Melhores do Ano 2021: Nacionais
Melhores do Ano 2021: Nacionais
Melhores do Ano 2021: Nacionais
Terminado o ano, os membros da Threshold Magazine passaram as últimas semanas a compilar os trabalhos que mais marcaram 2021. Não podemos dizer que se tratou de uma tarefa propriamente fácil: ao longo de todo este período esforçámo-nos por alargar o máximo possível os nossos radares, de forma a podermos expandir as nossas opções. Isso é ótimo, tendo em conta que nos dá um maior leque de escolha e a confiança necessária para apresentar a melhor seleção possível (apesar de, infelizmente, ser-nos humanamente impossível ouvir tudo e ter uma lista que possamos considerar totalmente completa. Faltar-nos-á sempre algo).
No entanto, fazer uma lista não é tão fácil quanto apenas ouvir os discos. Aliás, elaboramos ainda mais e referimos que, quanto mais álbuns forem postos em cima da mesa, mais difícil é reuni-los numa turma de vinte, forçando a ausência de alguns lançamentos que até se apresentavam numa posição extremamente favorável na lista de alguns dos nossos redatores votantes. Mas é no meio de todo este consenso e na capacidade de concordar em discordar que fomos capazes de, no meio de mais de um ano marcado por isolamentos, vos deixar a lista que iremos, sem demora, apresentar em baixo.
20. Old Jerusalem – Certain Rivers
19. Odete – The Consequences Of a Blood Language
17. 10000 Russos – Superinertia
15. IKOQWE – The Beginning, the Medium, the End and the Infinite
14. IVVVO – Greatest Hits, Archive 2010-2015
13. Wordclock – A Greater Bliss
12. Dullmea & Ricardo Pinto – Orduak
11.BASTARDA & João de Sousa – Fado
10. David & Miguel – Palavras Cruzadas
Era uma colaboração que parecia destinada a acontecer. Os percursos de David Bruno e Mike el Nite já se tinham cruzado por diversas vezes, tanto no projeto a solo do produtor como em Conjunto Corona, mas desta vez os dois talentos formam um “supergrupo” e colaboram no disco mais romântico de 2021.
Apesar de terem surgido no seio do hip-hop português, os dois músicos apresentam sons e abordagens muito diferentes: Mike, mais virado para a letra e uma experiência mais “sôfrega”, como o próprio a descreve, e David focado em instrumentais com samples obscuras e letras curtas baseadas na observação do dia a dia. Mas ambos partilham algo em comum, em especial o sentido de humor apurado das letras baseadas na experiência do que é ser português.
Em Palavras Cruzadas, David e Miguel criam uma homenagem à música romântica latina e cantada na língua portuguesa, onde os músicos se divertem com os clichês do género, mas também com a oportunidade criativa que encarnar estas personagens lhes ofereceu. Hugo Geada
JP Simões é um nome que, dentro do panorama alternativo português, é conhecido por imensas coisas. Uma delas é pela sua constante sede de mudar o seu estilo, não se deixando prender a uma só estética. O seu alter-ego Bloom é mais uma prova disso mesmo. Em “Drafty Moon”, segundo álbum sob esse pseudónimo, o coimbrense afasta-se do bucolismo melancólico inspirado no folk britânico dos finais dos anos 60 que tanto marcou “Tremble Like a Flower” e cai para uma eletrónica com uma espiritualidade bastante acesa no punk, ultrapassando as guitarras e criando algo mais espaçoso e espacial, todo ele soando como um grande eco de uma textura fortemente ambiental. Contudo, dentro de tantas mudanças, se há algo em comum que este projeto tem com todos os outros no qual JP Simões está inserido, é a forma como ele consegue fixar o ouvinte na atmosfera do álbum, criando vívidas imagens dos sentimentos transmitidos: quer pela ressonância mais arrockalhada (“Bad for Business” e “There’s Something About Tomorrow”) como pelas eletrónicas cuidadosamente trabalhadas, aproximando-se do art pop (“Drafty Moon”, “Shinjuku Station”). João Pedro Antunes
Com os EP’s Ski Mask Angels (2019) e Bruised Grills Eternal Tears (2020), autênticos tratados da mais contundente e moderna eletrónica, os 7777 の天使 exploraram com nervo e arrojo as várias possibilidades da música de dança. Seven Angels, a estreia de Drvgジラ e Swan Palace em longa-duração, aponta para outras coordenadas: composto por dez temas intoxicantes, o disco, que voltou a receber o selo da plataforma digital Soul Feeder, segue um registo mais convencional de canção, com fundações na voz, na guitarra e na bateria, mas não descura dos ocasionais devaneios gabber que habitam os primeiros registos.
Lágrimas em forma de emoji e emoções à flor da pele num concílio divino onde anjos e demónios coabitam entre ambientes etéreos e atmosferas letárgicas. Filipe Costa
SCOLARI é um trio cujos integrantes são nomes familiares para os mais atentos à música independente nacional. António Silva e Bruno Pereira editam o seu trabalho de música eletrónica ou ambiente como Sal Grosso e Aires, respetivamente, enquanto Luís Silva tem um longo percurso feito no mundo do jazz. O projeto que os une introduz-se ao público com MATA MATA, álbum editado pela Favela Discos.
Neste disco, a banda apresenta drones sombrios e frios sobre os quais uma trompete ressoa melancolicamente. A primeira metade é mais esotérica, construída por paisagens sonoras obscuras, ao passo que na segunda abre-se a palete sonora e torna-se mais aparente a base eletrónica das composições. Os sintetizadores introduzem novos timbres e, em “Jungle Puzzle”, levam-nos a uma conclusão especialmente áspera e intensa.
Juntando ambientes desolados, melodias improvisadas e densos reverbs, MATA MATA é uma experiência bem-sucedida, um encontro entre músicos que se complementam e nos conseguem transportar para paisagens e cenários envolventes, alguns mais abstratos, outros com um traço pós-apocalíptico. Rui Santos
6. Unsafe Space Garden – Bro, You Got Something In Your Eye – A Guided Meditation
Bro, You Got Something In Your Eye – A Guided Meditation é o segundo álbum dos Unsafe Space Garden, banda nascida na Serra da Penha, em Guimarães. Com um expandido leque de músicos e colaboradores, os USG mostram-se mais ambiciosos do que nunca, com a mesma criatividade e teatralidade de sempre. Sem alguns dos excessos de lançamentos anteriores, a banda mantém toda a sua exuberância e energia contagiante num disco longo, mas continuamente cativante, capaz de nos surpreender a cada música.
“BYGSIYE”, a faixa introdutória, tem como foco um voice-over que indica de forma humorosa as condições ideais para a audição do álbum, suportado por um instrumental surpreendentemente movimentado. É à volta destas dinâmicas acentuadas que giram várias músicas dos USG – voltamos a encontrá-las nos fortes contrastes de “Split Screen Vision” ou nos piscares de olho ao rock progressivo que ouvimos, por exemplo, nos riffs e estrutura de “Em Defesa Do Sol”. Os vocais são igualmente imprescindíveis e “Thoughts Feelings” reflete a variedade de técnicas presentes no disco: diferentes formas de cantar ou falar, o uso de diversos efeitos e as afinadas harmonias vocais. “Mighty Flaws” também merece ser destacada, seja pelos encantadores instrumentos de sopro, a suave secção de ritmo, o piano saltitante ou o ponderado solo de guitarra.
BYGSIYE é o melhor trabalho dos USG até à data, um álbum muito consistente e bem produzido que assegura a banda como uma das mais originais no panorama da música nacional. Contam com um estilo muito próprio e não têm medo de o explorar e expandir como querem. Rui Santos
5. Chão Maior – Drawing Circles
O sexteto Chão Maior estreia-se nos discos com uma obra profundamente ligada ao jazz mais vanguardista e experimental, resultado de uma residência artística realizada em 2019 no Convento de São Francisco, em Montemor-o-Novo. Um ensemble com vasta e larga experiência liderado pelo compositor e trompetista Yaw Tembe, pelo baterista Ricardo Martins, o guitarrista Norberto Lobo, o trompetista João Almeida, o trombonista Yuri Antunes e a harmoniosa voz de Leonor Arnaut. Os “círculos” neste caso não se fecham em si mesmos e seguem uma contagem crescente com nuances repetitivas, dando a ideia de que cada instrumento é explorado numa busca livre e descomprometida. Os temas apelidados de “passos” invertem a normal ordem das coisas, surgindo com uma progressiva sintonia melódica entre os sopros que rapidamente entram num ambiente perdido entre o hostil e o silêncio durante a faixa “Passos Um” onde emerge uma nebulina de aparente confusão que se reencontra novamente com o desapegado e flutuante canto de Leonor Arnaut.
Drawing Circles é sobre a contemplação do tempo, do pintar sem esborratar e um genuíno exercício de alastrar horizontes por um coletivo deveras ambicioso que criaram uma das mais agradáveis surpresas do ano. Eduardo Coelho
4. Gabriel Ferrandini – Hair of the Dog
Três anos volvidos de Volúpias, a estreia de Gabriel Ferrandini a solo, o baterista português regressou em setembro último com um novo trabalho que coloca — pela primeira vez na carreira do artista — elétrico e acústico no mesmo plano, confrontando palpitações rítmicas de bateria e ruído concreto com pedais de efeitos, sub-graves e minuciosos processamentos digitais (cortesia de Pedro Tavares, da dupla eletrónica Império Pacífico).
Uma edição CANTO (a primeira) com direito a notas do ilustre saxofonista e colaborador de longa-data Alex Zhang Hungtai, que não podia definir melhor este lançamento, equiparando-o ao montanhismo:
“Em suma, este álbum a solo é a expedição a solo [do Gabriel] e da sua paisagem psico-geográfica interna. Ao contrário das expedições em grupo, não há ninguém para te dar uma mãozinha quando estás cansado, não há ninguém para te orientar quando te perdes, não há ninguém para compartilhar a alegria de terrenos recém-descobertos, estás sozinho e continuas. Às vezes, as pessoas não voltam com histórias para contar nessas expedições, ficam perdidas ou presas ali por um tempo…”. Filipe Costa
3. Conferência Inferno – Ata Saturna
“Queres fazer um acordo com o diabo?” é a pergunta que se impõe ao ouvir a música dos Conferência Inferno. Já dizia o outro que as almas são aborrecidas, portanto está na hora de entrar na locomotiva dark wave deste trio obscuro que lançou em fevereiro o primeiro álbum “Ata Saturna”.
O curioso título é uma referência ao antigo festival “Saturnália” realizado na Antiga Roma onde era homenageado o Deus Saturno, onde as hierarquias sociais deixavam de existir durante uns dias, ou seja, uma anarquia do deboche. A representação quase religiosa entre este evento e a noite boémia do Porto foi a principal inspiração do grupo.
O abismo degradante, uma ansiedade perpétua e as sensações de um confesso pecador que expõe as suas preocupações através de uma identidade desconhecida e desconcertante a deambular por tascos incertos, algo que é patente na poesia deste disco que definitivamente fascina e cumpriu a sua sina. Eduardo Coelho
Depois da melancolia de 8, o minimalismo otimista de Villa Soledade e o tropicalismo dançável de Aurora, no seu quarto disco, Manoel, os Sensible Soccers procuram conjugar o seu passado num disco que reflita a sua história, mas também… dois filmes de Manoel de Oliveira?
Manoel, editado no início de outubro, surgiu de um convite feito à banda formada em Vila do Conde para musicar dois filmes do maior realizador português, Manoel de Oliveira, Douro, Fauna Fluvial (1931) e Pintor e a Cidade (1956).
Durante a criação deste projeto, o grupo percebeu que estas músicas eram muito mais do que uma simples banda-sonora, este era o quarto disco dos Sensible Soccers, o sucessor de Aurora (2019).
Aliado a um espetáculo que consiste nas exibições dos filmes enquanto os músicos interpretam a banda-sonora ao vivo, Manoel é um trabalho que consegue agrupar todos os elementos que tornam o som dos Sensible Soccers especial e único dentro da duração deste disco. Hugo Geada
1. Bruno Pernadas – Private Reasons
No seu quarto álbum de estúdio, o terceiro que abraça uma sonoridade progressiva e frequentemente psicadélica, Bruno Pernadas demonstra mais uma vez uma enorme criatividade e habilidade na composição de músicas longas e complexas, mas acessíveis. O estilo colorido e divertido de Private Reasons não será estranho para quem ouviu Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them ou How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge, mas o disco conta com várias surpresas e novidades, abraçando um alargado leque de influências sem nunca soar desconexo.
Private Reasons proporciona uma viagem musical com diversas referências geográficas, das inspirações africanas de “Lafeta Uti” à letra em coreano de “Jory”, passando pelo ambiente tropical de “Recife”. Canções pop, algumas com estruturas algo tradicionais, estão mais presentes do que nunca, sendo exemplos disso a harmoniosa “Theme Vision” e a introdutória “Family Vows”, que surpreende pelas estranhas manipulações vocais que contém. Também não são descartadas as composições mais jazzy, como “Step Out of the Light”, a primeira música de Bruno Pernadas que me faz entender as comparações a Stereolab que tenho lido há anos.
Private Reasons tem tanto de boa música como de boa disposição, o equivalente sonoro a uma road trip soalheira e animada. Rui Santos