Antevisão: nas entrelinhas do NOS Primavera Sound

Antevisão: nas entrelinhas do NOS Primavera Sound

| Junho 6, 2022 9:00 am
um fenomeno chamado 100 gecs no nos primavera sound

Antevisão: nas entrelinhas do NOS Primavera Sound

| Junho 6, 2022 9:00 am

É já nos próximos dias 9, 10 e 11 de junho que o NOS Primavera Sound regressa ao Parque da Cidade do Porto, e a antecipação é evidente: primeiro pelo desejo de evasão, provocado por dois longos anos de pandemia; depois porque se trata de um dos primeiros grandes festivais no circuito da música ao vivo no pós pandemia.

Analisando as várias camadas que compõem o certame deste ano, é possível constatar que nos encontrámos perante a edição “blockbuster” do festival, fruto de dois anos de interregno forçado, com algumas trocas à mistura (Lana del Rey, Tyler, The Creator, FKA twigs, Weyes Blood e Japanese Breakfast são alguns dos nomes que se foram perdendo pelo meio) e que culminou num dos mais ambiciosos cartazes na história do evento, que este ano é encabeçado por Nick Cave & The Bad Seeds, Tame Impala, Beck, Interpol, Gorillaz e Pavement, a banda de culto norte-americana que regressa aos palcos depois de uma prolongada pausa de 12 anos.

Mas por entre as muitas linhas do cartaz escondem-se alguns dos mais interessantes valores da nova música pop, da luso-americana Sky Ferreira à britânica de origem japonesa Rina Sawayama ou os idiossincráticos 100 gecs, duo norte-americano que veio para minar qualquer tipo de convenções. Entre as figuras mais consolidadas, destaque para os regressos ao festival dos britânicos Slowdive e dos americanos Shellac, bem como as estreias dos conterrâneos Jawbox e da ex-Sonic Youth Kim Gordon, que se vai encontrar taco-a-taco com a poesia combativa de Little Simz e Earl Sweatshirt, as revoluções pós-brexit de Dry Cleaning, Squid e Black Midi, os ritmos maquinais de Eris Drew & Octo Octa, Aurora Halal e Avalon Emerson e uma nova e cada vez mais inclusiva frota indie comandada por Stella Donelly, Beach Bunny, Helado Negro e Penelope Isles. Pedro Mafama, Rita Vian, Nídia, David Bruno e Montanhas Azuis são alguns dos nomes que formam a luxuosa comitiva portuguesa desta edição.

Porque a lista é longa, e em jeito de antevisão, exploramos o “lado b” do cartaz a partir de cinco artistas que acreditámos que vão fazer mossa nos próximos tempos.

100 gecs

Quando 1000 gecs, a estreia dos norte-americanos 100 gecs em longa-duração, passou em revisão nas nossas páginas digitais, mal podíamos imaginar que, meros meses depois, a dupla de Laura Les e Dylan Brady se tornaria na cara de um novo e controverso movimento. A marca da hyperpop é hoje ubíqua e inevitável nos círculos da música pop, da mais comercial (Lady Gaga no seu Chromatica) à mais desalinhada (e Charli XCX tem aqui um importante contributo), e os 100 gecs são a sua voz mais impactante (e necessária).

Com uma produção maximalista, em tudo muito digital, e que deriva tanto das diatribes brostep de Skrillex como das mutações pop de SOPHIE ou AG Cook, os autores de “money machine” ergueram um novo tipo de canção onde cabem guturais, polirritmias, baixos pulsantes, texturas industriais ou até subterfúgios ska, num sem fim de referências que só poderia ter lugar no presente. O seu mais recente tema, intitulado “Doritos & Fritos” em homenagem ao malogrado MF DOOM, é um portento de pop frenética que pode muito bem ser a resposta de como o punk soará no futuro.

Caroline Polachek

Já a conhecíamos de outras aventuras, como as que encetou no início da última década ao lado de Patrick Wimberly, companheiro de crime nos extintos Chairlift, mas foi a solo, antes de se atrever em nome próprio, que a cantora e compositora norte-americana Caroline Polachek começou a descobrir a sua verdadeira voz: primeiro enquanto Ramona Lisa, numa modesta tentativa pela arte-pop de qualidades ambientais, e depois como CEP, onde explorou as texturas do drone e das eletrónicas mais progressivas. Mas algo parecia faltar. A resposta estava, de novo, na sua voz. É ela que mais brilha no seu álbum de estreia, Pang, alquimia pop do mais alto calibre, ancorada pela poesia ofegante da norte-americana, e que tem em Danny L Harle – um dos pilares da britânica PC Music – o seu maior arquiteto. 

A ligação a astros da pop moderna como Charli XCX ou Christine and the Queens ajudaram a reforçar a sua posição nos estratos mais elevados da esfera popular, mas podemos encontrar nas suas luminosas canções ora uma profunda ligação à sofisticação dos Prefab Sprout, de Paddy Mcaloon, ora à candura pop dos irlandeses The Corrs, cujo êxito de virar do século, “Breathless”, mereceu um novo tratamento por parte da artista. “Billions” é o seu mais recente tema, e a segunda amostra – depois da magnífica “Bunny is a Rider” – de um muito aguardado álbum por vir. 

Dry Cleaning

A abrir o último dia de festival surgem os Dry Cleaning. Uma das bandas-sensação do ano que passou, estes londrinos vieram juntar-se à excelente vaga de indie rock britânico com o seu aclamado disco de estreia, New Long Leg. A frontwoman da banda, Florence Shaw, possui um tipo de carisma algo desconcertante e pouco comum, que torna cada um dos lugares-comuns que debita a grande ritmo e num tom absolutamente inexpressivo em autênticas máximas sobre o mundo moderno. O principal encanto dos Dry Cleaning surge justamente da coexistência entre o cantar-falado de Shaw, cada vez mais recorrente no rock mas aqui “encenado” de uma forma bastante peculiar, e um som propulsivo e ritmado, que nunca chega a ser particularmente abrasivo e que quase soa veraneante e catchy, mesmo contendo pouco que se assemelhe a um refrão convencional. As guitarras estarão situadas num território intermédio entre os riffs angulares dos Wire e as Jaguars mais musculadas dos Sonic Youth, mas o estilo desconexo e vagabundo da escrita de Shaw e a sua performance esfíngica colocam os Dry Cleaning numa categoria deles próprios. Resta-nos perguntar: como é que tudo isto… funciona? A resposta pode bem estar às 5 da tarde de sábado, no Palco Cupra.

Jawbox

Uma guitarra ansiosa, um baixo tenso e pungente, uma cadência lenta mas nervosa e um refrão antémico com uma mensagem urgente. Não foi preciso muito para os norte-americanos Jawbox escreverem “Savory”, uma das melhores canções do pós-hardcore fabricado na década de 1990. A música, que data já de 1993, é a pedra basilar de For Your Own Special Sweetheart, marco incontornável do rock alternativo que elevou o grupo de Washington, DC ao estatuto de seminal. 

O caminho já havia sido trilhado em 1991, aquando do lançamento de Grippe, a estreia da banda em longa-duração, e aprimorado depois no seu sucessor, Novelty, em 1992, durante uma curta mas essencial incursão pela editora Dischord, de Jeff Nelson e Ian MacKaye, mas foi ao terceiro disco de estúdio que se reuniram todos os requisitos necessários para confecionar uma obra-prima combativa que tem na honestidade e na emoção as suas principais bandeiras.

Sky Ferreira

Sky Ferreira representa um caso peculiar. Com o seu primeiro e único álbum até à data, Night Time, My Time, a cantora e compositora luso-americana foi apontada como uma das mais promissoras vozes no universo da nova música pop. Mas o seu sucessor, Masoquism, anunciado pela primeira vez em 2015 e prometido desde então, foi de tal maneira adiado que se tornou – a par de Dear Tommy, o álbum que nunca chegou a ser dos extintos Chromatics – numa das mais mediáticas vinhetas da mitologia indie: até à data, o segundo álbum da autora de “Everything Is Embarassing” ainda não viu a luz do dia, mas são já conhecidos dois dos seus primeiros singles de avanço — “Downhill Lullaby”, uma toada orquestral em tons gótivos, e o mais recente “Don’t Forget”, lançado no passado mês de maio e que traz de volta a urgência emocional do seu primeiro álbum. 

O concerto de dia 9 – o segundo da artista em Portugal depois da estreia em 2013, também no festival Primavera Sound – vai ser uma das primeiras chances para escutar, em primeira mão, o que a cantora tem vindo a “cozinhar” ao longo dos últimos dez anos ( e dez anos é muito tempo), mas também uma oportunidade para assistir in loco ao desenvolvimento – pessoal e artístico – de uma figura que nunca escondeu a insegurança em palco.

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