
Madmess em entrevista: “A nossa música é épica, hipnótica e transmite uma sensação introspetiva em certos momentos”
Madmess em entrevista: “A nossa música é épica, hipnótica e transmite uma sensação introspetiva em certos momentos”

Madmess em entrevista: “A nossa música é épica, hipnótica e transmite uma sensação introspetiva em certos momentos”
Os Madmess são um trio oriundo do Porto e estiveram sediados em Londres durante os últimos anos onde assinaram um contrato com a editora britânica Hassle Records. Agora, de regresso a território nacional vieram para atormentar os palcos portugueses com os seus riffs vertiginosos de Stoner-Rock assombrados por uma densa nuvem psicadélica com o seu recente álbum de estreia “Rebirth” lançado neste mês de dezembro.
Estivemos em vídeo-chamada com o Vasco (baixista) e o Sam Paio (guitarrista) para descodificar tudo acerca do novo disco e as vicissitudes de uma vida entre capitais europeias.
Primeiro, gostava muito de vos dar os parabéns pelo excelente álbum de estreia que andei a ouvir intensamente nos últimos tempos!! A banda começou em 2017, porém decidiram mudar-se para Londres para alargar horizontes e também evoluírem enquanto banda ou foi apenas por necessidade?
Obrigado pelos elogios, ficamos muito contentes!!! Ora bem, viemos há cerca de um ano novamente para Portugal por vários motivos, essencialmente por causa do Brexit e da pandemia. Estamos de certo modo a tentar melhorar a nossa reputação e imagem a nível nacional. Já somos conhecidos em Londres, reparámos que faltava um pouco de atenção da nossa parte por cá.
Nunca tocámos muito pelo país, só apenas no último ano é que demos 10 ou 11 concertos, enquanto que nos últimos tempos estivemos sempre mais focados a viver em Inglaterra e a dar concertos por lá.
A principal razão de termos voltado foi porque estava difícil arranjar trabalho, as rendas altas e de manter um certo estilo de vida.
O vosso primeiro EP foi lançado em 2019 e na minha opinião podia ser considerado um álbum, concordam?
No nosso primeiro trabalho, publicámos como EP basicamente porque o Spotify assumiu como EP (risos). Mais minuto ou menos minuto, no fundo não interessa assim tanto classificá-lo de qualquer maneira.
Como é que foi essa experiência e como surgiu a oportunidade de irem até Gales gravar o vosso álbum de estreia no consagrado estúdio Foel Studios onde já gravaram bandas de renome internacional da cena psicadélica como os Amon Düül II, Hawkwind e os My Bloody Valentine?
Nós andávamos em busca de estúdios para gravar o álbum e até fizemos a reserva desse estúdio bastante cedo. Começámos a escrever o álbum no início de 2020 e fizemos a marcação para gravar em finais de outubro e início de novembro. Em Londres como deves imaginar os estúdios são todos caríssimos, além das condições por vezes não serem as esperadas. A nossa ideia fundamentalmente era encontrar um estúdio residencial.
No primeiro EP fomos até um estúdio situado em Liverpool para gravar o disco, estivemos durante 5 dias focados nesse objetivo e queríamos repetir essa mesma fórmula neste álbum.
No EP adorámos trabalhar com o engenheiro de som Chris Fielding que nos cedeu esse seu estúdio privado em Liverpool, no entanto mais tarde fechou e o Chris mudou-se para a Foel Studios.
Perguntámos de imediato sobre preços e vimos que era aquilo que procurávamos e aconteceu naturalmente logo depois de ver que era um sítio muito especial onde imensas bandas lendárias de rock progressivo e dos anos 70 passaram naquele lugar.
Podemos dizer que foi uma espécie de retiro espiritual?
Aquele lugar é mesmo lendário e especial, aquilo fica numa zona montanhosa completamente isolada, visto que nem sequer tínhamos rede e por isso foram 7 dias dedicados a usufruir de toda a experiência.
Quem construiu o estúdio foi o baixista original dos Hawkwind que era antigamente um celeiro e transformou-o em estúdio e na realidade é que o aluguer foi bastante acessível.
Quais foram as principais diferenças ou dificuldades que sentiram nas gravações do vosso primeiro disco comparativamente com este álbum de estreia?
Por acaso… houve bastantes diferenças. No EP a bateria foi prontamente gravada, enquanto que as guitarras foram gravadas diretamente para uma mesa de mistura analógica da marca AMS Neve, sendo mais tarde utilizada a técnica de re-amp.
Já relativamente a este álbum, o método de gravação foi totalmente ao vivo. Acabou por ser uma tarefa um pouco mais complicada devido à pressão das músicas serem longas e complexas, tivemos inclusive de gravar algumas músicas por secções para não existirem pregos… (risos), adicionando apenas as partes de voz e alguns efeitos e overdubs.
Sobre o vosso processo criativo diria que o vosso EP surgiu praticamente da improvisação, enquanto que este álbum parece-me à primeira vista ter uma vibe mais estruturada?
Sem dúvida, a gravação do primeiro álbum acabou por ser mais tranquila porque era um processo criativo inspirado em jams e já nos sentíamos confortáveis com essas músicas. O Rebirth nitidamente tem mais mudanças, um conteúdo mais escrito em termos de riffs.
Além de uma ligeira mudança na vossa sonoridade entre os vossos trabalhos, reparei também numa estética diferente no artwork das capas dos discos, visto que o homónimo Madmess dá-me uma ideia abstrata e espacial, em contra-partida o Rebirth realça uma aparência mais humana e gostava de saber se isso aconteceu propositadamente?
Tentámos ter uma abordagem mais moderna e minimalista, até ao nível de som este “segundo” álbum é um inverter de significados. Quando aparecemos com o EP em 2019 o mundo já estava todo em quarentena, então não tivemos a oportunidade de dar concertos e agora queremos é voltar ao ativo.
De que forma é que sentiram a vossa evolução entre discos e de que maneira é que a pandemia afetou as vossas aspirações e expetativas?
Infelizmente durante a quarentena em Londres não tocamos juntos tanto como antes, escrevemos sim e criámos mais de uma forma mais individual. Este álbum acabou por ser o oposto do EP, foi um processo de adaptação para todos onde cada um de nós fechado em casa a tocar a sua própria cena com amplificadores pequeninos, até irmos gravar para um estúdio com grandes amplificadores (risos).
Ao escutar e após explorar a vossa discografia apercebi-me que utilizam raramente partes de voz e queria entender a importância desta secção nas vossas composições. Falem-me um pouco dessa vossa abordagem… e ainda das vossas influências ou inspirações.
Na realidade até dividimo-nos bastante em relação às vozes, não nos importamos de fazer apenas música meramente instrumental, no entanto sinto que às vezes certos temas pedem voz. O nosso baterista, por exemplo, escreve várias partes de voz, embora não seja o nosso forte e na nossa opinião o nosso projeto não exija essa importância.
Aliás, um facto engraçado é ver os comentários no nosso canal do Youtube onde vemos respostas diferentes, uns a pedir mais voz e outros que não (risos) e independentemente destas pequenas divergências o que importa é não perdermos a nossa essência.
Madmess é um projeto que tem influências diferentes, vamos tentar sempre inovar de álbum para álbum, mas sempre com o mesmo espírito e dedicação. Contudo, não vamos ser os King Gizzard ao fazer um disco de metal e logo a seguir aparecer aí com um disco de jazz (risos).
Existem algumas bandas de Stoner-Rock já consagradas com uma carreira longa de 20 anos e tocam sempre o mesmo, o nosso objetivo não passa definitivamente por estagnar nesse sentido.
As influências do Space-Rock no vosso som são evidentes e queria saber se alguma vez pensaram em aventurarem-se ao adicionar novos instrumentos ao vosso equipamento, por exemplo uns sintetizadores?
Sim, já pensámos sobre isso. Temos algum interesse em aprender e explorar esse mundo das teclas e dos sintetizadores, aliás até já tivemos alguns amigos que se ofereceram para tocar connosco.
No entanto, não existe de momento espaço para acrescentar teclas, talvez num futuro possamos acrescentar sintetizadores a servirem como intros ou interludes para criar novos ambientes.
Vi numa antiga entrevista que tinham o sonho de tocar no famoso festival Duna Jam e que esse sonho estava prestes a ser concretizado… afinal, sempre vai acontecer?
Morava com uma rapariga italiana que trabalhava no festival e conhecia o promotor do Duna Jam, ela passou o nosso Bandcamp para a organização e temos alguns contactos do festival, contudo com a vinda desta pandemia ficou tudo suspenso.
Qual é a vossa perspetiva da cena underground do rock psicadélico no Porto e de que maneira é que vos influencia?
Influência imenso! Primeiro, no Porto diríamos que não existe qualquer rivalidade entre estilos ou gêneros, toda a gente aqui se conhece e vai aos concertos de metal, de rock e de punk porque parece-nos serem os estilos predominantes.
Sentimos sempre esse apoio incondicional da comunidade local e deve-se muito também ao espírito que provém do centro comercial STOP. É bem capaz de lá existirem umas 500 bandas (risos) e artistas completamente diferentes.
Em Londres essa atmosfera não era tão visível, talvez por ser um meio substancialmente maior. Ultimamente temos ido a bastantes concertos de pessoal amigo, tem-nos surpreendido pela positiva o retomar à nossa cidade e só estamos neste momento algo tristes por interromper esta vivacidade de tantos eventos devido à pandemia.
Também partilho essa visão de que na zona do Norte a cena de música dita “pesada” está aparentemente mais acesa e viva. Recentemente fizeram uma mini-tour, inseridos nos ciclos da “Matéria Urgente” e do “Curto Circuito” promovidos pela gig.rocks por alguns pontos do país com o intuito de descentralizar a cena da música alternativa e qual tem sido a reação do público?
A reação do público tem sido incrível, mesmo com as restrições temos tido muito bom feedback. No concerto que demos no auditório do CCOP (Círculo Católico Operário do Porto) as pessoas viram o concerto sentados e disseram que não sentiam tanto essa necessidade de estar de pé porque a nossa música é épica, hipnótica e transmite uma sensação introspetiva em certos momentos.
Uns dias depois de terem lançado o Rebirth, o Bandcamp mencionou o vosso disco na habitual rubrica diária deles intitulada “New and Notable” e gostaria de saber qual tem sido o impacto desse reconhecimento? E sobre quais as plataformas de streaming que privilegiam e se concordam com os modelos das mesmas?
Em relação ao modelo do Spotify consideramos que o modelo deles é ridículo para artistas ou bandas da nossa dimensão, apenas serve os interesses dos artistas mais comerciais e de dimensão mundial.
Contudo, também precisamos de estar presente nessas plataformas de streaming para divulgar o nosso trabalho e obviamente que os nossos principais seguidores são vindos do Bandcamp onde vendemos a nossa merchandising e os vinis.
Antes de lançarem o álbum em dezembro, vi que no single de avanço “Stargazer” realizaram um videoclip num templo. Quem teve essa ideia e se tem planos de investir no futuro nesse tipo de divulgação?
Basicamente tivemos a ideia de ir a um templo em Gaia perto da casa do Sam Paio. Foi muito simples, pegamos num gerador e reunimos uma equipa na área da produção.
A ideia inicial era ser uma cena low-cost e pedimos ainda a um amigo estrangeiro para fazer um liquid light show e no final resultou tremendamente bem. Em termos futuros, adoraríamos ter budget para um videoclipe de animação, mas é um cenário absolutamente fora do nosso orçamento.
A nossa música não é propriamente feita com o intuito de realizar videoclipes, temos outras prioridades, deixamos que sejam os ouvintes a criarem os videoclipes nas suas cabeças (risos).
A banda tem alguma superstição ou ritual durante as tours ou antes de pisar o palco? E têm também alguma história engraçada que queiram partilhar?
É sempre o mesmo!! Fumar um charro e beber umas cervejas, damos um abraço e entramos logo numa abstração após soar a primeira nota.
Quanto a histórias engraçadas temos várias, assim de repente lembramo-nos de uma de quando começámos a banda e nem ainda tínhamos nome para a banda.
Convidaram-nos para ir tocar às festas do São João em Braga e decidimos o nome da banda à pressa para colocar no cartaz. No entanto, o Vasco e o Luís viajaram até Marrocos e voltaram a Portugal um dia antes desse concerto, então quando chegou o dia não tocámos nada das nossas músicas e improvisámos durante o concerto todo.
Outra história hilariante foi também quando tivemos um concerto marcado em Montpellier, o nosso baterista Luís teve a brilhante ideia de comprar bilhetes para Nice e ia ter connosco de autocarro com a desculpa de que esses bilhetes saíam-lhe 5€ mais baratos enquanto que nós fomos de voo direto. A parte divertida é que ele chegou primeiro que nós a Montpellier, tratou de um hotel para todos e depois adormeceu no quarto do hotel, entretanto andávamos perdidos pela cidade francesa.
Na retoma para Londres, depois de muito convívio com a malta não conseguimos arranjar shuttle para o aeroporto em França, então tivemos de ir a pé por uma espécie de deserto com as guitarras às costas num dia de imenso calor, a suarmos e estafados até ao destino.
Qual seria o projeto que gostavam de serem convidados para uma tour?
Acho que vamos ter de dizer várias… (risos) neste momento as bandas que mais gostamos são os Earthless, os recentemente extintos Samsara Blues Experiment, Elder, Kadavar e os SLIFT, entre outros…
Conseguem já adiantar algumas datas para festivais ou concertos, imagino-vos a estrearem-se no SonicBlast que é totalmente a vossa cara… e para terminar queria saber se já estão a preparar o próximo disco e se podiam revelar alguns detalhes?
A nível de datas temos concertos agendados para o próximo ano, alguns festivais em vista e outros que ainda não podemos avançar com a confirmação. Em relação ao SonicBlast seria formidável ir lá tocar, visto que fazemos parte habitualmente da festa que acontecia em Moledo enquanto festivaleiros em praticamente todas as edições.
Já estivemos em contacto com pessoal da organização, possivelmente não aconteceu antes porque só tínhamos um EP e agora com este material novo esperamos abrir novas portas, é aguardar que as coisas aconteçam naturalmente.