musical, o gosto pelo experimentalismo, as inspirações que o movem e o seu disco de estreia, fiquem com a entrevista a Herlander, que vai atuar este sábado no Festival A Porta, em Leiria.
De modo a conhecermos melhor Herlander, podes-nos contar um pouco sobre o teu background, tanto na música como fora dela?

Fui criado no bairro da Arrentela, Seixal (Margem Sul). O meu pai sempre foi muito virtuoso e quando tinha por volta da idade que tenho agora também queria seguir música mas era imigrante, não tinha os meios necessários e era um pai solteiro e demasiado jovem a viver na Europa sem família para além dos filhos, por isso teve de largar a guitarra para garantir refeições a mim e aos meus irmãos.

Ele ouvia música 24 sobre 24 horas ou ficava a cantar pela casa, e eu sempre fui curioso e imitava tudo o que o meu pai fazia, por isso ficava a absorver e tentava mimicar. Acho que uma das minhas memórias mais antigas que tenho arquivadas era o meu pai a lavar o chão do corredor e estava a dar uma opening qualquer no canal panda, acho que da Sakura Caçadora de Cartas, e eu comecei a cantar por cima e lembro-me que o meu pai parou na porta e ficou a olhar para mim com cara de análise. Acho que desde então ele percebeu que música era algo que me agradava já desde cedo e começou quase a tornar-se meu mentor em termos musicais e mostrou-me TUDO e mais qualquer coisa, desde Stevie Wonder, Otis Redding, Sade, Al Green a Jimi Hendrix, Tina Turner, Earth Wind and Fire, etc… comecei a ficar vidrado naquele mundo.

Se estou a fazer música ou escolho viver como artista a culpa é do meu pai, não me lembro de querer fazer outra coisa da vida senão música.

Quando foi a primeira vez em que realmente tiveste a consciência e oportunidade de começar a fazer a tua música?

Quando acabei a escola comecei logo a trabalhar aqui em Lisboa porque estava convencido em juntar dinheiro e ir viver para fora porque, como tinha dito, música sempre foi a única coisa que sempre tive a certeza na vida e na altura estava convencido que não havia lugar para mim em Portugal como artista porque não via muito com que me identificasse, a única solução era mesmo ir. Eventualmente escolhi Londres onde vivi durante quase dois anos e lá escrevi o 199, o meu primeiro EP experimental indie. Não estava a escrever para ninguém senão eu e os meus amigos. Na verdade ninguém me conhecia ora em Londres ora em Lisboa, estava a passar por uns momentos muito escuros e tinha saudades de casa, criar o 199 foi um mecanismo de defesa, gravei e produzi o 199 todo no meu quarto em Londres e pus no Soundcloud, nem bem masterizado estava. Daí o 199 começou a fazer um barulhinho em Lisboa e comecei a conhecer artistas que sentiam as mesmas coisas que eu e tinham o mesmo tipo de paixão que eu tinha por música, tal como nëss, phoebe, Odete… e comecei a perceber que nem sequer tinha dado uma chance a Lisboa e só assumi que não havia lugar para mim. Eventualmente, depois de muito pensamento, tomei a decisão de voltar e tentar criar algo aqui.

Numa entrevista que deste ao Rimas e Batidas, afirmaste que o disco de estreia será o teu “primeiro projecto sério, com gravações mais sérias, masterizado de forma séria, estruturado de forma séria”. O que é que mudou no método de composição desde o primeiro EP, editado em 2018, para agora? A colagem ainda assume a mesma importância?

Todo eu mudei desde o 199, estou muito mais confiante em mim como produtor, compositor, performer e cantor, há um gap de 3 anos entre o 199 e o novo projeto, que vai ser muito aparente sonoramente, e acho que de certa maneira já é em temas como o “quem diriaiaia” e agora a “Gisela” há um crescimento não só de caráter e habilidade como também em termos de ambição. No 199 eu era um late-teen depressivo a cantar sobre as coisas que me assombravam na altura sem pensar ou saber muito da parte técnica do que é um projeto, estou muito mais familiarizado com certos passos que devo tomar e erros a evitar. A colagem sempre fará parte da minha sonoridade porque eu identifico-me imenso com o misto do experimental com qualquer género musical, mas evito mais o uso de samples que não sejam minhas, uso mais referências minhas e dos que me rodeiam ao invés de ir buscar ao outro campo. As estruturas das músicas são mais coerentes, o mixing está mais limpo, as músicas são mais consistentes, faço a minha transição para o português etc… vejam o 199 como Herlander adolescente e este álbum como Herlander Jovem Adulto, a essência assemelha-se mas muito mais maturo em todos os aspetos.

Os singles que apresentaste até agora – “quem diriaiaia”, “if you give it to me what’s luv got to do with it?…?” e “don’t get their name out your mouth”? – são bastante diferentes entre si a nível de sonoridade, estando até distribuídos por três compilações distintas. No teu disco de estreia podemos esperar algo que vá de encontro a estes singles ou será algo completamente diferente?

Com este disco quero mostrar a minha versatilidade como artista, odeio fazer a mesma coisa duas vezes e é algo que evito sempre fazer e acho que sempre serei assim porque eu ouço todo o tipo de música e gosto de experimentar, desafiar-me e deixar-me a mim próprio desconfortável, por isso é que de certa maneira identifico-me com o termo “experimental”, dá uma ambiguidade sonora e espaço para ser livre de fazer o que quiser com o som sem ter de me amarrar a uma sonoridade. Há muita coisa que quero experimentar e não vejo o porquê de manter-me numa só linha, por isso embora haja sempre uma espécie de encontro entre as tracks, porque no final de contas eu é que as produzi, elas acabam por ser completamente diferentes umas das outras, nunca quero que as pessoas pensem que sabem o que vem aí a seguir da minha parte, quero sempre exceder-me e surpreender, cada faixa no disco é diferente da anterior. Lançaste esta semana “Gisela”, o que assumo ser o single de apresentação do teu novo trabalho. Podemos saber um pouco mais sobre o que fala esse tema?

A “Gisela” é uma história que se contradiz e que tem vários desenlaces dependendo do ouvinte, a letra e o video/film, filmado com Guilherme Braz, contam a história de Manny, uma personagem que vai ser muito presente na historia que conto no disco, que decide negligenciar as suas responsabilidades a favor dos seus dias recheados de uso de substâncias.

Esta história é uma que eu comecei para que o ouvinte a pudesse concluir à sua maneira, o Manny pode tanto estar apenas a divertir-se como pode realmente ter um problema que precisa de intervenção, o Manny tanto pode estar bem como pode estar mal, não há certo ou errado. Esta track é de certa forma a linha entre o sane e o insane onde a conclusão depende da que o ouvinte escreve na sua mente, eu tenho a minha.

Sendo um artista bastante envolvido na luta contra o racismo e a opressão social, qual é a mensagem que pretendes transmitir com a tua música? O que é que te inspira a continuar a produzir?

Eu quero deixar as pessoas desconfortáveis, quero que as pessoas questionem tudo o que aprenderam e lhes foi imposto desde que nasceram, seja em que sentido for, e quero começar conversas. Tudo o que eu faço de certa maneira vai raspar sempre “político” porque a minha existência como pessoa negra ainda é “controversa” para certas pessoas, o que é estúpido. As minhas experiências estão estampadas na minha música por isso de certa forma espero que fale com os meus, mesmo que não diretamente.

Quanto ao que me inspira, acho que o facto de não conseguir ver uma vida sem criar arte não me permite dar-me à luxúria de não o fazer. Seja para onde olhe eu vejo arte e potencial para criar, por isso diria que já está estampado na minha linguagem como pessoa neste mundo, nada faz sentido se não estiver a fazer música. Ultimamente, rodear-me de pessoas que realmente tomam iniciativas e começam conversas, como o pessoal da nossa.fonte e mais, tem tido impacto na minha criação.

No último ano atuaste em salas icónicas como a ZDB, o Maus Hábitos, e ainda passaste pelo OUT.FEST, numa performance conjunta com a Odete. Como tem sido a experiência de te apresentares ao vivo neste contexto pandémico?

É estranho porque embora eu entre em transe quando estou em palco eu dependo muito da energia que me é dada pelas pessoas que me estão a ver e gosto de ver caras e expressões quando estou em palco. Estares a saltar, a dar o teu tudo para um grupo de pessoas sentado só a olhar para ti e nem consegues ver-lhes a cara quando estás a saltar e a cantar ao mesmo tempo durante 30/45 minutos cria uma pequena parede entre o artista e o público, mas não tem sido assim tão mau quanto eu pensei que seria no início da pandemia, vamos aprendendo sempre novas maneiras de comunicar. É de se realçar que sou muito privilegiado por sequer ter a oportunidade de subir a um palco numa altura tão difícil como esta para artistas por isso fico grato por sequer ter direito a essa luxúria

Além da passagem pelo Festival A Porta, há mais alguma data no calendário que nos possas adiantar?

Estarei no Festival Rama em Flor em Lisboa, no dia 24 de Julho; na Casa da Cultura em Setúbal, no âmbito da programação da ZDB, no dia 14 de Agosto; e no Festival Termómetro em Oeiras, no dia 21 de Agosto.

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