Os melhores álbuns da primeira metade de 2021

Os melhores álbuns da primeira metade de 2021

| Julho 11, 2021 9:25 pm

Os melhores álbuns da primeira metade de 2021

| Julho 11, 2021 9:25 pm

Bem, a primeira metade de 2021 já lá vai. Claro, não foi um ano perfeito: afinal, as condições não são muito melhores do que as do ano passado e o setor da cultura é uma das principais vítimas de toda esta situação pandémica. No entanto, são muitos os artistas que continuam no ativo, a lançar música de todas as formas e feitios. Posto isto, foi pedido aos redatores da TM que selecionassem dois lançamentos, um nacional e um internacional, que representassem o que mais gostaram de ouvir ao longo destes últimos seis meses. Da viagem espacial de Bruno Pernadas à lição de sofisticação de Floating Points, Pharoah Sanders & The London Symphony Orchestra, estes são os discos que mais rodaram nas nossas playlists durante a primeira metade do ano: 

Black Country, New Road – For the First Time

Filhos da mesma new weird britain que pariu Black Midi, Squid ou HMLTD, e que tem no Windmills e na editora Speedy Wunderground os seus maiores berços, os Black Country, New Road mantêm os pés bem assentes na tradição britânica do post-punk, mas os seus olhos apontam para outras latitudes: para as caves bolorentas de Nova Iorque (DNA, The Contortions), para as paisagens pacatas do Iowa (Arthur Russell), para as garagens dos bairros de Kentucky (Slint, June of 44). Mas há mais. O klezmer, estilo de música secular judaica, está presente nos temas que abrem e encerram For The First Time, o tortuoso álbum de estreia dos ingleses, servindo de cartão de visita para um grupo que, mais que ninguém, sabe a arte de baralhar e voltar a dar. Em 2019, quando haviam lançado apenas dois singles, a publicação online The Quietus apelidava-os de “melhor banda do mundo”. O seu primeiro álbum pode muito bem ser o melhor de 2021. 

Filipe Costa

Bruno Pernadas – Private Reasons

No seu quarto álbum de estúdio, o terceiro que abraça uma sonoridade progressiva e frequentemente psicadélica, Bruno Pernadas demonstra mais uma vez uma enorme criatividade e habilidade na composição de músicas longas e complexas, mas acessíveis. O estilo colorido e divertido de Private Reasons não será estranho para quem ouviu Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them ou How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge, mas o disco também conta com várias surpresas e novidades, abraçando um alargado leque de influências sem nunca soar desconexo. 

Private Reasons proporciona uma viagem musical com diversas referências geográficas, das inspirações africanas de “Lafeta Uti” à letra em coreano de “Jory”, passando pelo ambiente tropical de “Recife”. Canções pop, algumas com estruturas algo tradicionais, estão mais presentes do que nunca, sendo exemplos disso a harmoniosa “Theme Vision” e a introdutória “Family Vows”, que não deixa de surpreender pelas estranhas manipulações vocais que contém. Também não são descartadas as composições mais jazzy, como “Step Out of the Light”, a primeira música de Bruno Pernadas que me faz entender as comparações a Stereolab que tenho lido há anos. 

Private Reasons tem tanto de boa música como de boa disposição e é uma banda sonora ideal para o Verão. 

Rui Santos

Floating Points, Pharoah Sanders & The London Symphony Orchestra – Promises

Nasce destas três vozes distintas um só corpo coeso e inviolável, um só álbum – Promises, editado a 26 de Março de 2021. A composição assume um registo mais característico do minimalismo contemporâneo, prestando a sua dose saudável de homenagem ao reducionismo e ao seu quase-silêncio. Contudo, apesar destes momentos de quietude quase-absoluta, temos momentos redentores de crescendos assoberbantes protagonizados pela LSO – particularmente no sexto movimento – que nos tiram do nosso transe sem que o mesmo seja perturbado. Em alguns momentos aplica-se a norma de Brian Eno para a música ambient – tão interessante como ignorável – enquanto que noutros são, para lá das cordas da LSO, a electrónica incerta de Floating Points ou a suavidade acutilante do saxofone de Sanders que nos mantêm sempre interessados nesta autêntica lição do que é bonito numa colaboração. 

José Guilherme de Almeida

David e Miguel – Palavras Cruzadas

Era um casamento que parecia destinado a acontecer. Os percursos do produtor David Bruno e do rapper Mike el Nite já se tinham cruzado por diversas vezes, resultando em colaborações como ‘Interveniente Acidental’ ou ‘Volta no Meu Chapéu’, a primeira no projeto a solo de David e a segunda no seu grupo de hip-hop Conjunto Corona.

Apesar de terem surgido no mesmo contexto, o hip-hop português, os dois músicos apresentam sons e abordagens muito diferentes: Mike, mais virado para a letra e uma experiência mais “sôfrega” e David focado em instrumentais com samples obscuras e letras curtas baseadas na observação do dia a dia.
Mas ambos partilham algo em comum, em especial o sentido de humor apurado das letras baseadas na experiência do que é ser português. O projeto David e Miguel nasceu depois depois do rapper se ter mudado para o Porto, no ano passado, e ter contactado David para levar esta vontade antiga para a frente.

O resultado foi o disco David e Miguel, uma homenagem à música romântica latina e cantada na língua portuguesa, onde os músicos se divertem com os clichês do género, mas também com a oportunidade criativa que encarnar estas personagens lhes ofereceu. 

Hugo Geada

black midi – Cavalcade

Os black midi já davam que falar há dois anos, quando lançaram o álbum de estreia Schlagenheim. Nesse disco, víamos um grupo de jovens frenéticos e barulhentos, que tanto pegavam no math rock em “953” como faziam um hino ao no wave em “bmbmbm”. No fundo, já se tratava de um dos discos mais emblemáticos do novo cenário musical que era o post-brexit punk.

No entanto, Cavalcade veio solidificar a posição dos black midi. Aqui, surpreendem pelo avant-prog com uma estrutura supra-complexa, buscando influências ao jazz e ao rock progressivo, fazendo lembrar um pouco The Fall, Talking Heads ou King Crimson na época do “Discipline”. É uma evolução mais matura do álbum precedente, sendo capaz de criar um caos bastante bem controlado. O disco tem momentos imensamente irrequietos, destacando-se a primeira faixa “John L”, com a sua imprevisibilidade rítmica e o seu surrealismo dissonante e apocalíptico. No entanto, rapidamente percebemos que o disco não aposta integralmente em sonoridades barulhentas. “Marlene Ditrich” e “Ascending Forth” são duas canções mais atmosféricas, com uma melodia um quanto semelhante ao bossa nova, mas de uma forma mais críptica e surreal, encaixando perfeitamente com os seus polos opostos e criando uma experiência completa. É difícil ficar indiferente a este disco. 

João Pedro Antunes

Gabriel Ferrandini – Hair of the Dog 

Três anos volvidos de Volúpias, a estreia de Gabriel Ferrandini a solo, o baterista português está de regresso com um novo trabalho que coloca elétrico e acústico no mesmo plano, confrontando palpitações rítmicas de bateria e ruído concreto com pedais de efeitos, sub-graves bojudos e minuciosos processamentos digitais (cortesia de Pedro Tavares, que responde pelo nome funcionário e integra a dupla Império Pacífico). Uma edição que inaugura o catálogo da CANTO, editora fundada por Sérgio Hydalgo com o intuito de publicar os trabalhos que o antigo programador da Galeria Zé dos Bois “tem vindo a instigar através de residências artísticas e de projectos especiais desenvolvidos com músicos” que lhe são próximos. 

Filipe Costa

Shame – Drunk Tank Pink

Com o nome inspirado numa tonalidade da cor rosa utilizada para pintar salas de hospícios e celas que, segundo especialistas, possui efeitos terapêuticos calmantes, o segundo disco dos Shame, Drunk Tank Pink, é uma evolução para a banda em termos de produção instrumental e maturidade temática.
O álbum nasceu após um período de reclusão do vocalista, Charlie Steen (não confundir com o ator Charlie Sheen, protagonista da sitcom Dois Homens e Meio), depois de três anos intensos de tour que levou o grupo a viajar por todo o mundo.

De volta a casa, Steen começou um processo de introspeção que o levou a questionar-se se este se sentia bem consigo próprio: “I live deep within myself/ Just like everybody else”, questiona-se em ‘Snow Day’, uma das músicas centrais do disco.

Em termos instrumentais o disco representa uma mudança de direção, em oposição às guitarradas repletas de reverb e com influências de grupos indie rock contemporâneos, como os DIIV, o guitarrista do conjunto, Sean Coyle-Smith, decidiu explorar sons e ritmos de bandas mais experimentais como os Talking Heads ou os ESG, resultando num som mais funk, mas também mais ansioso e urgente. 

Hugo Geada

Kara Konchar – Goth Partisan

Goth Partisan é o mais recente registo de Miguel Béco de Almeida aka Kara Konchar, produtor portuense que os mais atentos reconhecerão pelo seu antigo alter ego ATILA. Depois de se estrear com Dungeon Rave (2019, Capital Decay), nomeado um dos melhores trabalhos nacionais para a nossa equipa em 2019, Goth Partisan segue o mesmo trilho sonoro. O contexto da decadência continua a ser celebrado nas pistas de dança, onde habitam as texturas sonoras mais obscuras da eletrónica e do techno.

O lado imersivo das paisagens sonoras de Dungeon Rave dá lugar em Goth Partisan a composições altamente aditivas, intensas e sombrias, que tanto vão beber ao dub infernal como ao breakbeat marcial, as quais se sentem particularmente no domínio do transe e do visceral, trazendo à memória ecos do pós-industrial de Prurient. As batidas ritmadas e o baixo dilacerante são acompanhadas por vozes voláteis e por uma constante batalha entre texturas sintéticas e abrasivas

Faixas como “St. Vitus Jumpstyle” e “Theodora” conjuram sensações tormentosas, alimentadas pela exponencialidade dos bpms, e servem como um excelente cartão de visita para mais uma edição com o cunho da lisboeta Rotten \ Fresh. 

Rui Gameiro

Sweet Trip – A Tiny House, In Secret Speeches, Polar Equals

Juntando uma sensibilidade pop a distorções digitais, batidas electrónicas e guitarras cobertas de efeitos, a música dos Sweet Trip tem vindo a conquistar cada vez mais ouvintes em certos círculos da internet, provando-se muito popular em comunidades como a do Rate Your Music. Esta fama tardia da banda formada nos anos 90 levou às reedições em vinil de dois dos seus álbuns, incluindo o aclamado Velocity : Design : Comfort¸ alvo de grande parte das atenções que a dupla tem vindo a receber. O culminar do seu regresso fez-se com A Tiny House, In Secret Speeches, Polar Equals, o primeiro álbum em doze anos.

Após o longo período de inatividade, não seria descabido que este novo disco ficasse aquém das expetativas dos fãs mais exigentes, mas os Sweet Trip presentearam-nos com mais de uma hora de excelente música, explorando de novas formas todas as facetas dos seus lançamentos anteriores. Não atravessam caminhos que não tenham antes explorado, mas isso apenas prova o quão inovadores eram há duas décadas atrás.

A Tiny House, In Secret Speeches, Polar Equals está repleto de melodias e timbres deliciosos, seja no shoegaze psicadélico de “Tiny Houses”, o indie eletrónico de “Chapters”, a IDM de “Randlift” ou o dream pop de “Walkers Beware! We Drive Into the Sun”. As canções são geralmente quentes e suaves, mas igualmente densas e repletas de pequenos detalhes, transições e combinações inesperadas que vão emergindo em repetidas audições. É a altura perfeita para descobrir ou redescobrir os Sweet Trip, o início de uma nova era da sua carreira. 

Rui Santos

7777 の天使 – Seven Angels

Através de dois deliciosos tratados de eletrónicas contundentes, os EP’s Ski Mask Angels (2019) e Bruised Grills Eternal Tears (2020), os 7777 の天使 analisaram com detalhe e minúcia as várias extremidades da música de dança. Na estreia em longa-duração, editada em fevereiro pela plataforma digital Soul Feeder, a dupla de Drvgジラ e Swan Palace aponta para outras coordenadas: Seven Angels segue um registo mais convencional de canção, com fundações na voz, na guitarra e na bateria, mas não descura dos ocasionais devaneios gabber que compõem os lançamentos anteriores. 

Filipe Costa

The NRG – The NRG

Num ano em que as raves (pelo menos as legais) estão mais que canceladas, chega-nos aos ouvido The NRG, um grupo enigmático de Sheffield, UK, que se intitula como os “Kings of Stadium Ambient”. Recorrendo a uma fórmula assumidamente KLFiana, tanto no estilo como na personalidade, tentam passar a ideia de que são uma banda de culto à frente do seu tempo. No seu site partilham a história que o coletivo se separou no ano de 1994, durante o seu pico criativo, tendo apagado todo o seu catálogo discográfico, e que, só passados uns bons anos foram encontradas no Kansas, EUA, umas cassetes referentes à tour norte-americana dos NRG. Essas cassetes foram posteriormente restauradas e disponibilizadas no Bandcamp, e assim nasceu Live’94.

Esta história surge associada a um conjunto de posters de festivais e recortes de imprensa fictícios mas com um aspeto bem realista. Na verdade, o coletivo nunca existiu nem o disco é datado de 1994. Tudo isto é apenas um produto da imaginação e do amor pela rave scene dos anos 90. Live’94 trata-se de um álbum ao vivo de caráter imaginário, em que os sons vibrantes do público são samplados ao longo de oito faixas dominadas por ambiências etéreas e altamente sintéticas, linhas de baixo hipnotizantes e batidas minimais. Tudo com o intuito de provocar uma explosão controlada de sensações, um regresso a um passado não tão longínquo.

Este é um disco que chega na melhor altura, em que não podemos experienciar o convívio social de grandes massas. Live’94 deixa-nos um bocadinho mais perto desse mundo nostálgico, e é por isso que nos sabe tão bem. 

Rui Gameiro

moisés – 100 sonhos

100 sonhos é o segundo EP de moisés, produtor dividido entre as Caldas da Rainha e a Covilhã.
De certa forma, trata-se de um projeto que, acima de tudo, mostra uma evolução artística explêndida adquirida em cerca de um ano. Em “100 sonhos”, moisés criou um limbo entre o hip hop abstrato de Nerve e o r&b contemporâneo mais californiano dos Brockhampton, sempre misturado com uma lírica cripticamente pessoal.

Cada uma das seis faixas inseridas neste EP tentam buscar influências musicais diferentes sem tirar a ideia principal que, por si, se torna na chave para a fluidez da obra. Temos espaço para agressividade de “janeiro”, para o refrão contagiante de “não sei” ou para a vibe mais sunset chill de “túnel,”.

No fundo, “100 sonhos” é uma metamorfose gradual de moisés enquanto artista, processo esse que prossegue com, por exemplo, o single “SUMO”, lançado posteriormente a este EP. Toda esta trajetória faz com que valha a pena manter este artista sob olho, não vá ele continuar a melhorar e a melhorar. 

João Pedro Antunes

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