Rita Silva em entrevista: “A imprevisibilidade descreve bem o que faço”
Rita Silva em entrevista: “A imprevisibilidade descreve bem o que faço”
Rita Silva em entrevista: “A imprevisibilidade descreve bem o que faço”
Rita Silva é uma compositora e instrumentista com um percurso assente na improvisação à base de sintetizadores modulares e técnicas de programação generativa. Studies Vol. I foi o seu primeiro registo em nome próprio, editado no ano transato, e aproximou-a de propulsoras como Suzanne Ciani, Laurie Spigel ou Delia Derbyshire, numa perspectiva mais académica de composição.
Recentemente a artista juntou-se ao Colectivo Casa Amarela, por onde vai lançar na próxima sexta-feira (14 de outubro) um novo álbum, The Inflationary Epoch. Com uma abordagem mais determinada e plena de intenção, Rita Silva inspirou-se desta vez nas obras de Caterina Barbieri e Jessica Ekomane e refinou “cascatas de arpégios num fluxo fractal que se vai mutando de forma hipnótica e algo alucinatória, num cosmos psicoacústico”, como se pode ler nas notas que acompanham o lançamento.
Trocámos no início da semana umas breves impressões com a artista acerca do seu mais recente registo de estúdio, a metodologia que a guia e o concerto de apresentação na Galeria Zé dos Bois, entre outros assuntos.Pelo que que conseguimos apurar, o teu percurso musical iniciou-se a solo com The Last Departure, centrado no ambient e na experimentação instrumental. Seguiram-se os estudos em Música Electrónica, em Castelo Branco, onde conheceste o Henrique Monteiro e o teu projeto passou a duo. Atualmente estudas no Institute of Sonology, nos Países Baixos, e decidiste assumir-te artisticamente com o teu nome próprio. O que te levou a tomar essa decisão?
The Last Departure nasceu durante a pandemia, em 2020, numa fase em que estava a mudar de área para música. Foi durante essa altura que comecei a estudar Música Electrónica em Castelo Branco. Aí conheci o Henrique, e decidimos arriscar numa vertente mais pop para o re_encounters e ver no que dava. Como estava cada vez mais ligada ao universo académico da música electrónica experimental, e ao pioneirismo da mesma, desliguei-me de The Last Departure e decidi focar-me no meu projeto a solo que refletisse a minha identidade, daí usar o meu nome, Rita Silva. A mudança para os Países Baixos fez todo o sentido para mim, o Institute of Sonology é um marco histórico da música electrónica, passaram por cá grandes compositores, foi um sonho tornado realidade estudar cá. Penso que este disco reflete um pouco toda esta mudança em tão pouco tempo. Vou sentindo cada vez mais a necessidade de extrapolar cá para fora o que me vai na cabeça.
Para uma artista que se foca essencialmente na improvisação com sintetizadores modulares e técnicas generativas de programação, como descreverias em poucas palavras a tua sonoridade?
É uma pergunta difícil, mas diria que a imprevisibilidade descreve bem o que faço. Não gosto muito de rotinas, repetir as mesmas coisas, então, todas as vezes que toco alguma música minha, muito dificilmente (ou impossivelmente) vai soar ao mesmo. Há sempre micro-alterações na sonoridade e eu gosto disso. Todas as performances são experiências únicas. Acho que num mundo onde tudo é “fast” qualquer coisa, isto é meio poético. Uma reinvenção constante, fruto da imprevisibilidade do meu processo.
Podes explicar-nos o conceito por detrás de The Inflationary Epoch e a mensagem que pretendes transmitir?
Há um disco por detrás da inspiração para este título, The Expanding Universe, da Laurie Spiegel. Não digo que o oiça todos os dias, mas quase. A Spiegel tem uma peça dela que ainda anda por aí a pairar no espaço. É a minha maior heroína, e bastante underrated na minha opinião. The Inflationary Epoch é o nome de uma teoria que descreve como o Universo se expandiu exponencialmente durante os primeiros tempos. Todo o disco vai estar relacionado com este tópico, abordando um início, um período expansivo e um fim. Mas no fundo é uma espécie de analogia ao meu processo compositivo. Eu adoro jogar com padrões melódicos, que ora vão crescendo, ora se destroem e ficam reduzidos a uma ou duas notas musicais. E elas vão-se transformando, resultando em novos padrões. Há sempre alguma coisa que as une, mesmo que a “olho nu” não pareça haver grande relação.
És a mais recente adição do catálogo da CCA. Como é que se deu essa ligação?
Foi engraçado, conheci o Bruno e a Mafalda no primeiro concerto que dei a solo em Lisboa, na Cosmos. A partir daí fomos falando, e passado uns meses surgiu o convite da CCA para ir tocar ao JEJUM nas Gaivotas. Depois, veio o convite para dar um workshop de síntese modular no MadeiraDIG City Sessions no verão, e algures pelo caminho eu soube que queria que o meu próximo disco fosse editado por eles. Fazem um trabalho incrível, e são meus amigos. Acho que não há melhor combo possível.
Na press release que nos foi disponibilizada mencionas pioneiras como Suzanne Ciani, Laurie Spigel, Delia Derbyshire, Caterina Barbieri ou Jessica Ekomane. No contingente nacional há alguém que gostarias de destacar?
Há, a Clothilde! Até há alguns anos era a única portuguesa que eu conhecia que tocava com um sistema modular e foi uma grande influência para mim. É praticamente pioneira do género em Portugal. Tive o prazer de conhecer a Sofia num dos meus concertos e ainda fiquei mais fã dela, se é que isso é possível. Se não me focar só no feminino, diria André Gonçalves, Luís Fernandes e Nuno Canavarro.
Vais apresentar o teu novo disco na ZDB no próximo sábado (15 de outubro) no meio de amigos, numa noite dedicada à CCA. O que podemos esperar e, já agora, que planos tens para o futuro do projeto?
É também o meu aniversário, o que torna a data particularmente festiva e agradável de se partilhar com amigos e desconhecidos. Eu nunca sei o que se pode esperar, por isso não posso prometer nada, mas haverá “imprevisibilidade”. Tudo pode acontecer. O plano é tocar músicas do disco, mas com algumas alterações, fruto do processo do improviso.
Para já ainda não tenho grandes planos, quero muito tocar ao vivo, chegar a mais pessoas. Espero que as pessoas gostem do que faço e vou viver o momento. Se o feedback for positivo, vou continuar a explorar os “acidentes felizes” e o “caos organizado” da música electrónica improvisada.