O Marta em entrevista: “É desse aspeto que pretendo falar, dos direitos da mulher no passado, presente e esperemos que no futuro”
O Marta em entrevista: “É desse aspeto que pretendo falar, dos direitos da mulher no passado, presente e esperemos que no futuro”
O Marta em entrevista: “É desse aspeto que pretendo falar, dos direitos da mulher no passado, presente e esperemos que no futuro”
O jovem músico de Viseu Guilherme Marta – que já conta com alguma pedalada com a banda Bang Avenue – estreia o seu novo projeto O Marta, que reflete, nas suas próprias palavras, “uma nova forma de conviver com a tradição” ao cruzar sonoridades folclóricas vindas das Beiras com uma sensibilidade mais modernizada do indie pop.
No âmbito do seu primeiro álbum de seu nome Ó Moça! É Folclore!, conversámos com O Marta acerca da génese do projeto, os desafios que o mesmo providenciou, as suas influências e vivências, e o que o futuro reserva para o músico.
Antes de mais, queria congratular-te pelo lançamento deste disco! Como foi estipulado, o conceito deste registo passa por homenagear as tradições beirãs com um twist mais moderno. O aspeto tradicional foi algo que se apegou a ti desde novo, ou foi algo que te cativou em recente memória?
É algo que está presente desde miúdo, porque os meus pais sempre me levaram a festivais folclóricos pois a minha mãe é da zona de Sernancelhe onde também tem muito a tradição dos ranchos folclóricos. Também conhecemos a Isabel Silvestre, lembro-me de a ver a cantar com as vozes de Manhouce… e também muito graças aos meus pais, acabei por ir a alguns festivais de músicas do mundo, o que me permitiu ter conhecimento de outros tipos de música folclórica de outros países para além da música tradicional portuguesa… foram experiências que sempre tive em mim guardadas. Depois mais tarde, acabei por me virar mais para o punk e para o indie, e agora, quase como um processo de reflexão, lembrei-me dessas minhas memórias de infância, e ao ouvir essas músicas, voltei a apaixonar-me outra vez!
Em termos de composição das faixas, o cruzamento dos aspetos mais tradicionais como os cânticos e os instrumentos como a flauta, a maraca e a cabaça, com a linguagem mais moderna do indie pop foi um processo mais desafiante ou mais orgânico, a teu ver?
Acho que o processo foi muito orgânico e fluido, pois sempre senti que eram dois mundos que se podiam interligar perfeitamente. Por exemplo, o indie acaba por ser mais arrastado, mais mellow, enquanto que o tradicional tem aquela vibe mais garrida, e fundir esses dois mundos acaba por ser bastante interessante. Sinto que não houve uma grande dificuldade em cruzar essas duas sonoridades, e que esse cruzamento seria algo que podia ser explorado e que acabou por fluir muito mais facilmente do que estava à espera.
Este projeto também tem tido muitas contribuições e influências de mulheres, artistas e não só, como evidenciado nos coros e nas letras de várias músicas. Imagino que isto seja devido ao impacto de teres crescido e vivido com fortes exemplos femininos dentro da família e do teu grupo de amigos?
Sim, exatamente! Sempre fui ligado à minha mãe, apesar das nossas divergências, como também o sou à minha irmã e às minhas avós. Senti que necessitava de fazer um canto em sua memória, uma homenagem a essas mulheres que estiveram e estão presentes na minha vida, e à força delas e o porquê de me continuarem a aturar (risos). E não só as mulheres da minha vida, mas as mulheres no geral, que continuam a lutar pelos seus direitos na sociedade em que vivemos… e é desse aspeto que pretendo falar, dos direitos da mulher no passado, presente e esperemos que no futuro, de modo a fazer uma abrangência histórica da evolução social levada a cabo nestes últimos anos. Aliás, tenho visto isso refletido tanto na minha mãe, como na minha irmã e nas minhas avós, nessas três gerações.
Para além das óbvias influências tradicionais, houve algum artista em especial que te influenciou a tentar a sorte neste registo?
Por acaso, quando comecei a pensar neste projeto, eu nem sequer me lembrei de pensar “olha, vou ouvir se calhar Fausto ou B Fachada” que são artistas que também pegam nesse aspeto mais tradicional. Foi simplesmente a intenção de querer buscar o cantar polifónico – tanto o português como o búlgaro – e as vozes da Geórgia que era algo que me fascinava, que tem para mim uma intensidade enorme. E foi assim que pensei “ok, eu quero pegar nestes cantares e juntar a progressão tradicional e depois aquele background mais punk/indie/alternativo que eu tenho”. Nunca pensei mesmo num artista em específico, mas obviamente que poderão haver comparações.
Outro aspeto é que durante a fase de composição e ensaios, estiveste em vários pontos das províncias beirãs. Assumo que foi para poderes captar a mística desses locais?
Eu criei o projeto em tempos de COVID, e uma grande plataforma que me ajudou a fazer uma boa recolha foi a Música Portuguesa a Gostar Dela Própria. Graças à MPAGDP, acabei por conhecer muitos ranchos folclóricos que cantavam na região da Beira. No entanto, já tinha alguma proximidade com o rancho folclórico das Arnas, de Sernancelhe, e também acabei por conhecer as vozes de Manhouce, os cantares de Manhouce. Foi uma boa recolha que fiz a partir dessa plataforma, que acabou por ajudar imenso.
Quais foram os principais desafios e dificuldades que sentiste naquela que foi a primeira vez a gravar um álbum em nome próprio desta dimensão?
Arranjar um espaço em que pudesse fazer uma boa captação dos instrumentos que tinha na minha visão para a música, arranjar músicos que estivessem disponíveis e interessados em colaborar nas gravações das melodias que desenhava para os seus instrumentos. Toda a organização por detrás da divulgação e design, ou seja, todos os contactos que tive de fazer para arranjar concertos, para arranjar um designer que criasse uma estética que eu sentisse que fizesse justiça ao projeto, a divulgação em imprensa. Essencialmente o que foi mais difícil neste álbum não foi tanto o aspeto musical e composicional mas mais o “pós” álbum, todos os processos que são necessários fazer para garantir que o álbum quando sair cá para fora será bem divulgado, bem apresentado e de uma forma que me dê orgulho.
Como referido anteriormente, tens tido a colaboração de grupos como As Vozes de Manhouce em músicas como o single “A Mulher Beirã”. Como tem sido a reação da comunidade folclórica a este projeto no geral? O intuito por detrás dele tem sido bem recebido?
Já tive a reação de algumas pessoas ligadas de certa forma aos ranchos folclóricos que adoraram o projeto e que acham que tem potencial. Mas também já houve reações que não foram tão positivas vindas dos ditos “velhos do Restelo”, que já têm alguma dificuldade a ouvir coisas novas. No entanto, 99% do feedback que eu tive de pessoas ligadas a essa área foi excelente, e essas pessoas gostaram imenso do que ouviram. As Vozes de Manhouce, com quem tive o prazer enorme de colaborar, também estavam super entusiasmadas com esta colaboração, e com a hipótese de haver mais oportunidades disso acontecer no futuro próximo.
Como achas que tem sido a atitude das gerações mais jovens perante a importância de conservar as tradições? Achas que poderia haver mais esforços para incentivar os mais novos a preservá-las?
Temo que sim… retirei muito essa impressão da escola. Quando fui ficando mais velho, fui começando a conhecer à parte artistas que exploravam este tipo de música. Até mesmo os ranchos folclóricos investiguei por autorrecriação, pois não é algo que se leciona na escola. Penso que essa parte cultural ainda está muito deslocada da educação portuguesa, e como resultado, uma minoria do público mais jovem acaba por conhecer esse segmento por si próprios. Acho que, mesmo que as pessoas acabem por não gostar da música popular portuguesa, seria sempre importante e enriquecedor o público ter conhecimento do que se tem feito, dos compositores que existem, e do progresso cultural que Portugal teve no geral ao longo dos anos.
Após o lançamento, qual será a próxima etapa para o Guilherme Marta? Uma tour nacional d’O Marta? Novidades acerca dos Bang Avenue?
Pronto, vou lançar o álbum [dia 11 de março] e já tenho algumas datas marcadas: já revelei uma tour em março e vou marcar também uns concertos em abril que estão em processo de finalização. Vou ter também umas datas mais para a frente no Verão, que também precisam de confirmação. Entretanto, estou constantemente a produzir e a compor… é algo que não consigo deixar de fazer. Se calhar este ano não será possível, mas provavelmente vou começar a compor algo que poderá ser lançado no próximo ano. Penso que algumas das músicas que deixei de lado, mas que têm potencial, poderão ser reaproveitadas para singles, b-sides, ou para um novo álbum. A minha ideia era passar em bastantes casas em Portugal, continuar a compor e a produzir. E com os Bang Avenue, a ideia é a mesma… estamos a pensar lançar novo single para o próximo registo que está para vir. Ainda estamos a ver as datas para o lançamento, mas será dentro da primeira metade do ano. Também começamos já a planear datas para concertos. Acho que vai ser um ano muito rico em espetáculos!