Um adeus cantado em uníssono: a noite em que os indignu se tornaram lendas
Um adeus cantado em uníssono: a noite em que os indignu se tornaram lendas
Um adeus cantado em uníssono: a noite em que os indignu se tornaram lendas
Não podia ter sido mais bonita, e mais simbólica, a maneira como a Amplificasom se despediu de 2022, na companhia dos indignu para mais uma oportunidade de escutar os temas que compõem o seu último adeus, originalmente apresentado no Amplifest dois meses antes. E se nessa ocasião mostraram-se bastante competentes, nesta noite ofereceram uma atuação verdadeiramente grandiosa, um daqueles concertos mágicos que a nossa memória faz questão de imortalizar.
A verdade é que mesmo à entrada já se notava um entusiasmo palpável no ar, fosse pelo sentimento de contemplação esperançosa presente nos temas de indignu e que parece refletir o espírito desta época introspetiva, fosse pelo ambiente intimista e acolhedor que se respirava num Passos Manuel completamente lotado, com algumas pessoas a sentarem-se no chão quando a vontade de embarcar nesta viagem já ultrapassava o número de cadeiras do auditório. Mas independentemente do local onde nos encontrávamos, a música dos indignu ressoava pela sala com uma força descomunal, como um quadro de paisagens outonais pintado com a beleza de sons etéreos. Delicadeza crua e emotiva a conviver com uma precisão instrumental aliciante, melancolia prazerosa expressa como poesia requintada. Sem dúvida que há uma enorme qualidade cinemática nestas composições, mas a paixão contagiante com que o coletivo barcelense a trabalha faz com que essa autenticidade se mantenha inalterada, criando-se assim uma espécie de encenação orgânica de emoções à flor da pele. Tudo é visceral mas majestoso neste post rock inebriante e celestial, aprimorado por uma portugalidade de tons exóticos e saudosistas, quase a evocar o espírito do fado, que por vezes não se distancia assim tanto do universo que os Dead Combo ousaram explorar.
Num concerto marcado por constantes agradecimentos e até uma homenagem a Mimi Parker, dos Low, a quem gentilmente dedicaram “sempre que a partida vier” (no fundo, um outro “adeus”, lançado a uma alma que nos abandonou prematuramente sem que estivéssemos prontos para isso) alternávamos entre a admiração por uma musicalidade imaculada e a euforia que aquelas melodias angelicais mas imponentes (“urge decifrar no céu”, por exemplo, é uma escultura magistral) despertavam em nós. No final, a banda gradualmente saiu do palco até que Graça Carvalho ficou lá sozinha, timidamente iluminada na escuridão intimista , agarrada ao violino que usava para espalhar melodias tocadas com o coração, notas confessionais que pareciam formar uma elegia triunfal e surrealmente comovente. Voltamos à tal sensibilidade cinemática, aqui registada num shot intemporal… As lágrimas ameaçam invadir o rosto, alma rejubilava.
Um encerramento esplêndido, pensamos nós, até descobrirmos que a sessão não tinha chegado ao fim: houve ainda tempo para um encore à base de dois temas antigos, prolongando assim uma atuação calorosa que nunca perdeu a força da sua luz. Sob um manto de feedback colossal o coletivo lá se retirou, mas acabou por regressar uma segunda vez. Não para tocar, como se chegou a acreditar, mas para novamente agradecer – ao público e ao próprio André Mendes da Amplificasom – a felicidade proporcionada por esta noite memorável, por este serão irrepetível de inigualável comunhão; mais do que um adeus, isto foi um doce e solene até já.
Texto: Jorge Alves
Fotografia: Daniel Sampaio