Amplifest 2022: de Brutus a Lingua Ignota, seis concertos imperdíveis da mais ambiciosa edição de sempre

Amplifest 2022: de Brutus a Lingua Ignota, seis concertos imperdíveis da mais ambiciosa edição de sempre

| Outubro 3, 2022 8:00 am

Amplifest 2022: de Brutus a Lingua Ignota, seis concertos imperdíveis da mais ambiciosa edição de sempre

| Outubro 3, 2022 8:00 am

É já no próximo dia 7 de outubro que o Amplifest regressa às instalações do Hard Club, situado no antigo Mercado Ferreira Borges, no Porto, para a sua oitava edição, a primeira desde 2019 (!) e a mais ambiciosa do evento organizado pela promotora Amplificasom até à data — uma dupla experiência repartida em dois fins de semana de três dias (o primeiro decorre entre os dias 7 a 9 de outubro, o segundo de 13 a 15 de outubro) e um programa redobrado de concertos, filmes, conversas e exibições.

Mais uma vez, a premissa passa por proporcionar ao público uma experiência, mais do que um festival, com um roteiro arrojado que não se cinge a uma estética única, propondo antes um diálogo heterogéneo entre tradição e modernidade, peso e experimentalismo, nomes consolidados e valores emergentes — presente e futuro unidos num transformador ato de fé. 

No primeiro fim de semana, temos um certame indubitavelmente arriscado, com algumas novidades (os veteranos Dälek são uma agradável surpresa) e umas quantas estreias, da norte-americana Midwife aos compatriotas Birds in Row, os espanhóis Tenue e os canadianos Vile Creature, bem como os regressos de Amenra, Pallbearer e Cult of Luna. No segundo, encontrámos alguns dos mais importantes atos da atualidade, como é o caso dos canadianos Godspeed You! Black Emperor ou do austríaco Fennesz, caras conhecidas do festival (Anna von Hausswolff, Deafheaven, Aaron Turner) e mais estreias ainda (Cave In, Spectral Wound, Envy, Lingua Ignota).

Em jeito de antevisão, e já a contar os dias para o reencontro, debruçamo-nos sobre a vida e a obra de alguns dos artistas que considerámos indispensáveis nesta edição.

Brutus

 

A banda belga Brutus tem causado um burburinho intenso ao longo da última década, burburinho esse que começou a compensar a sério com o lançamento do primeiro álbum, Burst, em 2017. E não é para menos: os Brutus são donos de um post-hardcore igualmente enérgico e atmosférico que cativa em grande parte por causa do poderio sonoro cuja timoneira é a vocalista e baterista Stefanie Mannaerts. A banda tem novo álbum – Unison Life pela editora Sargent Horse – a ser lançado em Outubro, e os seus singles “Dust” e “Liar” servirão como inclusões eficazes num repertório que incluirá outras canções de álbuns anteriores como “All Along” e “War”, num concerto que promete trazer as emoções à flor da pele.

Dälek

 

O grupo veterano do hip-hop experimental vai ser mais um dos que irão integrar o cartaz de dia 8, trazendo ao palco uma performance cinética que não deixará ninguém indiferente. Desde 1998 que o grupo seminal de Nova Jérsia tem afinado uma sonoridade que cruza a atitude frontal do hip-hop com estilos inesperados como o industrial mais gélido ou o shoegaze mais dissonante, resultando numa mistura que tem tanto de letárgico e atmosférico como de explosivo e hostil, que serve de linha condutora para várias faixas com observações pessimistas e críticas do foro sociopolítico. Essa sonoridade arrojada deu azo a vários discos, entre eles From Filthy Tongues of Gods and Griots (2002), Absence (2005) e mais recentemente Precipice (2022), cada álbum distinto um do outro mas com cunho muito próprio dos Dälek.

Oranssi Pazuzu

 

Os finlandeses Oranssi Pazuzu são uma interessante anomalia no panorama atual da música pesada, muito devido ao uso de ambientes psicadélicos intensos e hipnóticos e progressões desafiantes e etéreas, cruzados com algum do black metal nórdico mais cru e cortante que o género tem visto em recentes anos. Tudo culmina numa experimentação incrivelmente cativante e intrigante mesmo dentro dos moldes da música pesada da última década. Os cenários de constante inquietação e alucinação pintados pela banda em álbuns como Värähtelijä ou o mais recente Mestarin kynsi irão certamente ser o contexto perfeito para a ofensiva sónica que irá tomar lugar no segundo dia do evento.

Fennesz

 

Na crítica que Mark Richardson assinava a Agora, o sétimo e mais recente trabalho de Christian Fennesz, o ex-editor da Pitchfork apontava o novo romantismo pop que se seguiu aos Roxy Music durante a década de 80 como o “mais forte antecedente estético” do guitarrista e produtor austríaco. A sua música, que se encontra entre os ritmos maquinais do techno, a força insustentável do drone e as discrepâncias do glitch, é detentora de uma preocupação com a melodia que o distingue dos seus pares na chamada computer music, cuja base, apoiada na música do malogrado Peter “Pita” Rehberg, esteve na fundação da editora Mego, com quem Fennesz estabeleceu um importante elo de ligação. Talvez por isso, as colaborações com o britânico David Sylvian, o mais romântico dos românticos, líder dos Japan e autor singular por excelência, não sejam assim tão descabidas, tendo resultado em dois dos mais belos exemplos da pop vanguardista: “A Fire in the Forest”, o primeiro e improvável encontro em 2003, e “Transit”, canção-maior de Venice, que Fennesz publicou em 2004 para grande aclamação.

Anna von Hausswolff

 

“Liberdade, Fraternidade e Igualdade”. Foi assim sob o signo destas palavras que se derrubaram os pilares absolutistas que povoavam a monarquia francesa do século XVIII, com os princípios basilares que guiam os valores da democracia até aos dias de hoje. A 7 de dezembro de 2021, numa pequena igreja em Nantes, situada nessa mesma França que outrora clamava palavras de ordem, um grupo de radicais intolerantes impediu a cantora-compositora Anna von Hausswolff de apresentar um espetáculo para voz e orgão de tubos, sob a premissa da artista produzir música satânica. O protesto, despoletado por um artigo publicado nas páginas digitais do Riposte Catholique (“mais uma missa negra do que música para igreja”, lia-se na hilariante resenha da publicação românico-católica), foi o primeiro de dois atentados à liberdade de expressão durante a digressão de All Thoughts Fly, tratado de devoção espiritual, de reinvenção metálica e de subversão gótica publicado em 2021 sob a cinta da Southern Lord, de Greg Anderson, e o mote para o muito antecipado regresso da artista de Gotemburgo ao festival que a acolheu pela primeira vez em 2016.

Lingua Ignota

 

Marcada por efemérides é também a história de Kristin Hayter, isto é, Lingua Ignota (latim para “idioma desconhecido”), mas o percurso da autora de Sinner Get Ready é acima de tudo um de superação. Hayter, vítima de múltiplos abusos sexuais (um dos seus agressores, revelado recentemente num compreensivo comunicado, é Alexis Marshall, vocalista dos noise-rockers Daughters), usa o trauma e a dor que guarda enquanto sobrevivente como combustíveis para um corpo balístico da canções que têm tanto de profano quanto de sagrado e devocional, num misto operático que combina ruído com minimalismos clássicos, diatribes industriais, mitologia folk e uma manifesta urgência emocional.

Fotografia: Lisa Birds

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