DJ 420@ôa em entrevista: “Este disco tem um espírito assim meio veranil mas nostálgico”

DJ 420@ôa em entrevista: “Este disco tem um espírito assim meio veranil mas nostálgico”

| Dezembro 29, 2022 9:00 am

DJ 420@ôa em entrevista: “Este disco tem um espírito assim meio veranil mas nostálgico”

| Dezembro 29, 2022 9:00 am

DJ 420@ôa (leia-se DJ four-twenty à toa) é o pseudónimo artístico de Miguel Alves, produtor lisboeta e cofundador da Coletivo Lenha, que abrange diversas artes, desde a música eletrónica ao design.

O último lançamento de DJ 420@ôa, Tinto Verano, chegou no passado dia 28 de novembro, sob a alça da Alienação Records, editora chefiada pelo DJ alentejano João Melgueira, tendo estreado no nosso site nesse mesmo dia. Descrito como “uma sonoridade acidamente frenética, complementada com um bass à la techno”, existindo também “um certo sentimento de nostalgia late 2000’s a pairar pelas canções, executada a partir de samples de Nelly FurtadoUnderdog Project e do videojogo Need For Speed: Most Wanted“, o disco contém também quatro remixes de quatro artistas diferentes: BleidEcstasyaPhaserVTF.

Conversámos um pouco com o DJ 420@ôa, via online, no passado dia 26 de novembro. Falámos acerca do que o fez apaixonar-se pela música eletrónica, o caminho da sua carreira que culminou, até agora, no lançamento do disco Tinto Verano, e acerca das origens e do propósito da Coletivo Lenha.

Como é que começou a tua paixão pela música?
DJ 420@ôa – Sinceramente, nem sei muito bem. Acho que foi por causa da minha família, em geral. A minha mãe, por exemplo, sempre colecionou discos e mostrava-me bué música antiga, tipo clássicos do rock e assim. Além disso, o meu tio era DJ, apesar de ser algo que eu não ligava muito em puto. Só comecei a perceber mais tarde (quando eu já fazia música) que o tipo de som que ele passava era parecido com o que eu passo como DJ e que produzo enquanto músico.

Consideras que a tua família, além de ter sido uma influência para te apaixonares por música, também te inspirou para começares a fazê-la tu próprio?
DJ 420@ôa – Epá, a minha grande inspiração para começar a produzir foi mais um amigo meu que fazia música com a qual eu ficava bué: “wow, incrível!”, estás a ver? O meu tio talvez me tenha inspirado, mas de uma forma mais subconsciente porque, apesar de ele me ter mostrado e falado de bué cenas quando eu era puto, eu não dava lá grande valor. Mas já tinha ouvido música eletrónica, então se calhar inspirou-me subconscientemente, também.

O que é que costumavas ouvir antes de começar a explorar música eletrónica?
DJ 420@ôa – Quando eu era puto, não dava assim grande valor à música. Ya, eu curtia ouvir uns sons e dançar, mas não prestava grande atenção às cenas que ouvia.
O primeiro estilo de música com o qual comecei mesmo a identificar-me foi o hip-hop. Isto por causa do meu primo: ele mostrava-me bué cenas e introduziu-me bué ao género. Fez-me prestar mais atenção às letras, aos beats e às transições entre as músicas. Aliás, foi daí que começou a surgir a cena de querer ser DJ.

O teu último lançamento, Tinto Verano, foi lançado no passado dia 28 de novembro, sob a alçada da Alienação Records. Como é que o descreverias, musicalmente?
DJ 420@ôa – Pá, eu descreveria-o como uma vibe eurodance-trance-techno-nineties-atual. Além disso, este disco tem um espírito assim meio veranil mas nostálgico, tipo como ser um jovem dos nineties. Se pusesses estas músicas num verão dos anos 90 para 2000, acho que encaixariam perfeitamente.

Tendo em conta que encaixa tão bem com o espírito de verão, porque não lançar o Tinto Verano por essa altura?
DJ 420@ôa – Isso foi mais uma questão técnica, até porque eu tinha acabado de lançar um álbum [ACID waterly landscapes, lançado a 21 de julho com o selo da Coletivo Lenha]. Enfim, não dava muito jeito, mas eu até curtia de ter lançado o Tinto Verano durante o verão, já que a maior parte desse EP foi pensado e concebido durante o verão. Teria tido uma vibe mais summer heat. Agora, por outro lado, até gosto que só tenha sido lançado agora, porque dá uma certa nostalgia de verão.

O que achas que distingue o Tinto Verano de todos os outros trabalhos que tens feito ao longo dos últimos quatro anos enquanto produtor?
DJ 420@ôa – Olha, eu noto que o meu trabalho enquanto producer está a ficar cada vez melhor: tanto em termos de mixes como o trabalho de cada sample. A sonoridade em geral está muito melhor, na minha opinião.
Eu sempre fui muito autodidata, e vou aprendendo cada vez mais. Por isso, noto bastantes evoluções na música que faço agora, comparadamente à que fazia – digamos – na altura do meu primeiro álbum [Fantasia]. Além do Tinto Verano, um dos exemplos dessa evolução é o Bootlegs @ôa, que lancei pela Coletivo Lenha.
Não sei, sinto que estou tecnicamente muito melhor e que estou a começar a chegar a um estilo mais próprio meu, o que é fixe.

Tendo em conta que agora te sentes um artista mais experiente, já pensaste em revisitar e recriar músicas antigas, como “bubble bursting” ou “a feeling of leisure”?
DJ 420@ôa – Eu já recriei uma, o “The Acid Dealer is Dry”. Originalmente, era uma daquelas músicas que eu punha no Soundcloud sem pensar muito, mas eventualmente acabei por pô-la no Fantasia. Mas seria giro em pegar em outras músicas antigas. Aliás, é engraçado que fales no “bubble bursting”, porque foi uma música que fiz para uma cadeira de faculdade e com a qual eu curti bué de mexer porque é assim meio glitchy e bué estranha.

O Tinto Verano consiste em oito faixas: quatro delas originais tuas, e a outra metade são de remixes de artistas diferentes. Como é que te sentes em ver o teu trabalho reinventado por diversos músicos de formas tão distintas?
DJ 420@ôa – Foi mesmo incrível. Primeiro, porque eu não tinha uma grande expectativa que todos os artistas fossem aceitar o convite de fazer a remix, até porque são artistas que já têm nome cá (alguns deles até lá fora, inclusive). Mas fiquei mesmo feliz. Eu já acompanho o trabalho da Bleid e da Ecstasya há bué tempo: sempre as admirei bué, por isso fiquei bué feliz não só por terem aceite o desafio como também pelos resultados obtidos. Aliás, todas as remixes neste EP estão incríveis, cada um tem a cena de cada um e nota-se ali a marca de cada artista ali estampada. Eu tenho ouvido os remixes quase todos os dias [risos], porque curto mesmo bué deles. Estão mesmo incríveis e não alterava nada.

Mudando agora um bocadinho o rumo da conversa: tu cofundaste em 2018 o Coletivo Lenha. Fala-nos um pouco desse projeto: como começou e qual o seu manifesto?
DJ 420@ôa – O Coletivo Lenha começou quando a Associação de Estudantes de Belas Artes [da Universidade de Lisboa] desafiou os alunos a criarem núcleos ligados a várias coisas. Eles até tinham um cartaz que dizia algo do tipo: “criem núcleos de estudos bíblicos, de jogos de tabuleiro, de techno” e mais umas quantas cenas. Então, eu e uns amigos decidimos criar um núcleo de techno, pela piada. À primeira, chamava-se “Núcleo de techno”, depois foi mudado para “Núcleo Lenha”. O nome “Lenha” veio de um amigo meu, o Rui (também ele cofundador), por ser uma expressão dele. Nós íamos a bués festas e tal, e quando a música estava assim mais morta, ele tinha o hábito de gritar: “mete lenha nisso!”.
Mas ya, com o tempo começámos a levar a cena mais a sério. Usámos o Lenha para arranjar sítios para tocar e criar parcerias com a AE de Belas Artes.
Eventualmente, decidimos desvincular-nos da faculdade porque inevitavelmente iríamos todos, mais cedo ou mais tarde, acabar os estudos e queríamos continuar com aquele projeto. Então, saímos da AE e passámos a ser o “Coletivo Lenha”. No entanto, continuámos a trabalhar com a AE de Belas Artes, mas agora tínhamos mais liberdade para criar festas nossas. Tornámo-nos numa cena independente. Em 2019, a Coletivo Lenha passou a ser também uma label, e começámos a fazer compilações V/A [Various/Artists], e também lançávamos os nossos projetos a solo lá.
Basicamente, é um grupo de amigos que faz festas e quer divertir-se. Queremos conhecer malta e trabalhar com outras pessoas que vamos conhecendo. É a nossa plataforma, onde podemos fazer a nossa cena sem agradar a ninguém.

O Coletivo Lenha foi onde todos os teus EP’s e álbuns foram lançados, exceto o Tinto Verano, que foi lançado na Alienação.
DJ 420@ôa – Exatamente. Também lancei alguns singles de forma independente no Soundcloud, mas cenas assim maiores – como EP’s e álbuns – têm sido sempre através do Coletivo Lenha.
A forma como comecei a colaborar com o João Melgueira [editor-chefe e fundador da Alienação] é uma história fixe, por acaso. Eu já conheço há bastante por causa das festas que ele fazia com a Alienação, em Lisboa. Eram festas fixes, por acaso.
A minha namorada da altura conhecia o Melgueira e trabalhava nas festas da Alienação, a fazer porta. Por isso, eu também acabei por trabalhar lá, também na porta. E ya, depois disso continuámos a manter contacto.
Entretanto, eu já tinha criado a Lenha, e ele, pronto, tinha a sua cena. Ainda chegámos a falar – mesmo antes do início da pandemia – em fazer uma festa em conjunto entre a Lenha e a Alienação, mas depois meteu-se o Covid e tornou-se completamente impossível fazer-se festas durante algum tempo. Mais tarde, ele convidou-me para tocar nas festas do Química, em Beja, que ele organiza com o Vitor Domingos. Depois também me convidaram para tocar em Lisboa, na mesma noite que a Ecstasya.
Mais tarde, o Melgueira ligou-me e convidou-me para lançar algo pela Alienação. Eu mandei-lhe uns demos na altura, e assim foi. Um dos demos que eu lhe mandei, o “Late Afternoon Drink”, já tinha sido feito no ano passado, mas achei que ficaria bem no EP e acabei por incluí-lo. Tive foi de a alongar, porque só tinha coisa de um minuto.

A tua música é muitas vezes complementada pelo uso de samples, e de uma forma bastante assumida, até.
DJ 420@ôa – Sim. Primeiramente, por causa da minha falta de musical skill. Eu não tenho qualquer formação musical: aquilo que eu tenho aprendido vem quase tudo do facto de eu ser autodidata, com muita, mas muita, tentativa-erro.
Além disso, os samples são uma forma de facilitar a cena, no sentido em que vou buscar algo que já está assim meio trabalhado, mas que precisa de ser um pouco reconfigurado. Eu utilizo bués samples de breaks porque torna o processo mais rápido, sendo também muito mais intuitivo. Uso também bastantes samples de voz não só porque eu não tenho uma grande voz, mas porque dá um lado mais humano às minhas músicas, e passa a ser mais fácil chegar ao público e fazê-lo dançar e cantar.

Continuando na onda dos samples, nota-se que dão uma grande ênfase ao conceito de nostalgia. O que te faz prender tanto a nostalgia à música?
DJ 420@ôa – Se calhar a vontade de transmitir emoção com a música. Transmitir algo que eu sinto naquele momento. Por exemplo, na criação destas músicas do Tinto Verano, eu queria muito que se transmitisse muita nostalgia porque era uma cena que estava a sentir muito no momento em que fiz as músicas e eu sinto que nostalgia é um sentimento que nos traz bué para a cena de seres criança. Sempre que ouço o “Summer Jam” ou músicas da Nelly Furtado, sou automaticamente transportado para a minha infância, naquela altura do Euro 2004 [risos]. Até porque eu adicionei essas samples já depois de ter a música mais elaborada. Inicialmente, as músicas iam ser instrumentais, e outras tinham originalmente samples diferentes. A “Verano Jam” tinha inicialmente um sample dos Migos, mas eu achava a letra meio wack, apesar de gostar do flow, então substituí pelo “Summer Jam” [dos Underdog Project]. E olha, por acaso soou bastante bem. Por isso deixei ficar. Aliás, eu nunca ouvi um remix do “Verano Jam”, mas é aquela música que eu sempre ouvi e me lembra sempre do verão e de ser puto. Sei lá, traz-me bué sentimentos de nostalgia.
Por acaso, no “Verano Jam”, eu ainda tenho um pequeno easter egg de uma sample de Migos, no qual manipulei a voz deles para dizerem “shoutout to my grandma”, porque a minha avó tem-me apoiado sempre e eu insisto em mostrar-lhe todos os meus sons, para ver se ela gosta. Então, decidi-lhe deixar esse presentinho.

Se fosses obrigado a escolher apenas um artista para samplar daqui para a frente, qual seria?
DJ 420@ôa – [risos] Oof. Mas porquê?

Sei lá, o Parlamento aprovou uma lei que só podes usar um artista daqui para a frente. O António Costa não quer que escolhas mais do que um.
DJ 420@ôa – Isso é fodido [risos]. Eu sei que me vou arrepender de qualquer resposta que dê e vou pensar “eia, devia ter dito aquilo”, mas epá… Nem sei [risos]. Por um lado, apetece-me escolher assim um artista ó calhas dos 2000’s, tipo Nelly Furtado, porque têm bués sons sampláveis e dão esse sentimento de nostalgia. Por outro lado, apetece-me escolher um outro producer porque assim posso ir roubar-lhe samples [risos]. Epá, ya, como eu não queria comprometer todo o meu processo artístico, acho que escolhia o DJ Vice City, que ele usa bué samples também, e de forma bué random de bué cenas. Então ya, samplava-o a ele, que assim podia ir buscar samples que ele utilizava, e o Parlamento não me conseguiria apanhar [risos]. Ou isso, ou “Amen Break” [risos].

[risos] Viva o “Amen Break”!
DJ 420@ôa – Ya, ficava com o “Amen Break” para sempre e pronto [risos].

Bem, agora só podes samplar “Amen Break”, mas ao menos ainda podes ouvir música. Que tipo de música mais tens ouvido?
DJ 420@ôa – Pá, sinceramente, eu estou sempre a rodar. Nunca estou muito focado em artistas per se e estou sempre a ver bués coisas ao mesmo tempo. Mas o que tenho andado a ouvir ultimamente?… Tenho ouvido muita cena da Príncipe Discos; tenho ouvido cenas do UK, especialmente drum-n-bass. Olha, UK Garage também. Epá… cenas break assim maradas…  Ah, e por acaso ouvi recentemente o YLS da label Amen Lisboa e curti bué.
Artistas em específico… Epá, não te conseguiria dizer, porque ficaria aqui para sempre a enumerar e a tentar lembrar-me de alguns [risos]. Sei lá, man. Eu tenho ouvido bué coisas random, como já disse, mas algumas das minhas grandes influências na minha música são definitivamente artistas como Burial, Mall Grab e Machinedrum, e coisas do género.

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