Vodafone Paredes de Coura: um festival em crescimento
Vodafone Paredes de Coura: um festival em crescimento
Vodafone Paredes de Coura: um festival em crescimento
Após dois anos de interrupção devido à pandemia do covid-19, o Vodafone Paredes de Coura voltou a levar milhares de pessoas ao “habitat natural da música” numa edição que foi anunciada pelo diretor João Carvalho como a mais cara de sempre. Foi também a edição com mais campistas, certa de 16 mil. Apesar do recinto ter condições para albergar todo o público, mesmo nos dias esgotados, este aumento do público torna evidente a necessidade de melhorar as infraestruturas e proporcionar melhores condições aos campistas. As zonas do campismo e do rio necessitam de maiores espaços para lavar a loiça e para casas de banho, para evitar grandes filas, e seria bom ter pequenas casas de banho e bebedouros espalhados pelas diversas zonas de campismo. Em muitos anos a acampar neste festival, nunca passei tanto tempo na vila para escapar à zona do campismo e do rio, que fica mais cheia a cada ano e tem cada vez menos espaço em zonas confortáveis, com relva e sombra. A estação de primeiros socorros também não pareceu dar a ajuda que devia, segundo relatos que ouvi, nos últimos dias do festival, nos quais eu e quase todas as pessoas que conheço lá presentes ficamos doentes. Com tanto tempo de preparação para esta edição, seria de esperar melhorias significativas que acompanhassem o aumento dos bilhetes vendidos. Espero voltar para o ano, mas provavelmente não será a acampar.
O campismo encheu cedo, suportado pelos dias de concertos na vila, um deles cancelado devido à chuva, ao passo que o recinto abriu entre os dias 16 e 20 de agosto, havendo mais um dia de concertos do que é habitual. O dia adicional, terça-feira, foi dedicado à música nacional e contou com 20 concertos, 10 em cada palco, sempre alternados, com no máximo breves sobreposições, como habitual neste festival. O recinto abriu logo às duas da tarde e os Lemon Lovers tiveram o prazer a responsabilidade de dar o primeiro concerto. Também tocaram cedo alguns nomes grandes, nomeadamente Noiserv e os recém-reunidos Pluto, de Manel Cruz e Peixe.
O primeiro concerto que me agradou neste dia foi o dos You Can’t Win, Charlie Brown. A banda tocou sem o guitarrista Pedro Branco, que partiu o joelho noutro festival, e sem realizar soundcheck, uma estreia na sua carreira, como anunciou o vocalista Afonso Cabral. Este voltou a subir ao mesmo palco como integrante da banda de Bruno Pernadas e também cantou uma música no palco principal, a convite de Moullinex. Os YCWCB fizeram algumas alterações à setlist em cima da hora, devido à ausência do guitarrista, e tocaram apenas uma música do seu novo álbum, Âmbar, cantado em português. Passaram um pouco por cada um dos seus discos e apresentaram algumas das minhas músicas favoritas, como “After December” e “Over the Sun / Under the Water”. Outro bom concerto foi o dos Mão Morta, liderados por Adolfo Luxúria Canibal, tão imperativo e intenso como sempre. A banda brilhou especialmente nos momentos de menor intensidade, construindo longas secções mais focadas em criar ambientes que eventualmente cresciam até explodirem em riffs pesados e poderosos.
Bruno Pernadas deu o concerto mais imperdível do dia. Não foi das suas melhores actuações e o som não estava perfeito, mas mesmo num dia menos bom, deu um dos melhores concertos do festival. Ouviram-se algumas das melhores faixas de Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them e Private Reasons e algumas, como “Ya Ya Breathe”, tiveram direito a novos arranjos. Um concerto muito divertido dado por uma das bandas mais talentosas do festival, sempre impressionante e extremamente competente.
Após esta incursão pelo jazz pop progressivo e psicadélico, houve uma dose dupla de hip hop. Sam the Kid, acompanhado por uma orquestra e pelos Orelha Negra, deu o concerto mais único e épico do dia. Apesar de alguns problemas de som na voz, que pareceram ser parcialmente corrigidos a meio do concerto, o rapper e produtor conquistou o público com muitas das suas músicas mais conhecidas e foi muito bem recebido. De seguida, no palco secundário, o Conjunto Corona fartou-se de interagir com o público, ofereceu shots de hidromel e presenteou os festivaleiros com o gangster rap mais PG-13 de Portugal. No fim introduziram algumas músicas do seu novo álbum, G de Gandim, cuja sonoridade reggaeton mudou completamente a atmosfera do concerto. Nesta altura mudei-me para o palco principal e assisti a parte do concerto de Moullinex. Em formato quarteto, com sintetizadores e ritmos dançáveis, apresentaram uma sonoridade algures entre o pop e a música de dança, não dominando nenhum dos dois universos.
Apesar desta variedade ao final da noite, a maior parte dos artistas convidados para o dia de abertura podem ser caracterizados por uma sonoridade rock, o que não é descabido neste festival, mas não representa realmente a música portuguesa actual. Gostaria de ver aqui uma maior variedade de géneros musicais, mais facetas da música nacional. Em vez de proporcionar uma espécie de best of da música independente e alternativa portuguesa, o alinhamento do dia incluiu alguns concertos menos bons por bandas que não têm tanto para oferecer tendo em conta o cartaz completo. Falo de concertos como o de Rapaz Ego, que, pelo que vi, podia ser a definição no dicionário do pop rock indie português. Um dos muitos artistas recentes que parecem inspirar-se muito em artistas como os Capitão Fausto e não desenvolver as influências para algo que soe realmente próprio e distinto. Também me desiludiu o trio de rock Twist Connection, cujo concerto só teve de memorável o volume do som que saía do palco principal. Foi, honestamente, um dos concertos mais altos a que assisti, e mesmo estando longe do palco com proteções auriculares, senti algum desconforto. O volume exagerado pareceu também ter consequências na qualidade de som, ouvindo-se algumas distorções na voz. Este não foi o standard no festival, mas não foi o único concerto onde o som estava estranhamente alto. Esta tendência para aumentar o volume não é boa para a saúde dos espetadores e não resolve os problemas de mistura que costumam surgir em festivais e que aconteceram frequentemente nesta edição.
O segundo dia, 17 de agosto, foi o que teve mais nomes grandes, contando com concertos de BADBADNOTGOOD, Idles e Beach House. Os primeiros subiram ao palco ao som de “War Pigs”, dos Black Sabbath, e iniciaram o concerto com “Signal From the Noise”, onde um ambiente sombrio, marcado pelo baixo distorcido, se aproximou, ao longo de alguns minutos, da sonoridade jazz que foram desenvolvendo ao longo da sua carreira. Na sua última passagem pelo festival tocaram várias das suas músicas mais conhecidas e exibiram uma forte inspiração no hip hop e na música electrónica, mas neste concerto, focado no disco Talk Memory, apresentaram um jazz de fusão mais tradicional, com alguns momentos mais virados para o rock. As músicas foram tocadas de forma contínua, ligando-se umas às outras, e os visuais projetados e manipulados ao vivo por Sylvain Chaussée, com película de 16mm e diversos projetores, tornaram o concerto particularmente atmosférico e coeso. Foi uma surpreendente experiência audiovisual durante a qual se destacou um solo de saxofone sem qualquer acompanhamento e alguns dos visuais mais abstratos, a fazer lembrar o cinema experimental de realizadores como Stan Brakhage.
Não tão comunicativos e brincalhões como nas suas vindas ao NOS Primavera Sound ou ao Hard Club, os Idles deram ainda assim um excelente concerto, muito energético e intenso, no qual tocaram tantas músicas dos seus dois primeiros álbuns como dos dois últimos. A audiência, em êxtase e incentivada pelo vocalista Joe Talbot, soltou toda a sua energia e abriu enormes mosh pits. Chegado o fim da atuação ficou só a vontade de ouvir mais. Mesmo não sendo o melhor concerto que vi de Idles, foi provavelmente o meu favorito do festival.
Últimos da noite a atuar no palco principal, os Beach House, acompanhados pelo baterista James Barone, apresentaram o seu novo álbum Once Twice Melody num concerto que, infelizmente, não me conquistou. Pela setlist, por ser uma banda que vi muitas vezes, ou por tocarem após concertos mais agitados, nunca consegui entrar no estado de espírito ideal para apreciar o concerto. A banda demonstrou-se feliz por voltar ao festival e desta vez começou o concerto a horas e sem percalços, as luzes combinavam perfeitamente e os músicas estiveram bem, mas Victoria Legrand não tinha a voz em perfeito estado e as músicas nunca soaram tão bem como nas versões de estúdio.
No mesmo dia, os Porridge Radio deram um concerto banal, mas Alex G esteve melhor. Após tocar várias das suas canções indie rock/folk, anunciou ter aprendido músicas em português e mudou-se da guitarra para o teclado. Enquanto a audiência esperava ouvir algum cover familiar, o artista tocou apressadamente algumas músicas mais pesadas e intensas, com vocais gritantes, antes de voltar ao ritmo mais calmo do resto do concerto. Os suecos Viagra Boys fecharam a noite no recinto, transformando o palco secundário num autêntico dancefloor punk, fazendo o público dançar e saltar ao som de músicas como “Ain’t No Thief”, “Slow Learner”, ou a mais popular “Sports”.
Fotografia: Hugo Lima