Bloom (JP Simões) em entrevista: “Mudar drasticamente de estilo não é uma coisa que me seja incomum”

Bloom (JP Simões) em entrevista: “Mudar drasticamente de estilo não é uma coisa que me seja incomum”

| Novembro 20, 2021 4:50 pm

Bloom (JP Simões) em entrevista: “Mudar drasticamente de estilo não é uma coisa que me seja incomum”

| Novembro 20, 2021 4:50 pm

Drafty Moon é o nome do último álbum de Bloom, alter-ego de JP Simões, um nome que já está na ponta da língua da indústria musical nacional há mais de 25 anos. Nesse disco, lançado sob o selo da Lux Records e da  Omnichord Records, vemos uma mudança drástica ao seu álbum anterior. Um é mais melancólico, bucólico e inspirado no folk britânico dos finais dos anos 60, o outro decai mais na mistura da eletrónica com a espiritualidade do punk. 

Estivemos à conversa com JP Simões, tocando em temas como a origem do projeto Bloom, a sua constante necessidade de mudança e como isso isso moldou a sua carreira, entre outras coisas.

De onde veio a ideia de criar Bloom, este alter-ego anglo-saxofónico? 

JP Simões – Depois do lançamento do Roma [lançado em 2013], eu fiquei sem inspiração para dar continuidade ao meu reportório enquanto JP Simões. Aquilo não estava a progredir e já estava assim meio latinizado, de uma forma que eu já não estava a achar piada. 

No entanto, houve três acontecimentos distintos que, ao se juntarem, deu asas ao Bloom. Primeiro, temos a minha viagem à Argentina. Encontrei lá um pintor inglês com quem conversei acerca de uma série de coisas. Em segundo, quando voltei a Portugal, fui à casa de um amigo e ele tinha lá uma guitarra com uma afinação em ré aberto, algo que eu achei fascinante e passei a explorar. Por fim, eu andava a ouvir muito Nick Drake, estava fixado na música dele e inspirei-me muito nele. 

Então, eu juntei estes três pontos e imaginei que aquele pintor inglês que conheci na Argentina era um músico chamado Nicholas Bloom. No entanto, esta personagem nunca editou música. Nunca precisou, até porque ele já tinha imenso dinheiro, então não precisava de ter uma carreira musical, muito menos de andar a tocar em concertos. Ele só andava apenas a viver a sua vida livremente. Então, quando eu lhe disse que andava sem inspiração, ele mandou-me as suas músicas, até porque simpatizava comigo. Então, eu criei o Bloom a partir da ideia de que eu iria reencarnar num músico diferente de mim, chamado Nicholas Bloom. Eu sei que isto começou de uma forma um bocado literária, mas às vezes preciso destas justificações em forma de conto para explicar a criação de um pseudónimo, heterónimo, alter-ego… Olha, já nem sei o que chamar a isto. 

 Como descreverias as mudanças drásticas de sonoridade entre Tremble Like a Flower e este último disco, Drafty Moon? 

JPS – Basicamente, Tremble Like a Flower é um disco todo assente na guitarra e naquelas afinações de que falei há bocado. É um disco mais espaçoso e melancólico, mas muito denso e bucólico. Já Drafty Moon é um disco que foi crescendo e ultrapassando as guitarras. É um quanto mais espacial e electropop. Além disso, foi produzido de uma outra maneira e com mais tempo e recursos. No fundo, é um disco mais assertivo, com menos melancolia.

Agora, não sei se houve alguma coisa que me inspirou em particular para mudar de estilo. Eu tenho sempre uma certa necessidade de mudança. Às vezes farto-me de certas formas e fórmulas. Para mim, um álbum é uma hipótese de começar de novo, como uma relação amorosa: o processo de evolução pode ser semelhante, mas cada pessoa e cada álbum são diferentes. Neste último disco, a minha vontade era fazer algo com mais impacto. Tremble Like a Flower puxou mais pelas profundezas e desta vez eu queria algo mais extrovertido, com mais energia e rock ‘n’ roll. Ou seja, mudar drasticamente de estilo não é uma coisa que me seja incomum porque eu nunca estou preso a um estilo em particular. 

 E porquê continuar com o nome Bloom neste álbum e não voltar ao JP Simões? Está relacionado de alguma forma com a personagem do Nicholas Bloom? 

JPS – Eu acho que sim, o Nicholas Bloom em si é algo muito particular. Para além disso, é em Bloom que eu quero incluir o meu trabalho em inglês, que é algo que eu tenho feito mais porque, sei lá, tem-me dado mais gozo do que escrever em português. Tendo isso em conta, achei que fazer este corte entre os dois álbuns, digamos assim, valeria a pena e iria construir este Bloom de uma forma interessante.  

 Como vês a utilização da língua inglesa por parte de artistas portugueses? 

JPS – Quando eu tinha mais projeção, aqui há uns anos, na altura dos Belle Chase Hotel (uma banda que criei com amigos meus de Coimbra), havia sempre essa chatice. Nós escrevíamos quase sempre em inglês e ouvíamos muito “ah, então mas porque é que não cantas em português?”. Epá, sinceramente, as músicas que eu mais ouvia costumavam ser em inglês e o meu reportório de influências vinham muito mais da música britânica, americana e até mesmo francesa ou brasileira. Não tinha grandes relações para com a música portuguesa (apesar de ter desenvolvido mais com o tempo, naturalmente). Para mim, sempre me foi mais natural cantar em inglês. Cantar em português é que me era algo estranho. Mas essas são as minhas razões, cada um tem as suas. 

Além disso, cada língua pode ser vista como um instrumento diferente. Cada uma tem uma articulação distinta, influenciando o tipo de música que estás a fazer. A língua chinesa, por exemplo, varia muito: vai sempre subindo e descendo nas escalas. Já a língua inglesa é aquela onde me sinto verdadeiramente em casa. Neste último álbum, eu fui buscar as minhas influências em cantores que me inspiraram a cantar, como David Bowie, Bryan Ferry, Scott Walker ou Jacques Brel. Não sei se o conseguiria fazer com a língua portuguesa.  

 Quão diferente teria sido este álbum se não tivesse sido composto em tempos pré-pandémicos? 

JPS – Maior parte das músicas já estavam compostas em 2019, mas eu tenho um disco já praticamente feito que já foi composto em plena pandemia e onde maior parte das músicas procuram algum conforto interior. Aí, eu passo a falar da adolescência, da infância ou de alguns fenómenos como os grilos a cantar ao meio dia. Foi toda uma outra coletânea de ideias, emoções e pessoas, diferentes das que tive no Drafty Moon. Ou seja, acho que este último disco teria sido muito diferente se gravado durante a pandemia. Não sei se toda aquela energia teria saído com tanta naturalidade, o contexto é outro. Mas estou bastante confiante com a forma que o disco tem e acho que não perdeu a sua validade, talvez por ter sido gravado mesmo ao virar à esquina da pandemia. Aliás, ele já foi produzido durante a pandemia, mas as canções, melodias e letras são pré-pandémicas. 

Se o tema recorrente desse próximo álbum é a procura de conforto interior, quais foram os de Drafty Moon? Existe alguma narrativa par aí escondida? 

JPS – Às vezes, o que faz identificar um álbum é um conjunto de coisas que fazem sentido quando ligadas umas com as outras. Pode ser um conceito, como o meu álbum 1970 enquanto JP Simões, onde tentei que todas as músicas fossem mais inspiradas no cenário brasileiro, mas com um espírito vocal mais português. Agora, em todos os meus outros discos, são canções mais dispersas. Quando tu tens uma boa ideia, não te vais por a pensar se encaixa ou não com as outras coisas que estão feitas, mas podem sempre ter algum ponto em comum. No fundo, o que realmente liga as canções é a produção e não a composição. Neste novo disco, a produção tornou as canções instrumentalmente mais sofisticadas. Grande parte dos temas passam por memórias pessoais e pequenas narrativas acerca do mundo do rock ‘n’ roll. Coisas simples. Como descreverias a tua evolução enquanto artista desde que começaste a lançar música em estúdio até hoje? 

JPS – Eu acho que andei sempre às voltas. As minhas inspirações são sempre muito circunstantes. Eu diria que a palavra que mais gosto de usar para descrever a minha evolução é “mudança”.  

Tudo começou de uma maneira que nunca me tinha passado pela cabeça na minha adolescência ou quando era miúdo. Nunca adivinharia que iria ser músico, mas começou de uma forma um bocadinho descomprometida. 

Em Pop Dell’Arte, eu não era um grande guitarrista, na verdade. Eu não tocava lá grande coisa e tinha a noção que qualquer pessoa podia estar a fazer aquilo que eu fazia, talvez até melhor. Seja como for, foi maravilhoso e lançámos um álbum nesse contexto [Sex Symbol, 1995], onde eu apareci e senti-me orgulhoso em tocar com eles. Para aí em 1987, os Pop Dell’Arte eram das minhas bandas favoritas e, de certo modo, continuam a ser das bandas mais originais do mundo. 

Depois dos Belle Chase Hotel (um projeto no qual houve uma boa projeção) ter terminado, fiquei a pensar no que podia fazer e dei por mim, em pleno século XXI, a construir uma ópera em português [Ópera do Falhado, 2004]. Foi num contexto de continuidade de outras óperas muito conhecidas, como o The Beggar’s Opera [de Bach, 1727], que deu asas à Ópera dos Três Vintens [de Berolt Brecat, 1928]. Inspirei-me também nas óperas que o Chico Buarque fazia, onde criticava fortemente a ditadura brasileira do Estado Novo. Foi interessante e divertido, mas dava imenso trabalho e pouco dinheiro. Depois criei os Quinteto Tati com o Sérgio Costa [multi-instrumentalista que acompanhou JP Simões durante grande parte da sua carreira]. Acabei por lhe apanhar o gosto, mas ele apercebeu-se que as minhas letras estavam a ficar mais pessoais e afastavam-se daquilo que os Quinteto Tati faziam, que era mais virado para o estilo americano. Com essa vontade de fazer algo mais pessoal e com muitas influências brasileiras, veio o disco 1970, que teve uma boa receção tanto por parte do público como das críticas, o que me deixou contente. Após o lançamento de mais alguns discos, eu tentei pegar em um bocadinho de tudo o que fiz ao longo da minha carreira e lancei o Roma, mas ao final disto tudo, senti-me insatisfeito e um bocado esgotado. Achei que estava tudo a ficar muito superficial, apesar de ter gostado imenso de gravar o disco e os concertos terem sido fantásticos, com uma banda incrível a acompanhar-me. Então, entrei numa fase de desmotivação até fazer uma viagem à Argentina, e o resto já se sabe. Aqui estamos. 

 Enquanto Bloom, tens trabalhado imenso com o Miguel Nicolau, dos Memória de Peixe. Aliás, foi ele o coprodutor de ambos os álbuns deste projeto. Como é que essa parceria começou e como é trabalhar com ele? 

JPS – Eu vi o Miguel Nicolau tocar com um velho amigo meu, o Marco Franco [Peste & Sida, Montanhas Azuis, etc…] no Festival Bons Sons, acho que em 2014 ou 2015, e gostei imenso do que ouvi. Aliás, até fui ter com ele, apresentei-me e tal, e fomos ficando amigos. Entretanto, comecei a mostrar-lhe músicas e apercebi-me que a forma como ele as abordava agradava-me imenso, desde as texturas ao impacto que ele lhas dava, então começámos a trabalhar juntos. Basicamente, o gajo tornou-se no meu Brian Eno e no meu Tony Visconti. Eu queria que o Drafty Moon tivesse uma textura mais eletrónica e com mais ambientalismo e o Miguel fez isso funcionar. Este disco também é dele e eu estou muito orgulhoso do trabalho final. 

E para acabar: que artistas mais têm chamado à tua atenção, ultimamente? 

JPS – Acho piada a alguns projetos portugueses um bocado mais esquizoides, como o Vaiapraia. Fora do universo português, às vezes ouço coisas como King Krule, T-Rex, Penguin Cafe Orchestra, The Residents, Flamingods… Também acho interessante a música nigeriana, como o afrobeat de Fela Kuti e companhia. Mas, epá, não te consigo dizer nada que me tenha impactado assim muito. Acho que a última coisa que ouvi que me bateu na cara com muita força foi o último disco do David Bowie, o Blackstar. E já lá vai algum tempo, não é? [lançado em janeiro de 2016]. Depois também temos um álbum que é tudo menos rock, o To Pimp a Butterfly, do Kendrick Lamar. Fui ouvir e achei emocionante, especialmente no que toca à produção, que é mesmo muito bem feita. É do outro mundo. Fotografia por Tiago Fezas Vital

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