Chica em entrevista: “A vida não dá assim… eu não consigo estar por aí a fingir que está tudo bem, não quero salvar nada. Não estou satisfeita por andar nesta roda do dia-a-dia da treta.”

Chica em entrevista: “A vida não dá assim… eu não consigo estar por aí a fingir que está tudo bem, não quero salvar nada. Não estou satisfeita por andar nesta roda do dia-a-dia da treta.”

| Maio 23, 2022 12:40 pm

Chica em entrevista: “A vida não dá assim… eu não consigo estar por aí a fingir que está tudo bem, não quero salvar nada. Não estou satisfeita por andar nesta roda do dia-a-dia da treta.”

| Maio 23, 2022 12:40 pm

As dores de crescimento, as frustrações da vida adulta, o reclamar pelo direito à habitação, as entediantes burocracias e afazeres, os manifestos que não são encarados a sério e muitas outras experiências vividas entre o Minho rural e a metrópole de Lisboa pela artista Chica (Francisca Ribeiro) ao longo do seu EP de estreia ‘Cada Qual No Seu Buraco’.

Estivemos numa conversa à distância via videochamada com a compositora, canta-autora e guitarrista com o propósito de descodificar e saber mais acerca deste seu universo sem artifícios, empolgada por um profundo sentimento de sinceridade e consciência, onde aparentemente tudo é só aquilo que é.

O teu percurso musical já teve início há bastante tempo, nomeadamente começou perto da tua terra natal no Minho com os Malaboos e sabe-se também que tens andado a acompanhar a banda Vaiapraia enquanto guitarrista. Como surgiram essas oportunidades na tua vida? 

Tudo isto aconteceu conhecendo amigos de amigos, o Rodrigo (Vaiapraia) convidou-me para tocar com eles em 2019. Estive durante um ano com a banda, inclusive participei na gravação das guitarras do último disco deles, contudo saí no princípio de 2020 e apenas voltei recentemente para dar uns concertos com os Vaiapraia.

Podemos dizer que essa tua vontade em criar o teu próprio projeto a solo apareceu naturalmente a seguir? 

Sim, foi em 2020 que assumi que queria fazer algo para mim porque sempre toquei muito sozinha, mesmo desde a minha adolescência durante a minha passagem pelos Malaboos. Sempre senti essa necessidade de ter o meu espaço mais reservado, explorar os pedais de loops e compor coisas minhas. Em retrospetiva, todos os momentos que passei por estas diferentes bandas teve e ainda têm uma importância enorme no meu trabalho.

Visto seres proveniente do Minho, de que forma vês diferenças ou influências do mundo urbano que é Lisboa onde vives hoje comparativamente a esse ambiente do campo?

Ou seja, há sempre essa questão de cruzar o urbano com o campo. Já vivia em Lisboa talvez desde 2017, ainda antes de ingressar nos Vaiapraia e na altura não tinha noções nenhumas de expressão (risos). Aprendi muito com a energia deles, uma autêntica sensação de liberdade pessoal.

Relativamente ao teu EP de estreia ‘Cada Qual no Seu Buraco’, tinhas todas essas canções guardadas na gaveta? Como se desenrolou esse processo?

Até começar a agregar todas estas canções, ainda demorou algum tempo. Grande parte das composições eram frases soltas que ia escrevendo de vez em vez, acontecendo até misturar quadras de períodos de tempo completamente diferentes. Por exemplo, a música ‘Os Pratos Pesam Tanto’ é possivelmente a letra mais antiga e logo a seguir veio a ‘Brincar com o cão’.

Aliás, muitas das canções só ficaram fechadas depois de março de 2020, sendo o EP gravado em outubro. Mas tudo isto deveu-se ao facto de ter sido muito incentivada por amigos, começando a ganhar forma principalmente com a minha candidatura a um apoio da fundação GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas). Só a partir daí é que me obrigou a pensar nas coisas de uma maneira mais séria, não tinha sequer ainda uma ideia de conceito formulada para criar uma banda de apoio para o disco.

Criaste uma bela equipa à tua volta!!! Apostaste em alguns músicos da intensa cena lisboeta para se juntarem ao teu projeto, como ocorreu esse encontro?

Esta minha ligação aos Vaiapraia claramente aumentou a minha rede de contactos, fez-me conhecer o Luís Severo que ajudou e contribuiu na gravação e misturas do álbum. Contudo na questão de formar a banda foi um pouco às cegas, acabei por encher-me de coragem e convidei algum pessoal. Foi muito à toa, vinha-me um nome à cabeça, mandava mensagem a apresentar o projeto e tive a sorte dessas pessoas aceitarem fazer parte do projeto, e posteriormente tornarem-se a banda com quem ensaio.

Nota-se que tens uma veia ativista e reivindicativa muito presente na tua música onde abordas temas como os problemas da habitação e da precariedade, sobretudo logo no teu primeiro single “Brincar com o cão” que captou a atenção de muita gente e que curiosamente foi lançado numa época turbulenta com a vinda da pandemia. Qual foi a recetividade a esse teu primeiro trabalho?

Sim, a receptividade foi muito boa!!! Eu tinha voltado para os Arcos de Valdevez para a casa da minha mãe por causa da pandemia, estava a fumar cigarros com o meu PC a apanhar um sol de Agosto e subitamente recebi imensas mensagens a dizerem-me que tinham gostado muito dessa música. Obviamente, não tenho planeado nem pretendo falar diretamente sobre temas de política nas músicas, embora esse assunto esteja sempre presente na minha rotina. Acredito que as coisas precisam de serem ditas e sentidas mais de “estômago”.

A vida não dá assim… eu não consigo estar por aí a fingir que está tudo bem, não quero salvar nada, ou seja, não estou satisfeita por andar nesta roda do dia-a-dia da treta. Esta constante produção da “tua” renda não dá para ninguém, apercebo-me que está toda a gente chateada e uma pessoa perde-se num mundo que está a falhar, aumentando-se a culpa e a ansiedade, principalmente o pessoal da nossa geração, todos inseridos nesta moca numa tentativa de agarrar os últimos fios de um bom futuro. No entanto, estou num lugar de privilégio ao saber já aquilo que gosto, que é fazer música.

Na música “Chaves da Porta” com que terminas o EP, a parte final da letra chamou-me realmente à atenção com o coro de vozes a cantar “eu tenho amigos em todo o lado e sem eles eu não sou nada”. Esse sentido de falar sobre um coletivo ao invés da individualidade é algo com que te preocupas?

Lembro-me perfeitamente onde escrevi essa frase (risos). Foi numa viagem à Escócia que fiz com uma amiga, visto que eu nunca pago mais de 20€ por um voo (risos) e depois conheci umas raparigas muito fixes da Lituânia através do Couchsurfing e quando estávamos a levar a minha amiga à estação surgiu-me essa ideia para a letra ao sentir uma plena sensação de conforto com o desconhecido.

Porquê o nome ‘Cada Qual no Seu Buraco’ e qual o significado deste título para o álbum?

Foi escolhido até à última, na verdade esse excerto precedeu a maioria de todas as canções e serviu também como uma abordagem temática ao conceito do álbum, sendo literalmente cada qual no seu lugar, cada macaco no seu galho (risos)…

Como tem sido o feedback relativamente aos primeiros concertos da tour que anunciaste para os próximos meses? Quais são os planos para o futuro do projeto?

O primeiro concerto foi com banda na Casa da Cultura, em Setúbal, num espaço mais pequeno e logo a seguir estive em formato reduzido com o contra-baixista Bá Alvares em Coimbra no Café-Concerto do Convento de São Francisco. Estou muito entusiasmada para o concerto no Damas, em Lisboa, por ser a apresentação aqui na zona e por ser considerado um sítio especial.

Relativamente aos planos para o futuro quero experimentar e explorar mais coisas coletivas, tenho a ideia de aprofundar algo diferente com a guitarra, além de que gostava muito também de um dia fazer uma residência artística e de ir ao Brasil conhecer a absorver toda aquela cultura musical.

Fotografia: Catarina Branco

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