NOS Primavera Sound: regressos que parecem a primeira vez

NOS Primavera Sound: regressos que parecem a primeira vez

| Junho 20, 2022 3:47 pm

NOS Primavera Sound: regressos que parecem a primeira vez

| Junho 20, 2022 3:47 pm

O desejo de evasão era visível no arranque da oitava edição do NOS Primavera Sound, a primeira desde 2019, depois de três anos de “pousio” provocados pela pandemia, e isso sentiu-se desde logo aos primeiros metros do evento, com os concertos consideravelmente cheios até nas horas mais antecipadas.  

Foi assim em Spellling, o projeto da cantora, teclista e compositora Chrystia Cabral, que se apresentou no palco Super Bock, no primeiro dia do evento, com a sua notável banda. A artista norte-americana, que ocupou o lugar da britânica Georgia no alinhamento, trouxe consigo o mais recente álbum The Turning Wheel, magnífica obra de pop barroca, com um subtexto eletrónico, contada em dois tomos conceptuais — um mais caloroso e sonhador, com fundações nos arranjos para cordas e sopros; outro mais frio e teatral, informado por tonalidades de recorte gótico — e que arrecadou nota máxima do famoso crítico norte-americano Anthony Fantano (e a inclusão de “Boys at School” no concerto de quinta-feira provou que a artista merece estar entre Kendrick Lamar, Lingua Ignota ou Death Grips no reservado grupo de estetas sonoros que conquistaram tal proeza).

Kim Gordon, que já atuou em Portugal nos mais diversos contextos — dos concertos com os lendários Sonic Youth, onde desempenhava funções de baixista, às aventuras com Bill Nace na dupla Body/Head—, apresentou-se, minutos depois, no palco Binance, situado ao cimo do recinto, naquela clareira verdejante por onde já passou alguma da mais desafiante música na história do festival. A artista norte-americana, que conta já 69 primaveras, trouxe consigo uma nova geração de músicos de sessão (um baterista, uma guitarrista e uma baixista, todos na casa dos 20 anos) para acompanhar o som militantemente vanguardista do seu novo álbum, No Home Record, o primeiro da artista a solo, percorrendo a totalidade dos temas que o compõem, da marcha electro-industrial de “Sketch Artist” ao hino anti-capitalista de “Air BnB”. 

“Paprika Pony” trouxe à tona as propriedades sónicas do hip hop e do trap, com graves subterrâneos que se embrenham na pele (Gordon nunca escondeu o amor que nutre pelos Public Enemy), demonstrando que a palavra “passado” não faz parte do seu novo vocabulário. “Blonde Red Head”, original dos históricos DNA, de Arto Lindsey e Ikue Mori, também não escapou ao alinhamento, que culminou em catarse, com cordas de guitarra a serem arrastadas pelo chão, ao som de “Grass Jeans”.

Numa órbita não muito distante da de Gordon, a luso-americana Sky Ferreira, que tal como a americana surge no cruzamento entre a pop e o ruído, perdeu uma ótima oportunidade de redenção depois de uma não muito sólida passagem pelo Porto, também no Primavera Sound, em 2013. Com um atraso de 20 minutos, a autora de “Everything is Embarassing” subiu ao palco para uma breve amostra de apenas seis músicas, passando por alguns dos temas que compõem o seu primeiro álbum, Night Time, My Time, de 2012, mas que não chegou para mostrar as novas “Downhill Lullaby” e “Don’t Forget”, que deverão fazer parte do seu prometido (mas altamente adiado) segundo álbum, Masoquism. 

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A performance, enferrujada pelo tempo considerável fora da estrada (o espetáculo no Porto representou apenas o segundo da artista desde o início da pandemia), teve algo de caótico, mas também foi impetuosa (e o brilho da artista de 29 anos ainda se faz sentir nos momentos de maior urgência), mas o concerto de Nick Cave, logo a seguir no palco NOS, obrigou Ferreira a encurtar forçosamente o seu alinhamento. Quem sabe se não será este o arquétipo feminino da estrela rock, tantas vezes romantizada na figura tortuosa e masculinizada de um artista em decadência. Talvez sob este prisma o concerto da americana não tenha representado uma rotunda desilusão.

Naquela que foi uma noite australiana (Tame Impala e Stella Donelly também atuaram), Nick Cave chamou ao palco a maior enchente da noite (35 mill pessoas deslocaram-se até ao Parque da Cidade do Porto no primeiro dia de festival) para mais um momento/concerto — o terceiro na versão portuguesa do Primavera Sound, depois das passagens em 2013 e 2018 — de dimensão messiânica. Com uma postura elétrica e em “modo Mick Jagger”, Cave e os seus Bad Seeds (que são, cada vez mais, Warren Ellis, violinista e mentor do grupo nos últimos vinte anos) apresentaram um alinhamento extenso (19 canções na totalidade, mais seis do quem em 2018) distribuído entre as baladas planantes de Ghosteen, de 2018, e a força telúrica do último Carnage, de 2021, sem descurar as canções que fizeram dos australianos um dos mais importantes grupos da cultura popular do último século. E nesse aspeto, não podíamos ter pedido melhor: “Get Ready for Love” abriu caminho com agitados apelos ao público, “From Her To Eternity” trouxe de volta a Berlim ignóbil de Wim Wenders, “Red Right Hand”, que ganhou nova vida com a inclusão na série Peaky Blinders, conquistou a maior ovação. Mas é no equilíbrio entre a tempestade do passado e a devoção do presente, que ganhou novos contornos com a recente perda do filho Jethro, há um mês, e do mais novo Arthur, em 2016, que se encontra a verdadeira força motriz do concerto, da missa, do exorcismo que é um espetáculo dos Bad Seeds ao vivo. 

Em “I Need You”, Cave suplica “just breathe, just breathe, just breathe, just breathe”, verso que vai sendo repetido, em jeito de exortação, ao longo do espetáculo. “Into My Arms”, já no encore, traz Cave, a solo, ao palco, só ele e um piano, e uma legião de convertidos a cantar em uníssono. “Vortex”, retirada do segundo volume de lados B e raridades, é dedicada “a toda a gente” e “Ghosteen Speaks” põe fim a mais um sublime ato coletivo de fé. Em setembro, a banda atua no festival Kalorama, em Lisboa.

Novamente no palco Binance, no encerramento do programa de concertos do primeiro dia, Caroline Polachek deu corpo às luminosas canções que compõem Pang, a estreia da cantora a norte-americana a solo e em nome próprio. Acompanhada de um guitarrista e de uma baterista, a voz dos Chairlift (que deram um dos seus últimos concertos na edição de 2018 do NOS Primavera Sound, antes de chegarem a um fim) percorreu com classe e mestria autênticos sismos de magnitude pop como “Ocean of Tears”, “Hit Me Where it Hurts” ou “So Hot You’re Hurting My Feelings” (e o público não tardou em entoar “show me the banana” a plenos pulmões), sem esquecer a magnífica versão de “Breathless”, original dos The Corrs, e as novíssimas “Bunny Is a Rider” e “Billions”, que levantam o véu ao segundo e muito aguardado álbum de Polachek. Nós já estamos a salivar.

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A virtude (e o futuro) está nos desalinhados

Tal como Polachek, Rina Sawayama representa, para uma certa porção do público, uma figura tão ou maior que o norte-americano Beck, por exemplo, que encabeçou o segundo dia do festival. A artista japonesa radicada em Londres assinalou a sua estreia em território nacional com uma poderosa performance no Palco Cupra, a horas pouco convidativas para um ato deste calibre, mas que não deixou de recolher uma quantidade considerável de convertidos, novos e antigos (o EP RINA, produzido por Clarence Clarity, data já de 2017). 

SAWAYAMA, a estreia da artista em longa-duração, foi o grande mote para um  espetáculo que contou com uma banda e duas dançarinas, que auxiliaram a autora de “XS” em momentos de dança cuidadosamente coreografados (as comparações a Dua Lipa, que havia atuado em Portugal semanas antes, foram inevitáveis). Mas a fórmula de Sawayama não é de todo óbvia: “Dynasty” inaugurou a performance com músculo nu-metal; “Comme Des Garçons (Like The Boys)” trouxe as linhas de baixo de Future Nostalgia; “Love Me 4 Me” inspirou um bonito momento de auto-motivação, e a artista não se inibiu nos elogios à eufórica plateia de pixels que a acompanhava, refrão a refrão, num bonito ato de comunhão queer (e o Mês do Orgulho LGBTQIA também não foi esquecido). Em setembro lançará o seu segundo álbum, Hold the Girl, e iremos seguramente ouvir falar mais dela.

Pouco mudou desde a última passagem dos Slowdive por Portugal: a formação continua a ser a mesma; o alinhamento permanece praticamente inalterado, abrindo ao som de “Slomo” e encerrando com a elegíaca versão de “Golden Hair”, de Syd Barret, e que os ingleses eternizaram em 1991; e preservam-se as profundas ligações às texturas, às atmosferas e à beleza das paredes de som, com a mesma elegância e volume de sempre. Mas há algo de encantador na música dos ingleses. As suas canções são intemporais e parecem escapar à passagem do tempo, e é possível verificar entre o tecido humano da plateia uma curiosa variedade de grupos que transcende gerações.

O mesmo se pode dizer dos Shellac, que atuavam mais acima, à mesma hora, no Palco Binance: a mesma formação (Steve Albini na voz e guitarra,  Todd Trainer na bateria e Bob Weston no baixo), as mesmas canções de sempre e o mesmo nervo, tenso e acutilante, que os firmou como uma das mais importantes instituições da música pós-hardcore (e já lá vão oito concertos em oito edições do NOS Primavera Sound!). A premissa, essa, também não mudou: celebrar, num ato de partilha coletiva, o amor pela música (e a possibilidade de a voltar a escutar ao vivo).  

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Archy Marshall, que há muito deixou de ser Zoo Kid para passar a ser King Krule, está mais velho, mais maduro e mais sombrio, e isso assenta-lhe bem. Longe estão as baladas embriagadas e os acordes descomprometidamente solarengos de Out Getting Ribs, a estreia do músico em longa-duração, ocupados agora pelas canções rasgadas, soturnas e elétricas dos últimos The Ooz, de 2017, e Man Alive!, de 2020, motes para um espetáculo de transição que em palco é amplificado por uma banda notável que encaixa baixo, guitarras, saxofone e bateria. Longa vida ao rei! 

1000 gecs, a estreia em longa-duração dos americanos 100 gecs, tem a capacidade de soar ao mesmo tempo fora e dentro do tempo, mas a verdade é que nunca poderia ter surgido noutro momento que não neste entusiasmaste presente. Como que um cometa em rota de colisão com a Terra, os magos da hyperpop, movimento que ganhou novos contornos por intermédio do Spotify, concentrou, minutos antes dos veteranos Pavement atuarem, um sem fim de géneros e referências em 45 alucinantes minutos de música por onde se escutaram devaneios ska (“stupid horse”), delírios brostep (“money machine”), guturais explosivos (“800db cloud”) e divagações emo para a geração Y2K (“hand crushed by a mallet”). De fora não podiam ficar também as novíssimas “mememe” e “Doritos & Fritos”, bem como um punhado cheio de novas canções que ainda não conheceram a sua versão oficial, mas que deverão estar presentes no sucessor 10000 gecs, agendado para sair algures neste ano. 

Um daqueles concertos antagónicos, que se adora ou se detesta, e que irá gerar certamente discussão nas semanas pós-festival, mas que ficará com certeza cravado no imaginário dos muitos que se atreveram a entrar no anfiteatro natural do palco Super Bock àquela hora. 

Já os Pavement, que eram um dos mais aguardados nomes desta edição, chegaram ao palco maior do NOS Primavera Sound com uma premissa semelhante à de Robert Polard, que passou pelo mesmo festival, em 2019, com os seus Guided By Voices: concentrar 30 anos de carreira (e dezenas de canções emblemáticas) no espaço de pouco mais de uma hora. E foi isso que fizeram, com sucesso. Sem grande espalhafatos, é certo, mas nunca o foi de outra maneira: desde o início que escrever grande canções com muito pouco é o grande trunfo dos americanos. O segredo está na atitude e nessa postura slacker aparentemente preguiçosa que nos deu hinos intemporais como “Gold Soundz”, “Stereo” e “Cut Your Hair”, que não podiam escapar ao alinhamento. 

Pérolas como “In the Mouth a Desert”, tocada pela primeira vez desde 2010, e “Fight This Generation”, do idiossincrático Wowee Zowee, de 1995, também não faltaram, tal como não faltou “Harness Your Hopes”, o mais recente e improvável sucesso da banda de Stephen Malkmus, catapultado em parte pelo algoritmo das plataformas de streaming. E é precisamente aqui, neste cruzamento entre o saudosismo e as novas ferramentas do presente (que têm vindo a beneficiar o importante legado do grupo) que se encontra o verdadeiro prazer de assistir a um concerto de Pavement (ou de qualquer outra banda cujo percurso atingiu o estatuto de culto): na oportunidade. Falámos, afinal, da estreia dos americanos em Portugal, num momento raro que não se deverá repetir tão cedo (a última reunião do grupo data de 2009, tendo já na altura interrompido um hiato de 10 anos) e que terá feito, com certeza, as delícias dos milhares de fãs que se deslocaram até ao Parque da Cidade para reviver a doce fragrância do bom velho rock alternativo dos 90s.

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Benditas sobreposições

Por vezes o risco compensa, e quem escolheu estar no palco Binance à mesma hora que atuavam os ingleses Gorillaz, que encabeçavam o terceiro e último dia do festival, não se terá arrependido. Muito pelo contrário: os Squid, um dos mais entusiasmantes grupos a sair da nova escola pós-punk do Reino Unido, assinaram uma das grandes surpresas desta edição, ainda que tenha sido experienciada por um reduzido número de pessoas, dada a afluência que se verificava no outro palco. Rock desenfreado, da escola dos Gang of Four, com um pendor para o funk e para os ritmos motorik (a influência dos Neu! também é notória), este fascinante septeto de Sussex, que tem no baterista-vocalista um dos mais carismáticos líderes do do novo rock britânico, conseguiu a proeza de equilibrar momentos de deriva vanguardista com desenfreadas investidas punk, ansiosas e beligerantes, e que encontraram em “Narrator”, cartão de visita do excelente Bright Green Field, o apogeu climático do concerto. Já merecem palcos maiores.

Quem também terá sofrido com a disposição dos horários terá sido Earl Sweatshirt, que foi “chutado” para o palco Binance, às duas da manhã, coincidindo assim com a reta final do espetáculo da banda de Damon Albarn. E foi ao som das seleções de Black Noi$e, um dos arquitetos da Tan Cressida (braço editorial de Sweatshirt) que tem acompanhado o rapper na estrada, que se deu o pontapé de arranque daquele do último evento no plano de concertos propriamente ditos do festival. 

Diante de uma pequena legião de convertidos, que se ia adensando à medida que o concerto ao lado se aproximava do fim, Sweatshirt trouxe ao palco uma carreira recheada de histórias, dor e lamentos, personificados na poesia de I Don’t Like Shit, I Don’t Go Outside, Some Rap Songs e o mais recente SICK!, entre outras obras de elevadíssimo calibre e que deram corpo a um alinhamento sóbrio e sem merdas, tal como o seu autor, que há muito deixou de ser um dos nados da Odd Future, essa crew que nos deu figuras tão valiosas como Frank Ocean ou Tyler, The Creator, para ser o mais discreto (mas necessário) pregador dos nossos tempos.

Antes, os britânicos Dry Cleaning apresentavam-se pela primeira vez em Portugal para provar o porquê de serem um dos casos sérios do velho mas revigorante jogo de guitarras de hoje. E basta uma guitarra (e um efusivo guitarrista) para cumprir essa premissa, com o charme e a atitude blasé que os distingue. Mas é na voz de Florence Shaw, vocalista do banda, e nas suas métricas imutáveis que se encontra o verdadeiro encanto deste quarteto de Londres, dotado de um rock letárgico mas rasgado, com uma linha de baixo certeira e um humor tão abstrato quanto sagaz e sarcástico (“Do everything and feel nothing”, cantava em “Scratchcard Lanyard”, cartão de visita para um muito aclamado New Long Leg que tem nas palavras do crítico Simon Reynolds o mais excitante disco de 2021). Nós assinamos por baixo.

O espetáculo audiovisual que Grimes apresentou no último dia do NOS Primavera Sound pode ser analisado nos modos semelhantes ao de um happening. Até à data, a cantora e produtora do Canadá só se havia apresentado uma vez em território nacional, no festival NOS Alive, um ano após o lançamento da sua obra mais imediata, Art Angels, de 2015. Entretanto, a autora de “Oblivion”, que tem em Visions um dos mais revolucionários testemunhos da pop do início da última década, editou Miss Anthropocene, o último trabalho da artista pela histórica 4AD, antes de se atrever no perigoso mundo das grandes discográficas (o seu sucessor, Book 1, é descrito como uma “ópera espacial” sobre uma AI sentiente, e deverá sair algures ainda em 2022). Mas os últimos anos não têm sido fáceis para Claire Boucher, nome verdadeiro de Grimes, que tem vindo a ser alvo de ferozes ataques por parte da comunidade artística, que critica a sua posição perante as novas tecnologias e os avanços das AI, mas também da opinião pública devido à sua ligação com Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX, com quem tem já dois filhos, e cuja relação deverá ter chegado a um fim (os mais recentes rumores afirmam que Grimes estará neste momento numa relação com Chelsea Manning, whistleblower do WikiLeaks).

A possibilidade de ver Grimes em palco, num registo fora do que nos acostumou nos últimos anos, em formato dj set, era de grande curiosidade, portanto, dada a sua raridade, mas também de algum receio. Afinal, as escolhas da canadiana nem sempre são as mais acertadas, e os impulsos de cruzar excertos de Enya (com todo o respeito para “Orinoco Flow”, que será para sempre uma das grandes canções desta vida), Radiohead ou Mariah Carey com as progressões do house e do trance podem ser, por vezes, desastrosos. Mais bem conseguida foi a inclusão de “Work It”, hino anti-machista de Marie Davidson que se infiltrou com estilo e elegância entre os desejos hedonistas de “We Appreciate Power” (na versão remisturada de BloodPop), “Shinigami Eyes”, bem como outros originais que abrem a página ao próximo trabalho de Grimes.

Mas foi de Little Simz, jovem rapperde Londres, o grande concerto da noite. Mais uma estreia em terras lusas, a muito aguardada vinda do novo astro do hip hop britânico aterrou como um evento de magnitude sísmica, tal foi o número de aplausos e ovações que se escutaram no palco Cupra (e os emojis das coroas não tardaram a chegar às histórias no Instagram). Com o novo Sometimes I Might Be Introvert, uma das grandes obras fabricadas em 2021, como pano de fundo, foi ao som de “Introvert” e da massiva secção de sopros que a introduz que se deu o início do alinhamento cuidadosamente pensado por Simbiatu “Simbi” Ajika, discorrendo com elegância sobre as canções que compõem a sua preciosa discografia — e os temas de GREY Area, como “Selfish” e “Offence”, também não foram esquecidos, acrescentando um ângulo mais leviano e moderno de música soul. Foi Little Simz, igual a si mesma, a brilhar, uma artista em pleno apogeu — criativo e comercial — perante uma nova plateia que parecia conhecê-la desde sempre. O regresso é já um desejo um desejo coletivo no nosso inconsciente.

De olhos postos no futuro, mas sem descurar os acontecimentos do passado (porque só assim é possível compreender o presente), os americanos Jawbox, instituição da música pós-hardcore dos 90s, apresentaram no Palco Binance aquele que pareceu ser o tesouro mais bem guardado desta edição (compreensível dado que à mesma hora tocavam os Interpol, de Paul Banks, no Palco NOS). 

Estávamos em 1997 quando a história do quarteto de Washington chegava a um fim, mas um renovado interesse na banda de J. Robbins, Kim Coletta, Zach Barocas e Bill Barbot, hoje substituído pelo guitarrista Brooks Harlan, deu origem a uma breve reunião em 2009, seguida de uma digressão nos Estados Unidos em 2019. Depois veio a pandemia. A data no Porto era de grande grande expectativa, portanto, já que se tratava da estreia do grupo em Portugal, e o que se verificou naquele palco, algumas horas depois dos Pile, que também vêm da esfera do hardcore, lá terem tocado, não foi coisa de somenos: uma performance musculada, imaculada do ponto de vista técnico, ainda que o avançar do tempo não tenha dado tréguas a alguns dos seus intervenientes (“deixei a voz no Primavera de Barcelona”, dizia-nos Robbins, vocalista), mas isso pouco importa quando a intenção vem do sítio certo. E a música dos Jawbox é honesta e apaixonada, e portanto apaixonante.

 

 

Fotografia: Carina Fernandes, Hugo Lima / NOS Primavera Sound

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